Depois da primeira edição do Big Brother Brasil, em 2002, nunca mais vi um episódio do reality show, mas é inegável que o programa da Globo continua tendo repercussão.
Jean Wyllys se tornou conhecido ao participar de uma das edições do programa e, com sua personalidade e discurso, levantar a bandeira LGBT.
Desta vez, quem está na arena é Rodrigo França, que esta semana deixou o Big Brother Brasil com alto índice de rejeição: 69,7% das pessoas votaram para que ele fosse eliminado.
Rodrigo, ator e dramaturgo, não teria ficado chateado com a eliminação, como contam seus parentes, com quem eu conversei, mas com o linchamento moral que a família tem sofrido nas redes sociais.
“Minha mãe está tomando medicamento, depois de ser xingada nas redes”, contou Fábio, irmão de Rodrigo (o brother, por razões contratuais, só pode dar entrevista em veículos da Globo).
O “crime” da mãe de Rodrigo, Vera Lúcia Ferreira da Silva, conhecida como Dona Verinha, foi ter feito sucesso na rede social, com o funk “Deixa o menino roncar”.
A música foi uma resposta bem-humorada a uma das primeiras situações de hostilidade que Rodrigo enfrentou na casa do Big Brother.
Ele não era o único que roncava ali, mas foi o único que foi colocado para fora do quarto e teve que dormir em outro lugar.
Dona Verinha começou a ser ofendida com expressões racistas em sua rede social, e caiu em depressão. Para ela, foi um alívio o filho ter sido eliminado do Big Brother.
O episódio do ronco, porém, não foi o mais grave. A notória Paula disse que não indicaria Rodrigo para o paredão “porque ele mexe com esses trechos, de Oxum deles lá”.
Quando soube, Rodrigo tomou a decisão de não deixar barato. “Mais uma vez, se coloca o Candomblé como algo maligno, perverso, sem o cuidado de se perguntar sobre o que se fala”, disse ele, em uma das entrevistas à Globo.
Na rede social, o ataque a ele tem sido pesado. Internautas o chamaram de macaco, disseram que seu lugar era no zoológico e o definiram como “lixo para a sociedade”.
Assim como Jean Wyllys, tempos atrás, Rodrigo tem uma trajetória que o diferencia de outros brothers. Como ator, se destacou no teatro por peças de forte conteúdo político.
Encenou o Pequeno Príncipe Negro, quando conheceu o advogado Ricardo Brajterman. Os dois são amigos e ambos lutam por causas parecidas, Rodrigo no movimento negro, Ricardo como judeu.
Ricardo foi diretor jurídico da Federação Israelita do Rio de Janeiro, da qual se afastou depois de um episódio polêmico, em que a Hebraica convidou Jair Bolsonaro para fazer uma palestra.
Foi quando, pré-candidato a presidente, Bolsonaro citou o caso de um quilombo, em que se referiu a seus moradores com peso em arrouba, como se fossem animais.
Também comparou o nascimento da sua filha a uma “fraquejada”.
Brajterman, que é conhecido por posturas corajosas e é professor de direito na PUC, aceitou o desafio de mover ações contra os autores das mensagens racistas.
“O primeiro passo será identificar os agressores, porque sabemos que elas partiram de perfis fake e também de perfis verdadeiros. Eles responderão por seus atos”, disse o advogado ao DCM.
Ricardo também estuda apresentar uma queixa diretamente na delegacia de combate a crimes de intolerância, onde já teria sido aberta uma investigação por conta de manifestações racistas da participante do Big Brother Paula.
“Pelo contato que tive com a família, tenho certeza da disposição deles de ir até o fim. E poderão contar comigo. Esse tipo de crime não pode ficar impune”, afirmou.
Outras medidas em estudo são ações civis, em que os agressores serão cobrados para indenizar os ofendidos.
Numa época em que o preconceito, o racismo e a intolerância foram empoderados pela eleição de Jair Bolsonaro, essas ações podem ter caráter pedagógico.
O Big Brother, enfim, poderá servir para algo útil, que vá além de uma vitrine para pessoas em busca de quinze minutos de fama e como programa de televisão para ajudar o tempo passar a pessoas que não têm coisa melhor para fazer.