PUBLICADO NO BRASIL DE FATO
POR PEDRO STROPASOLAS
Maria Zilda dos Santos, 58 anos, e sua filha, Laureane Ferreira dos Santos, 30 anos, fazem parte dos 22% de trabalhadores formais que são terceirizados, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE). Mas antes de conquistarem um registro em suas carteiras de trabalho, mãe e filha passaram anos na informalidade sem ter seus direitos trabalhistas e previdenciários garantidos.
Hoje outros 34,3 milhões de brasileiros atuam no mercado sem ter a carteira assinada. Segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), quatro a cada dez brasileiros estão sobrevivendo por meio de atividades informais ou autônomas.
Com o aumento do desemprego, que atinge 13,4 milhões de pessoas, e da informalidade, a arrecadação previdenciária fica comprometida.
Maria, por exemplo, começou a trabalhar aos 12 anos, em casas de outras famílias, para contribuir na renda de sua própria família. Dos 36 anos de vida laboral, somente 10 estão registrados em sua Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS).
“Eu tive que começar a trabalhar para ajudar o meu pai a manter a casa. Ele era pedreiro e não estava trabalhando no momento. Foi onde eu comecei a trabalhar em casas de família, e aos 18 anos eu estava trabalhando assim, sem carteira registrada”, relembra.
Segundo ela, sem orientações sobre seus direitos, foram muitos anos até perceber a necessidade em trabalhar sob registro formal. “Não tinha nenhuma orientação [sobre a carteira assinada] e nenhuma palavra para incentivo. E os patrões também não iam falar nada. Eles gostavam né, pois não tinham que pagar nada”, relata.
A filha Laureane tampouco teve seus direitos trabalhistas assegurados desde o princípio. Começou a trabalhar aos 12 anos, junto de sua mãe, em uma pastelaria, sem carteira assinada. “Eu não tinha como estar ali do lado deles. Então, por isso ela começou a trabalhar com 12 anos, para eles estarem mais perto de mim, e meu filho com 14, do meu lado, trabalhando na pastelaria”, explica Maria Zilda.
Com a regra atual da aposentadoria, Maria Zilda irá obter sua aposentadoria integral aos 77 anos e 6 meses, uma idade já avançada para quem acostumou-se aos serviços braçais. Mas a situação se agrava ainda mais se aprovada a reforma da Previdência proposta pelo atual governo: ela passaria a ter que trabalhar até os 87 anos e 6 meses. Os dados são do DIEESE.
Laureane também terá prejuízos com a PEC 6/2019. A situação não se equipara à da mãe, mas também preocupa a auxiliar em portaria virtual, principalmente pelos anos em que trabalhou na informalidade.
“Você vai pensar, poxa, foram alguns tempos perdidos. O tempo conta né, mas a gente perdeu, sem ter essa noção”, analisa. Ela tem 6 anos e 9 meses de carteira assinada, e trabalhou ao menos outros 6 anos sem registo.
No modelo atual, de repartição, Laureane teria que ter mais 26 anos e 10 meses de contribuição para poder se aposentar com valor integral. A partir da regra nova, ela precisaria contribuir 33 anos e 3 meses para conseguir o benefício.
Patricia Pelatieri, do Dieese, explica que comprovar 15 anos de contribuição para pelo menos 1/3 dos trabalhadores e trabalhadoras brasileiros que estavam no trabalho informal e em ocupações precárias já era uma tarefa difícil, uma vez que em média não conseguiam fazer mais do que 6 contribuições anuais.
Dados do anuário da previdência de 2016 mostram que em média o trabalhador brasileiro consegue fazer somente 9 contribuições ano. Além disso, incorporar os anos no trabalho informal na contagem da aposentadoria é muito difícil, uma vez que depende de provas documentais.
Trabalho precarizado
Maria Zilda há 6 anos trabalha como auxiliar de serviços gerais para uma empresa terceirizada. A rotina inclui sair às 5h30 da manhã da casa improvisada construída por ela às margens da Avenida Interlagos, Zona Sul de São Paulo. Diariamente, ela precisa correr para não perder o transporte até a sede da firma, onde ela e o os demais funcionários são orientados até seus locais de trabalho.
Ela mora em um terreno ocupado, onde casas foram construídas sobrepostas e hoje já se encontram em péssimas condições. A precariedade da moradia faz das visitas à filha, que vive no entorno do Autódromo de Interlagos, um hábito semanal. “Tem que ficar lutando pra ver se consegue algo melhor, ou derrubar ela toda, e construir de novo”, desabafa.
Atualmente, Maria Zilda aguarda a construção de um conjunto habitacional na Chácara do Conde II, um loteamento com mais de 270 mil m² no extremo da zona sul, no distrito de Grajaú. A prefeitura promete entregar 1.290 unidades habitacionais no local. O sonho de ter uma casa digna a faz frequentar às reuniões todos os domingos, já que as famílias que comparecem terão preferência quando os apartamentos ficarem prontos.
Com seu salário atual, mal consegue pagar as despesas com a casa, quem dera economizar para fazer as reformas necessárias. “Vem quase 200 reais de conta de luz, não tem como. E aí vai descontando tudo, descontando e eu quase não recebo”, explica.
Ela conta que, em geral, auxiliares em serviços gerais e profissionais da limpeza, além de serem mal remunerados, têm as rotinas mais carregadas, porque precisam se locomover a diversos pontos da cidade. “Já conheci toda a cidade assim, pra onde me mandam”, revela.
A filha Laureane, que divide uma quitinete com o marido e o filho, também reclama das condições de trabalho na empresa em que trabalha e afirma que, se alguém reclama, sofre retaliações. “É a norma da empresa tem que seguir à risca. Se algo você for reivindicar, você já começa a ser malvista, aí você está reclamando demais, “ah tem outra pra colocar no seu lugar”, se quiser é assim, se não quiser tem mais querendo.
No cenário atual, a perspectiva é o aumento do trabalho terceirizado. Alterações recentes na legislação criaram cenário propício para isso. São exemplos a Lei da Terceirização (nº 13.429/2017), que possibilitou a contratação de terceirizados, inclusive para a atividade-fim das empresas; a Reforma Trabalhista (nº 13.467/2017), que flexibilizou uma série de direitos da Consolidação das Leis do Trabalho; e a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2018, que liberou a terceirização, independentemente de setor ou atividade.
Para Maria, a situação dos trabalhadores brasileiros só melhora “se o povo se mobilizar”: “só resolve se o Brasil parar. Só assim nós vamos ter alguma coisa. Mas se parar meio Brasil e meio trabalhar não anda, não vai”.
Edição: Rodrigo Chagas