PUBLICADO ORIGINALMENTE NO BRASIL DE FATO.
Era quase noite do dia 27 de março de 2018 quando os motoristas do comboio de ônibus perceberam os pneus murchos e decidiram parar. Os passageiros haviam relatado um barulho estranho, pouco depois da comitiva deixar a cidade de Quedas do Iguaçu rumo a Laranjeiras do Sul, ambas no estado do Paraná, para o penúltimo ato da Caravana Lula pelo Sul.
O jornalista Joaquim de Carvalho, do portal Diário do Centro do Mundo, lembra bem daquele momento. “Eu me lembro que a certa altura houve um barulho seco, diferente daquele barulho que a gente costumava ouvir que era de pedrada, de ovos, era algo seco. Mas não deu para saber o que era no momento. Algumas pessoas imaginaram que fosse tiro de chumbinho, mas parecia algo mais grave do que isso”.
Ao desembarcar, os passageiros constataram duas marcas de disparos de arma de fogo contra o ônibus que levava os jornalistas que acompanharam os dez dias de recorrido pelos três estados da região sul do país. A polícia então foi acionada.
“Depois que tudo isso passou, algumas horas depois, é que começou a cair a ficha. E eu pensei: ‘Cara, podia ter morrido gente’. Foi algo muito grave o que aconteceu. Agora, mais grave ainda é que não houve nenhum esclarecimento”.
Embora tenha conseguido assustar a comitiva que acompanhava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o atentado não feriu ninguém.
Cláudia Motta, jornalista da Rede Brasil Atual, conta que já havia feito a cobertura de outras duas caravanas do ex-presidente. Mas, pela proximidade da campanha eleitoral, o nível de violência e organização dos grupos opositores foi distinto no sul do país. Por todo o trajeto de mais de três mil quilômetros, grupos identificados como apoiadores do então deputado federal Jair Bolsonaro lançaram pedras, ovos e até rojões contra os ônibus da caravana.
“Nas duas, sempre tiveram episódios pequenos. No nordeste, nas capitais, de vez em quando, uma coisinha de nada. Em Minas idem. O que a gente viu desde o primeiro dia no sul era uma coisa muito orquestrada. Conforme a gente olhava pela estrada, as pessoas eram as mesmas sempre. Tinha um grupo, pelo que me parecia, pois não tenho como comprovar. Mas, nesses grupos que acompanharam a caravana, tinham sempre pessoas parecidas”.
O jornalista Murilo Matias também acompanhava a caravana e lembra que, desde Bagé (RS), a primeira cidade visitada pela caravana do ex-presidente Lula, as cenas de violência se repetiram em cada localidade.
“Algumas cenas foram muito impactantes nesse caminho. Por exemplo, a cena das pessoas que esperavam nos trevos, que era justamente quando os ônibus naturalmente têm que reduzir a velocidade para passar, e as pessoas estavam esperando para jogar pedras e nós tínhamos que nos abaixar para não sermos atingidos”.
Um dos momentos de maior tensão ocorreu em Chapecó (SC), onde grupos violentos feriram mulheres, crianças e idosos ao lançar pedras e rojões contra a concentração de apoiadores do ex-presidente, tudo sob a guarita da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina.
“Eu me lembro bem que, naquela ocasião, havia um empenho muito grande das pessoas que participavam naqueles atos de não reagir, porque sabiam que, se de alguma maneira reagissem, a polícia viria para cima. Era o pretexto que queriam para tumultuar ou para gerar um conflito ainda maior”.
Apesar dos sustos, Cláudia lembra que também houve momentos memoráveis da passagem do ex-presidente Lula pelos estados do sul.
“Uma coisa que eu nunca esqueço de Chapecó é que, enquanto ele falava, as bombas dos opositores, que eram poucos do outro lado da rua, foram silenciando. Parece que até eles pararam para ouvir o presidente Lula”.
