Faleceu o jornalista Gianni Carta, filho de Mino Carta, da Carta Capital. Tinha menos de 60 anos, morava numa cidadezinha perto de Paris. Há pouco mais de um ano, estávamos juntos na caravana de Lula pelo Sul do País.
Eu o entrevistei por conta dos tiros que acertaram o ônibus em que estávamos, o ônibus da imprensa. O veículo era muito parecido com o do ex-presidente, e, no momento do atentado, estava entre os outros dois da comitiva. Eram todos muito parecidos e, por estar no meio, posição em que o ônibus de Lula costumava ficar, é provável que, ao fazer os disparos, os criminosos acreditassem que aquele se tratava do veículo do ex-presidente.
Um das balas acertou a poltrona de trás daquela em que Gianni Carta estava. Meio metro à direita, o disparo atingiria o jornalista.
Gianni Carta, no entanto, estava tranquilo, como era próprio dele.
“Eu escutei um barulho na poltrona de trás. Na hora, eu já achei que fosse um tiro. Não foi pedrada. Estou acostumado com pedra. Nós dois, e todo mundo da caravana, pedrada, ovo, a gente reconhece. Mas foi um barulho muito forte, e seco, um barulho seco. Eu achei que fosse tiro na hora, O pessoal estava dormido, não dei nenhum alerta. Talvez eu estivesse exagerando, mas depois eu vi o buraco e realmente foi um buraco de tiro”, disse.
“Passou do limite, agora realmente foi longe demais. Tem inclusive pregos, quatro ou cinco pregos em um dos pneus do ônibus, ovos a gente levou tantos, enfim, pedradas, agora tiro é demais. Isso realmente passou dos limites”, acrescentou
Gianni Carta fez uma das últimas entrevistas de Lula antes de ser preso. Publicou um trecho em sua conta no Facebook. O ex-presidente disse que não temia a prisão.
“Eu digo sempre assim: eu nasci numa região muito pobre, no Brasil. Eu só fui comer pão depois de sete anos de idade. Meu café de manhã era farinha de mandioca com café preto. E lá na minha região diziam que muitas crianças morriam antes de completar cinco anos de idade. Pela desnutrição. Então, eu penso assim: se eu não morri até cinco anos de idade na minha terra, eu não tenho nenhuma razão de ter medo de qualquer coisa agora”, contou o ex-presidente a Gianni.
O jornalista exerceu funções de direção na Carta Capital, mas nos últimos anos trabalhou na BBC e era freelancer.
Na adolescência, foi tenista nos EUA, onde estudou e morou. Era formado em ciência política pela Universidade da Califórnia, em Los Angeles, e em relações internacionais pela Universidade de Boston. Era também autor de livros em Português. Uma de suas últimas obras foi sobre Garibaldi, o gaúcho-italiano que venceu a batalha da unificação da Itália, no século XIX.
Luiz Gonzaga Belluzzo, fundador e diretor da Carta Capital, fez o prefácio do livro. “Perdemos um jornalista da estirpe dos Carta e um intelectual de grande erudição, sensibilidade e percepção histórica”, disse ele, em texto publicado pelo site da revista.
Gianni Carta era casado, tinha filhos, e estava gostando de viver na cidade francesa de Montreuil, que era muito tranquila, depois de passar alguns anos em Londres, muito mais agitada.
Quando estivemos juntos na Caravana, disse que lhe agradavam a discrição e a reserva dos franceses. “Depois que você entende que a reserva dos franceses não é arrogância, mas respeito à privacidade alheia, fica muito fácil viver lá”, afirmou.
Gianni teve câncer no pâncreas. Ele era ateu e será cremado em Paris. A família Carta não se manifestou.
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Abaixo, a entrevista de Gianni sobre o atentado à caravana de Lula e trecho de uma das últimas entrevistas de Lula antes de ser preso.