Bolsonaro coloca o Brasil de joelhos diante do império, diz cientista político ao DCM. Por Larissa Bernardes

Atualizado em 23 de março de 2019 às 7:12
O cientista político Pedro Fassoni (Foto: Reprodução)

Em entrevista exclusiva ao DCM, o cientista político e professor da PUC-SP Pedro Fassoni de Arruda comenta a viagem de Bolsonaro aos Estados Unidos.

Confira na íntegra:

DCM – Qual seu panorama sobre a viagem de Bolsonaro aos EUA?

Pedro Fassoni – Primeiro de tudo, essa viagem é a expressão máxima da política externa do Bolsonaro. Ela indica justamente seu alinhamento automático e até mesmo sua submissão aos interesses dos Estados Unidos.

Fez diversas ofertas ao governo estadunidense sem exigir nada em contrapartida. O Bolsonaro voltou ao Brasil, inclusive, sem que o presidente americano tivesse se comprometido a fazer qualquer tipo de concessão, não indica nada a não ser meras declarações de princípios, mas, na prática, isto não significa absolutamente nada.

Isso contrasta com o próprio discurso de Bolsonaro, que sempre repetiu que queria uma política externa dita não ideológica e mais pragmática.

O que revela essa viagem é uma visita extremamente com viés ideológico e absolutamente nada pragmática, porque não houve absolutamente nada efetivo em termos de concessão do governo estadunidense em termos de, por exemplo, redução de barreiras tarifárias dos produtos brasileiros.

DCM – Você mencionou uma certa subserviência do Brasil aos EUA, que impacto isto traz para o nosso país?

PF – O Brasil acaba justamente se alinhando a um parceiro comercial muito mais forte, existem assimetrias gigantescas de poder econômico entre ambos os países numa disputa comercial baseada nos princípios da livre-concorrência.

O Brasil exporta commodities e acaba importando manufaturados, que têm muito mais valor, inclusive.

Então, não vejo nada de positivo nessa visita do Bolsonaro a não ser declarar seu amor aos Estados Unidos. Algumas declarações do Bolsonaro e do Paulo Guedes chegam a beirar o ridículo, por exemplo, falar que admira a Disneylândia e a Coca-Cola.

Então, isso é realmente inadmissível para quem pensa numa política externa e nos grandes temas da política internacional.

DCM – Falando em declarações, uma dada pelo Eduardo Bolsonaro revoltou a comunidade brasileira nos EUA… Para você, como é ver um político de uma grande nação dar declarações que ofendem, inclusive, os próprios brasileiros?

PF – Aquela [declaração] sobre os brasileiros que vivem nos Estados Unidos? Também é lamentável, porque acaba desqualificando muitos brasileiros que vão lá justamente com o chamado “sonho americano”. Então, mesmo sendo imigrantes ilegais, eles têm um claro propósito de trabalhar, enriquecer… e aí você vê o filho do Bolsonaro praticamente difamando os brasileiros que vivem no exterior.

DCM – Essa posturas submissa do Brasil em relação aos EUA é algo já acontecia em outros governos?

PF – Tão subserviente assim, eu desconheço na história do Brasil. Nem mesmo um dos mais entreguistas do período republicano, que era o presidente Dutra chegou a fazer declarações assim tão apaixonadas para o modelo americano.

Então, ele [Bolsonaro] fala que durante muito tempo o presidente não anti-americano é recebido nos Estados Unidos, o que não é verdade.

Em primeiro lugar, porque afirmar os interesses do país não significa ser anti-americano. Todos os presidentes acabam defendendo os interesses comerciais de seus países.

O próprio Lula, inclusive, tinha boas relações tanto com o Obama quanto com o Bush. E o fato do Lula adotar uma política externa independente, ou, como se dizia naquele momento, uma política externa ativa e altiva. Isso não significa que era anti-americano. Simplesmente, buscava-se tirar vantagens do comércio bilateral.

O Bolsonaro já não tem esse tipo de pensamento, o que chega, inclusive, até a preocupar alguns setores do empresariado brasileiro, como os empresários industriais.

DCM – Como você vê um presidente que foi eleito com um discurso patriota se dobrar dessa forma aos Estados Unidos?

PF – É totalmente incoerente. Ele dizia que Deus e o Brasil estariam acima de tudo e de todos, mas, na verdade coloca o Brasil de joelhos diante do império.

A gente vê, inclusive, comentários de jornalistas e historiadores que ocupam um espaço nos oligopólios midiáticos criticando também. Até o Marco Antonio Villa, um notório reacionário, que participou ativamente do golpe, fez duras críticas ao Bolsonaro, o classificando como “entreguista”.

De fato, é disto que se trata. Ele [Bolsonaro] se vangloria no exterior de vender os nossos aeroportos e de que tem muito mais coisas para vender do nosso Brasil. Então, é muito preocupante.

DCM – Olhando os governos passados, você enxerga algum modo de relação com os EUA que seja mais adequado aos interesses do Brasil? Qual seria sua saída para que o Brasil fosse um pouco mais soberano diante dos Estados Unidos?

PF – Muitos governos, inclusive o do presidente direitista Jânio Quadros adotou uma política externa independente. Uma política externa que teve continuidade no governo do João Goulart, sob a liderança de San Tiago Dantas.

O Lula também, com o chanceler Celso Amorim, conseguiram ali preservar os interesses do Brasil. Utilizavam, inclusive, a proximidade com outros países para barganhar melhor com os Estados Unidos. Então, davam ênfase no Mercosul, estreitavam as relações com outros países da América Latina e também da África. Criando embaixadas em diversos países, fortalecendo a formação do corpo diplomático…

Então, tudo isso foi muito importante para o Brasil ampliar seus parceiros comerciais, fortalecer setores do empresariado brasileiro, criar novas frentes de exportação de seus produtos.

João Goulart e Lula não eram presidentes revolucionários nem extremistas, eram reformistas, que tentaram, cada um a sua maneira, conquistar margens de barganha dentro do jogo capitalista.