Peixe morre pela boca
Algumas reações no mundo político ao atentado contra a caravana causaram perplexidade por insuflar ainda mais a violência política no Brasil. O então deputado e agora presidente da República, Jair Bolsonaro, ironizou o ataque e sugeriu que o atentado fosse uma “armação”.
“Está na cara que alguém deles deu os tiros. A perícia deverá ficar pronta entre hoje e amanhã e vai apontar a verdade”, disse em um comício em Ponta Grossa (PR) no dia seguinte ao atentado. Meses depois, o próprio Bolsonaro seria vítima de um atentado a faca que quase o tirou da corrida eleitoral.
O ex-governador do estado de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), que figurava naquele momento como o principal candidato da centro-direita ao governo federal, afirmou: “Acho que eles [o PT] estão colhendo o que plantaram”, disse o tucano que terminou em 4º lugar, com menos de 5% dos votos.
Já o atual governador de São Paulo, então prefeito da capital paulista, João Dória (PSDB), disse que “o PT sempre utilizou da violência, agora sofreu da própria violência”.
As investigações
Muitas controvérsias vieram esquentar ainda mais o assunto do atentado contra a caravana do ex-presidente Lula. Logo após o ataque, a Secretaria de Segurança Pública do Paraná (SESP-PR) declarou em nota que “não houve, por parte do ex-presidente, pedido de escolta”, informação que foi desmentida em seguida pelo diretório estadual do PT, que divulgou o conteúdo do pedido encaminhado às autoridades paranaenses. “O PT pediu, sim, ao governo do estado que providenciasse toda a segurança para a caravana”, declarou o partido.
Dias depois, o Brasil de Fato denunciou que o jornalista Karlos Eduardo Antunes Kohlbach, assessor de imprensa da SESP-PR, também se apresentava como assessor de imprensa do comitê de campanha do então pré-candidato presidencial Jair Bolsonaro (PSL) em Curitiba. Procurado pela reportagem, o assessor afirmou que a assessoria de imprensa do comitê de Bolsonaro era eventual e não configurava uma relação de trabalho. A colaboração com o comitê, sem remuneração, teria sido feita a pedido do deputado federal Fernando Francischini (PSL), amigo pessoal do jornalista e pai do atual presidente da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados, Felipe Francischini.
No dia 5 de abril, a Polícia Civil do Paraná divulgou o resultado da perícia que atestou que a caravana de Lula foi atingida por dois tiros de arma de fogo calibre 32. Os disparos perfuraram a lataria de um dos três ônibus da comitiva petista na rodovia PR-473, entre as cidades de Quedas do Iguaçu e Laranjeiras do Sul. No dia 12 de abril de 2018, a polícia do Paraná informou haver identificado o dono do terreno de onde teriam partido os tiros que atingiram um dos ônibus: Leandro Langwinski Bonotto, fazendeiro de 45 anos com histórico de conflitos com o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) na região. Até o momento, ninguém foi responsabilizado.
O Brasil de Fato solicitou à SESP-PR informações atualizadas sobre a investigação, por meio de sua assessoria de imprensa, mas até a publicação dessa reportagem não havia obtido retorno.
Caravana volta à percorrer o sul por Lula Livre
Os comitês e a campanha nacional Lula Livre, assim como o PT, irão promover uma nova edição da Caravana Lula Livre no Rio Grande do Sul , Santa Catarina e Paraná, nos dias 5, 6 e 7 de abril, respectivamente, com Fernando Haddad, ex-candidato presidencial. A ação também terá o compromisso de fazer resistência aos retrocessos de Jair Bolsonaro(PSL)
“O Lula é o presidente de honra do PT. Temos uma obrigação moral de lutar contra essa injusta prisão. O partido continua acreditando na Justiça, de que ela será feita. Lula é um preso político. A Caravana é a primeira sem a presença física dele, mas com forte presença da ideia Lula, do símbolo que ele é”, disse Carlos Árabe, secretário de comunicação do PT. Clique aqui para saber mais sobre a nova Caravana.