Penúltimo dos 10 filhos de seu Jácomo e dona Inês, Jilmar Tatto é um personagem conhecido em São Paulo pela sua capacidade de realização.
Se é verdade que a gestão de Bruno Covas não tem marca, e que a de João Doria primou pelo marketing barato (prova disso é a surra que o gestor tomou de Márcio França na cidade na eleição do ano passado), o mesmo não se pode dizer dos governos do PT.
Goste você ou não do partido, o fato é que as principais conquistas populares das últimas décadas foram obtidas com um petista no comando da prefeitura – e a maioria delas idealizadas e implementadas por Jilmar.
Banco municipal de alimentos, implantação da merenda escolar em substituição à merenda seca – lembra que o gestor teve a ousadia de oferecer ração para as crianças? -, Vai e Volta, conquistas no setor de mobilidade como integração do bilhete único, corredores de ônibus, faixas exclusivas para bicicletas e, especialmente, o fechamento da avenida Paulista aos domingos, uma ação aparentemente simples mas que acabou por desnudar a vocação urbana do paulistano e que mudaria para sempre a relação das pessoas com a cidade.
Jilmar falou com o DCM entre um compromisso e outro nas suas atribuições de vice-presidente do PT estadual e aulas de doutorado na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, onde se especializa na área de mobilidade urbana.
A família, que saiu do Rio Grande do Sul, radicou-se no Paraná e migrou para São Paulo entre os anos 60 e 70 prosperou e constituiu riqueza – dos 8 irmãos homens, quatro têm mandatos eletivos e Jilmar se prepara para reivindicar junto ao PT a vaga de candidato a prefeito na eleição do ano que vem.
Sua proposta é dialogar com os moradores dos bairros e reconquistar o que se convencionou chamar de cinturão vermelho da capital.
“Sem entrar no mérito do certo ou errado, nos afastamos dos bairros e isso teve consequências”, diz ele. “Temos de reocupar esse espaço, mas de forma efetiva, indo nos locais, ouvindo a população e levando esperança, apontando ações práticas para melhorar o cotidiano da cidade e a vida das pessoas. Penso que posso ser esse instrumento de interlocução. Sou morador da zona Sul e gosto desse contato com as pessoas”.
Secretário de Transportes de Fernando Haddad por quatro anos, Jilmar falou sobre mobilidade, criticou a inépcia de Bruno Covas e contou que em janeiro escreveu para o presidente Lula com apontamentos e propostas para 2020.
DCM – Em relação ao transporte público, o que mudou na cidade da gestão Haddad para cá?
Jilmar Tatto – De maneira bem objetiva a resposta exata é praticamente NADA.
Muita “espuma”, exagero de marketing, bem ao estilo Doria, mas efetivamente nenhuma medida foi adotada em quase dois anos e meio de gestão tucana.
Corredores e faixas exclusivas para ônibus, nenhum mísero metro foi construído ou implantado.
E para piorar, diminuiu o número de linhas noturnas que implantamos. Para fazer justiça, há que se lembrar da conclusão da licitação do transporte público na cidade. Por determinação do então prefeito Haddad, à época Secretário de Transporte, iniciei este trâmite licitatório em 2013.
Por se tratar de um processo complexo, muito disputado e de muitas exigências técnicas e administrativas, entram em ação os diversos embates jurídicos, questionamentos e recursos judiciais de natureza variada. Enfim, uma “novela” cujo desfecho só foi possível quase seis anos depois, mantido o conceito que idealizamos, mas afrouxaram na fiscalização e na melhoria do serviço.
Ressalte-se, inclusive, que na forma e conteúdo desse chamado certame muito pouco a atual gestão mudou. No bilhete único tanto no âmbito técnico/tecnológico como operacional apenas deu sequência às exigências colocadas.
Mas considero que houve tropeço da prefeitura, na medida em que penaliza o usuário; mas isso é bem do estilo PSDB de governar.
DCM – O presidente Bolsonaro mandou suspender a instalação de radares em rodovias federais. Que impacto uma medida como essa pode ter na mobilidade e na segurança das pessoas?
JT – Primeiro é preciso lembrar que já houve decisão da Justiça, em caráter liminar, que proíbe o governo de retirar radares de rodovias federais.
A juíza Diana Wanderley, em sua sentença, considerou que a União “está a exercer indevida ingerência nos rumos das atribuições legais do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte), desrespeitando a autonomia da autarquia para cumprir suas metas, com base em opinião pessoal de fundamento subjetivo e sem o prévio lastro técnico, proferida pelo chefe do Poder Executivo”.
Mas essa decisão atabalhoada de Bolsonaro é só mais uma das tantas facetas de seu estilo histriônico, barulhento e pouco ou nada de prático.
Uma estrada tão sinuosa e montanhosa como a Regis, por exemplo, é claro que exige dispositivos eletrônico de controle de velocidade, por medida de segurança, em defesa da vida.
