Como corrigir os equívocos da ação do STF sobre ofensas e ameaças a ministros. Por Afrânio Silva Jardim

Atualizado em 30 de abril de 2019 às 7:39
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PUBLICADO ORIGINALMENTE NO EMPÓRIO DO DIREITO.

O S.T.F. não pode investigar a prática de crimes, tendo em vista o sistema processual acusatório, mormente quando não há indiciados com foro originário por prerrogativa de função

A Procuradoria Geral da República não tem atribuição para decidir pelo arquivamento de inquérito que deva tramitar no primeiro grau de jurisdição.

Inicialmente, importa esclarecer que estamos tratando do controvertido inquérito instaurado por ordem do presidente do S.T.F., que designou o ministro Alexandre de Moraes para presidi-lo.

Embora não esteja bem esclarecido, tal investigação inquisitorial tem como objeto a prática de supostos crimes de ameaças e ofensas à honra de alguns ministro do S.T.F., bem como a disseminação de notícias falsas sobre eles e seus familiares.

Como se sabe, na hipótese, não há indiciados com direito a foro por prerrogativa de função, motivo pelo que fica ainda mais patente a falta de atribuição do S.T.F. para tal investigação.

Acresce que, como já foi dito à saciedade, não cabe aos órgãos do Poder Judiciário investigar delitos, tendo em vista os princípios e regras constitucionais próprias do chamado “sistema processual penal acusatório”.

Os magistrados não podem ser órgãos da persecução penal para não terem prejudicada a sua necessária e imprescindível imparcialidade no ato de julgar a pretensão punitiva estatal.

Por outro lado, também falece de atribuição a Procuradora Geral da República para arquivar o controvertido inquérito, instaurado por ato do presidente do S.T.F. (sic), devendo ele ser desmembrado em tantos inquéritos quantos foram os delitos não conexos investigados.

A atribuição da Procuradoria Geral da República está vinculada à competência do órgão judicial perante o qual ela atua, vale dizer, o Supremo Tribunal Federal.

O mais grave é que os arquivamentos do Ministério Público Federal, através do seu órgão de cúpula, não se submetem ao controle do princípio da obrigatoriedade, pois o S.T.F. não pode obrigar o “Parquet” a oferecer a sua denúncia.

Neste caso, a única possibilidade de o direito de ação penal condenatória ser exercido perante o S.T.F. seria através da chamada ação penal privada subsidiária da pública, que hoje está consagrada na Constituição Federal e pode ter o seu cabimento ampliado para as hipóteses de arquivamento do inquérito no S.T.F. , à míngua de qualquer controle da manifestação de arquivamento da P.G.R.

Atualmente, apenas nesta hipótese, estou admitindo tal ampliação, conforme de há muito foi sustentado pelo saudoso professor José Carlos Barbosa Moreira (“Temas de Direito Processual”, Segunda Série, Ed.Saraiva, 1980, S.P, páginas120 e 120/121).

Melhor seria que lei específica disciplinasse o arquivamento de inquéritos nos casos de competência originária dos tribunais, admitindo que o poder judiciário pudesse indeferi-lo para submetê-lo a nova apreciação por um colégio de procuradores do Ministério Público.

No sistema acusatório, a última palavra sobre a propositura ou não da ação penal condenatória só pode ser do titular desta ação (Ministério Público).

Concluindo esta primeira parte, entendemos que a “opinio delicti”, no caso concreto, deve ser da atribuição dos Procuradores da República que atuam junto aos juízes federais de primeiro grau, conforme abaixo detalhamos.

A circunstância de ser um mesmo sujeito passivo não torna conexas as infrações penais.

Como se sabe, a conexão entre crimes só ocorre nas hipóteses expressamente previstas no artigo 76 do Código de Processo Penal.

Desta forma, não basta, para que haja conexão, o fato de uma só pessoa ter sido vítima de vários delitos. Só por isso, eles não serão conexos !!!

Ademais, havendo conexão, deseja o referido código que haja unidade de processo e de julgamento (art.79), motivo pelo que, somente nesta hipótese, as infrações penais devem ser investigadas através de um mesmo inquérito policial.

Pelo exposto, além das várias questões processuais que examinei em vídeo, que consta desta minha rede social, não se justifica que as diversas ameaças, ofensas e notícias falsas contra ministros do S.T.F. estejam sendo investigadas em um só inquérito policial, pois os supostos delitos foram consumados em locais e Estados diversos, bem como no Distrito Federal.

Assim, cada crime noticiado deve ser investigado em inquérito próprio e exclusivo (salvo se houver conexão), tudo no primeiro grau de jurisdição da Justiça Federal, cabendo ao Procurador da República com atribuição atuar no inquérito e, ao seu final, oferecer denúncia ou requerer o arquivamento ao juiz federal junto ao qual atue.

Nesta hipótese, incidirá controle semelhante ao disposto no artigo 28 do Cod.Proc.Penal (no caso, a forma de controle do princípio da obrigatoriedade da ação penal pública está prevista na Lei do Ministério Público Federal).

Concluindo, não havendo indiciado com direito a foro por prerrogativa de função, não tem atribuição a Procuradora Geral da República para arquivar o controvertido inquérito, instaurado por ato do presidente do S.T.F. (sic), como esclarecemos acima, devendo ele ser desmembrado em tantos inquéritos quantos foram os delitos não conexos investigados.

Realizado o desmembramento, os respectivos autos destes novos inquéritos policiais devem ser encaminhados à circunscrição da justiça federal do local da consumação das infrações penais. Lá é que deve ser explicitada a “opinio delicti” do Ministério Público.

Por derradeiro, cabe indagar se os eventuais ofendidos (vítimas) dos crimes de ameaça e dos crimes contra a honra de funcionários públicos, em razão de suas funções, efetivamente apresentaram suas respectivas representações, condição indispensável para a instauração do inquérito policial (art.5, parágrafo 4, do Cod.Proc.Penal).

Esta seria a forma jurídica mais adequada para tentar consertar este conjunto de equívocos procedimentais.

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Afrânio Silva Jardim é professor associado de Direito Processual Penal da UERJ, mestre e livre-docente em Direito Processual, Procurador de Justiça (aposentado).