João Gordo: ‘elite acha que é gringo, a classe média acha que é elite e os pobres, classe média’. Por Matheus Leal

Atualizado em 5 de maio de 2019 às 23:24
João Gordo. Foto: Reprodução/Twitter

Publicado originalmente no site Sul21

POR MATHEUS LEAL

Em 1989, a banda punk Brasileira Ratos de Porão professava na música Farsa Nacionalista:

“A pátria armada nas mãos dessa cambada de extrema direita,  T.F.P.
Ficará manipulada por burgueses moralistas
E não há lugar para você
Farsa Nacionalista, Farsa Nacionalista”

30 anos depois, os versos encontraram eco no contexto político atual.  “Brasil”, disco lançado pela banda naquele ano, parece estar mais contextualizado com o Brasil contemporâneo do que nunca.

Em turnê de comemoração pelas três décadas de lançamento do álbum, o Ratos de Porão trouxe a Porto Alegre no último domingo (28), no bar Opinião, toda sua energia e visceralidade habitual que marcaram a banda ao longo dos seus 38 anos de carreira.

Em uma breve conversa com o Sul21, João Gordo, líder e vocalista da banda, diz acreditar que a internet colaborou para a disseminação do discurso de ódio e da onda de intolerância que tomou conta do país.“…Quem falava de racismo, xenofobia, de machismo no bar e em casa, fazia piada isolado. Começou a falar na internet, apareceu um monte de imbecil que tem a mesma ideia e juntou milhões deles e isso foi um grande lance pra poder consolidar esse pensamento fascista.”

Sem papas na língua, como uma boa música de Punk Rock, ele dispara ainda que “os brasileiros perante o mundo são um bando de ignorante. É a classe média mais desprezível do mundo, a elite acha que é gringo, a classe média acha que é elite e os pobres achando que são classe média, e todos querendo matar o resto da população carente porque faz peso no Estado. Daqui a pouco vão fazer campo de concentração e mandar craqueiro pro forno.”

João Gordo: Eu ponho a culpa no celular, no smartphone, que dominou a parada, deu uma imbecilizada na galera. Porque tem muito idiota no mundo. Quem falava de racismo, xenofobia, de machismo no bar e em casa, fazia piada isolado. Começou a falar na internet, apareceu um monte de imbecil que tem a mesma ideia e juntou milhões deles e isso foi um grande lance pra poder consolidar esse pensamento fascista.

Sul21 – Percebe-se que muitas das letras do Brasil parecem estar em contexto com o momento atual em que o país vive. Porém diferente de quando o disco foi lançado, em 89, o país fazia uma transição do autoritarismo para uma democracia e hoje a situação parece ser ao contrário. Como tu enxerga essa mudança no cenário político que vem ocorrendo atualmente?

E também o golpe. A elite não tava afim mais do PT. Lógico que roubaram pra caramba, fizeram um monte de merda, mas eles pegaram a cartilha de governar. Fazer conchavo com um monte de gente pra poder governar. Mas aí foi foda, só cego não vê o que se passa no país, o mundo inteiro vê, só os daqui são assim.

E não é assim, só ficar fazendo protesto no celular. É uma população adormecida apoiando as perdas de direitos, coisa que nunca vi na minha vida, achando legal todo mundo se ferrar, todo mundo não ter mais aposentadoria e perder todos os direitos trabalhistas. Daqui a pouco eu não posso falar mais, vai isso aqui pro ar e os caras vão lá, calam a minha boca, vão sumir comigo.

Sul21 – Nesse contexto, tu tem se posicionado cada vez mais nas redes sociais, nos shows, etc. Inclusive no episódio do poster do show do Dead Kennedys, depois que a banda negou a autoria, tu reivindicou a legitimidade do poster pelo RDP. Qual a importância que os artistas têm nesse cenário?

João Gordo: Eu vejo o seguinte: se eu fosse tocar em Bangladesh e o produtor de Bangladesh fizesse um pôster anti-muçulmano. Eu não conheço as tretas do país, eu não conheço o que se passa lá, eu tenho 60 anos de idade, eu sou tiozinho, eu não sou punk de 25 anos, anarquista. É o caso dos caras do Dead Kennedys, eles querem vir, tocar o som deles e ir embora. Eu achei certo eles falarem “não, eu não autorizei, eu não quero isso”, porque eles viram que virou uma coisa gigantesca. Eu reivindicando a parada pro Ratos foi mais questão de zuera, eu respeito os caras do Dead Kennedys pra caralho, acho uma baita banda. Eu acho que os fãs do Dead Kennedys foram tão fascistas quanto os bolsominions, em xingar os caras, destratar a banda. Os membros da banda têm mais de 60 anos, são gringos, vão vir aqui no Brasil pra tomar catarrada de moleque? Era isso que ia acontecer. Eu vejo todo esse lado, porque eu estou aqui dentro, eu sou músico, eu sei qual é que é, enfrento isso a vida inteira.

Eu acho que uma das táticas do fascismo é tirar o crédito dos artistas: “Tudo louco, retardado, maconheiro, sem-vergonha, mentiroso”. E a grande maioria dos artistas estão desse lado de cá. Tem um monte de idiota que não se manifesta, que fica em cima do muro, fica quietinho, mesmo apoiando o lado de lá. A grande maioria eu acho que é consciente, porque sabe que o rock, e que um monte de tipo de música, sempre contestou essas opressões.

João Gordo: Vai piorar cada vez mais, eu sou bem pessimista nisso. Vai ficar protesto só em celular, as pessoas têm medo e a máquina de repressão é muito forte. O pessoal tem medo de tomar tiro de bala de borracha na cara, de ir preso com pinho sol e tomar 20 anos de cana. O que não acontece na França com os Coletes Amarelos, os cara destroem tudo.

Sul21 – E como deve ser a resistência a todos os retrocessos em todas áreas que ainda devem ocorrer nos próximos anos?

O Brasil tem esse perfil de população agradável, hospitaleira com gringo, paga pau de gringo. Os brasileiros perante o mundo são um bando de ignorante. É a classe média mais desprezível do mundo. A elite acha que é gringo, a classe média acha que é elite e os pobres acham que são classe média e, todos querendo matar o resto da população carente porque faz peso no Estado. Daqui a pouco vão fazer campo de concentração e mandar craqueiro pro forno.

Sul21 – Numa entrevista no ano passado, tu chegou a dizer que pela primeira vez votaria em algum candidato para evitar que Bolsonaro fosse eleito. Tu chegou a votar em alguém nesta última eleição?

João Gordo: Votei. Votei no Haddad. Nunca tinha votado no PT. Minto! A primeira vez que o Lula ganhou, eu votei no PT. Mas a grande maioria das vezes eu votei nulo. E mesmo assim a hora que o Lula começou a entrar na moda, você pega música do Ratos de Porão em 2006, tem música contra o Lula. Dizem: “Você é petista!” O buraco é mais embaixo, está mais pra antifascista do que pra petista, comunista, e essas histórias que inventam.