Agora, também é fato que a cada dia que passa esse governo é levado menos a sério. Há, infelizmente, um raciocínio raso de que o radar e/ou lombada eletrônica têm como objetivo exclusivo a multa, não é assim. Há critério técnico, estudos desenvolvidos que fundamentam a colocação deste ou daquele equipamento, mas na cabeça de Bolsonaro…. Ah, a cabeça do Bolsonaro.
Nas estradas federais em São Paulo, o número de mortes aumentou em 500% na comparação do feriado de páscoa deste ano com o anterior
DCM – Em SP, a gestão Haddad apostou nos radares e foi bastante criticada pelos excessos. Você, que era o Secretário dos Transportes, em algum momento se arrepende dessa decisão?
JT – Não nos arrependemos de nenhuma das medidas adotadas em nossa gestão no âmbito do trânsito, transporte e mobilidade urbana de modo geral.
Priorizamos a preservação da vida, a segurança e educação no trânsito. A gritaria em torno dos supostos excessos então alegados veio na esteira de uma histeria bem orquestrada contra nossa gestão. Vamos lembrar, por exemplo, quando estabelecemos limite de velocidade para 50 km/h; houve até ação judicial contra esta medida, na época.
Agora, o prefeito Bruno Covas aponta para adoção do limite de 30 km/h em alguns pontos da cidade e silêncio geral, nenhuma reclamação.
Reitero que não houve excessos na implantação de medidas para assegurar respeito às leis no trânsito. Era o necessário naquele momento amparado em um plano de mobilidade que levou em conta a cidade como um todo, o cidadão a pé, de bicicleta, de transporte público ou de carro.
Tanto assim que estudos técnicos sérios, responsáveis reconheceram que havia um planejamento completo para a metrópole nesse campo que exigia ações de disciplina e não apenas atuações estanques e muito menos de cunho punitivo.
Nossa prioridade sempre foi no sentido de permitir que o cidadão usufrua de sua cidade, através de iniciativas como a Paulista aberta, a implantação do carnaval de rua e levamos a educação no trânsito para a periferia com o Programa CET no bairro.
Agora, a gritaria da suposta indústria da multa surgiu justamente às vésperas do processo eleitoral contaminando, infelizmente, a própria campanha.
DCM – A gestão da Marta implantou o bilhete único que passou por sucessivos processos de mudança nas gestões seguintes, inclusive Bruno Covas, mais recentemente. O que você acha das medidas do atual prefeito e o que você faria no lugar dele?
JT – Aliás, essa gestão tucana até agora é um caso sério de atraso e prejuízo para a cidade e para a população.
O prefeito eleito (Doria) fez da prefeitura trampolim, um ano e quatro meses de puro marketing, campanha antecipada para governador, abandonou o mandato e assumiu seu vice.
Bruno Covas, por sua vez, só depois de um ano de governo começou a apresentar alguns planos de gestão, nada de medidas efetivas. Por exemplo, só agora ele apresentou um plano de metas administrativas que reduz e muito o que foi proposto por seu antecessor. E aí a pergunta inevitável: Doria mentiu e fez promessas inviáveis, ou Bruno Covas não sabe como viabilizar nada do que foi prometido?
Sobre o Bilhete Único, como pioneiro que fui para sua implantação, em 2003, sempre tive claro que as demandas e dinâmica tecnológica exigiria processos de atualização e busca de ampliação de benefícios para a população. E assim vem sendo feito. Mas, quando se trata de assegurar vantagens para a população, está no DNA do PSDB o “pé atrás”, a má vontade.
Agora mesmo Bruno Covas quis reduzir o número de integrações permitidas com o mesmo bilhete para os trabalhadores, que a bancada de vereadores do PT entrou com ação judicial para derrubar essa medida. Claro que eu não proporia um absurdo desse. O Bilhete Único é conquista da sociedade paulistana cujo foco é facilitar e baratear o transporte público para os usuários. Bruno Covas, no entanto, deixa claro que tem outros compromissos.
DCM – Em relação aos corredores de ônibus, em que acha que a cidade precisa avançar?
JT – Doria foi eleito com a promessa de construir 72 km de corredores, Bruno Covas, em seu plano de metas, reduziu isso para 9,4 km; menos do 15% do prometido por seu antecessor.
A apenas pouco mais de um ano e meio para terminar a gestão tucana nada foi construído, zero km. E nossa gestão, entre corredores e faixas exclusivas implantamos 400 km, diga-se, mais do que o proposto em nossa campanha eleitoral, em 2012. Minha convicção é de que há espaço para muito mais, com prioridade máxima para o transporte público. Em todas as regiões da cidade é possível avançar com mais corredores e faixas exclusivas de ônibus.
Agora, no entanto, o momento é de pensar e implementar, simultaneamente, outras modalidades de transporte. Falo das ciclovias e ciclofaixas, por exemplo. Um plano específico (regulamentação) para a realidade dos chamados patinetes que estão tomando conta da cidade e, por que não, criar as condições para que o cidadão adote com segurança a opção de andar a pé, além da carona solidária e outras medidas capazes de agilizar de fato a mobilidade urbana.
