Beth Carvalho, Rainha do Samba, exemplo de luta, não cabia no Brasil de Bolsonaro. Por Charles Nisz

Atualizado em 30 de abril de 2019 às 21:14
Ela

POR CHARLES NISZ

Neste 30 de abril de 2019, uma infecção generalizada nos tirou a sambista Beth Carvalho, aos 72 anos de idade (5 de maio de 1946).

A inclinação para a música veio da mãe Maria Santos, uma pianista. Do pai, o advogado João Francisco Carvalho, ela herdou a militância política. Desde a adolescência, Elizabeth Carvalho tocava violão e dava aula de música em diversos bairros do RJ. Sílvio Caldas, Elizeth Cardoso e Aracy de Almeida eram suas influências.

Mas esse mundo mágico da música e da arte no qual vivia a adolescente Beth seria abalado em 31 de março de 1964.

O golpe militar foi um baque para a família de classe média carioca: o pai João Francisco foi preso por defender ideias de esquerda. Para ajudar no sustento da família, Beth passou a dar aulas de música profissionalmente. Chegou a ter 40 alunos.

João Francisco foi fundamental na militância política de Beth. “Quando soube da morte de Getúlio Vargas (ela tinha 9 anos), chorei uma semana. Minha identificação com o presidente é obra do meu pai. Vargas representa para os anos 1950 o que Lula representou para o Brasil dos anos 1990 e 2000 – era o pai dos pobres”, disse.

“O golpe foi um momento muito difícil para a minha família. Meu pai foi preso, afastado da alfândega. A família não era milionária, mas vivia bem, as filhas educadas nos melhores colégios da classe média carioca, como o Andrews, em Botafogo. Papai chegou a trabalhar de massagista. Tempos de sufoco provocados pela ditadura”.

Sua principal referência era o janguismo.

“Jango enxergava na frente e muita coisa que ele tentou fazer naquela época acabou se tornando realidade, como o relacionamento com a China, que hoje é o principal parceiro comercial do Brasil”, afirmou.

Em tempos de bolsonarismo, Beth Carvalho foi chamada de petralha e comunista.

Dizia o que o “MST era o movimento social mais importante surgido nos anos 1990 no Brasil e, talvez, em toda a América Latina”.

A importância de Beth na música brasileira é subestimada. Para ela, o samba, apesar de seu aspecto alegre, tinha potencial revolucionário: “Ter alegria é ser resistente. Você enfrenta situações adversas com alegria e as muitas letras de samba na ditadura, por exemplo, falavam contra o arrocho salarial e outras injustiças sociais. Algumas indicavam que o salário não dava etc, outras apontavam injustiças e outras “se gritar pega ladrão, não sobra um meu irmão…”, explicava.

Sua carreira começou na bossa-nova, mas logo virou “Madrinha do Samba”.

Com apenas 19 anos, Beth conquistou o terceiro lugar no Festival Internacional da Canção de 1968, com “Andança”. Um aspecto marcante de sua carreira, além dos inúmeros sucessos, é o resgate de clássicos como “As rosas não falam” e “Folhas secas”, de Cartola e Nélson Cavaquinho, respectivamente.

Beth influenciou e lançou a carreira de inúmeros músicos: Fundo de Quintal, Zeca Pagodinho, Almir Guineto, Sombra, Sombrinha, Arlindo Cruz, Luis Carlos da Vila e Jorge Aragão são alguns dos muitos talentos revelados por Beth.

Fora isso, trouxe um novo som ao samba porque introduziu instrumentos como o banjo com afinação de cavaquinho, o tan-tan e o repique de mão, que até então eram utilizados exclusivamente nos pagodes do Cacique de Ramos.

Reconhecida em diversos países do mundo, concorreu ao Grammy diversas vezes, vencendo em 2004. Em 2005, participou do aclamado Festival de Montreux, na Suíça.

Impediu a utilização de “Vou Festejar” numa passeata dos movimentos conservadores em 2015, quando disse “para que fique bem claro, eu, Beth Carvalho sempre me posicionei ao lado de líderes como Che Guevara, Fidel Castro, Hugo Chávez, Leonel Brizola, João Pedro Stédile”.

Vai em paz, Beth.