DCM – Em relação às ciclovias, houve críticas no início mas o fato inegável é que o paulistano abraçou a bicicleta. O que a gestão Haddad deixou e o que foi feito por Doria/Covas de dois anos e meio para cá?
JT – A exemplo dos supostos excessos cometidos com limitação da velocidade de carros em 50 km/h em alguns pontos da cidade e as faixas exclusivas de ônibus, os mais de 400 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas que implantamos também foram alvos de muita polêmica. Tudo isso, na época, visto como iniciativas ousadas e hoje com amplo reconhecimento da população pelos benefícios que trouxe.
Mas, de novo, o fato é que o atual prefeito não implantou nem um quilometro dessa infraestrutura cicloviária. Seu plano de metas, agora, a pouco mais de um ano e meio para concluir o governo, fala em implantar 173 quilômetros. Mas apenas em estudos por enquanto e sabe-se lá quando sai do papel.
Propõe, ainda, requalificar 310 quilômetros já existentes. Problema é que nesses quase 30 meses de gestão não foi feito nada de manutenção e conservação dessas “pistas”, ou seja, estão em completo abandono para só agora entrar num fantasioso plano de metas.
DCM – A gestão Haddad reduziu a velocidade nas vias com o discurso de que iria melhorar a segurança e o fluxo do trânsito. Em que avançou, o que deveria ter sido corrigido e melhorado? Qual o impacto das medidas tomadas por Doria e Bruno Covas nesse setor?
JT – Não foi discurso, foi medida prática, de eficácia comprovada.
Estudos da CET demonstraram isso nas marginais Tiete e Pinheiros de maneira inconteste. Foram reduzidos expressivamente o número de colisões e acidentes com vítimas fatais.
Por exemplo, no final de 2014, quando implantamos o Programa, tivemos 1249 mortes no trânsito; no ano seguinte, como resultado, redução para 992, ou seja, 257 vidas preservadas. Já nos dois primeiros anos dessa gestão, em 2017, ainda como resultado do nosso trabalho, houve 797 óbitos, já no ano seguinte aumentou para 849, o que representam 52 mortes a mais. Não vejo o que poderia ter sido corrigido naquele momento e destaco de novo que a gritaria se deu muito por populismo eleitoral e menos por razões técnicas e estruturais.
Não por acaso, para cumprir pelo menos uma promessa Doria aumentou os limites de velocidade nas marginais e a consequência imediata foi crescimento dos índices de congestionamentos, colisões e acidentes. Vamos lembrar, aqui, que o próprio Bruno Covas, recentemente, falou que não mexeria nos limites de velocidade nas marginais porque foi compromisso de campanha de Doria.
Ou seja, a política casuísta se sobrepõe à demanda técnica de medidas voltadas à segurança no trânsito.
DCM – Você pretende se candidatar a prefeito de São Paulo
JT – Cheguei a São Paulo ainda garoto com meus pais e irmãos num momento em que tomava corpo as grandes mobilizações políticas e populares.
Cresci nesse ambiente, tomei consciência da luta por justiça social.
Já adolescente participei da fundação do PT, organizei fundo de greve em apoio à greve dos metalúrgicos do ABC, estive nas lutas contra a carestia e no movimento estudantil.
Então tá no sangue a militância.
Essa experiência me deu a condição de conhecer São Paulo, sua alma e seu povo, em cada canto da cidade, com toda sua diversidade e pluralidade.
No PT fui membro das direções zonal (Parelheiros/Capela do Socorro), municipal e nacional.
Atualmente sou vice presidente estadual.
Fui deputado estadual (1999/2001) e deputado federal por dois mandatos (2007/2013). Participei dos governos petistas na Capital, em especial na gestão Marta, como Secretário de Abastecimento, quando implantamos a alimentação escolar em substituição à simples merenda, implantamos o Banco de Alimentos da cidade, reformamos e modernizamos os mercados municipais e feiras.
Também fui Secretário da Subprefeitura e tive incumbência de implantá-las em cada distrito da cidade.
Como Secretário de Transporte, a inovação com os corredores e faixas exclusivas de ônibus e o bilhete único. Também fui Secretário de Governo, em 2004.
Na gestão Haddad, fiquei os quatro anos como Secretário de Transporte e agilizamos mais corredores e faixas para ônibus, modernização dos terminais, implantação do passe livre para estudantes, ampliação do Bilhete Único e as ciclovias e ciclofaixas.
Com esse histórico, com essa trajetória militante e de gestor municipal penso que reúno as condições para fazer o debate sobre o futuro da nossa cidade e os desafios que o PT tem pela frente.
Em março último enviei carta ao presidente LULA com um diagnóstico político da cidade e algumas avaliações sobre o Partido.