Publicado originalmente no Diário de Notícias
POR JOÃO ALMEIDA MOREIRA
Manifestações a favor do presidente Jair Bolsonaro e da reforma da previdência, o principal objetivo do governo neste ano, moveram ontem milhares de brasileiros em pouco mais de 130 cidades de 26 estados do Brasil. No passado dia 15, protestos contra os cortes na educação foram realizados em 166 localidades no mesmo número de estados. Bolsonaro considerou os atos “um recado às velhas práticas” da política brasileira, isto é, um alerta ao poder legislativo, considerado pela maioria dos observadores o principal alvo, ainda que não assumido, dos atos.
“Hoje [ontem], por coincidência, é um dia em que o povo está indo às ruas não para defender o presidente, um político ou quem quer que seja. Está indo para defender o futuro desta nação, uma manifestação espontânea com uma pauta definida, com respeito às leis e às instituições, mas com firme propósito de dar um recado àqueles que teimam, por velhas práticas, em não deixar que esse povo se liberte”, afirmou Bolsonaro durante culto na Igreja Batista Atitude, na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, a cerca de quatro mil fiéis.
“As palavras na política nem sempre representam a prática. Nós estamos casando a palavra com a prática e os problemas se avolumam. Se fosse só eu a sofrer, eu até diria que vale a pena, mas quem está ao meu lado, parente ou não, também sofre. Nós estamos mudando o paradigma, mudando a forma de se apresentar junto a vocês, 208 milhões de pessoas às quais eu devo ser obediente, devo lealdade, devo o norte que tem que ser dado para o futuro do nosso Brasil”. Mais tarde, à chegada ao Palácio do alvorada, afirmou que o povo foi pedir “paz, democracia e liberdade”.
“Número de manifestantes nada desprezível”, afirmou por sua vez Augusto Heleno, ministro do gabinete de segurança institucional.
Nem Bolsonaro, nem Heleno, nem nenhum dos outros 21 ministro participaram no ato.
O ato, aliás, teve o condão de dividir ao meio a base de apoio do governo: o Partido Novo, que vem apoiando a agenda do presidente no Congresso Nacional, João Doria, governador de São Paulo e aliado nacional de Bolsonaro, os movimentos que organizaram as manifestações contra Dilma Rousseff, em 2015, e alguns dos mais mediáticos parlamentares do PSL, partido do presidente, recusaram-se a participar. “Estes protestos não são racionais”, disse Janaína Paschoal, a deputada estadual mais votada do país.
Nas ruas, a maioria dos manifestantes usava, como na campanha eleitoral do ano passado e nos atos a favor do impeachment de Dilma, camisas verde e amarelas, da seleção brasileira de futebol, e palavras de ordem a favor de Bolsonaro e do seu ministro da justiça, Sergio Moro. Em Brasília, na Esplanada dos Ministérios, um boneco insuflável com o corpo do Super Homem e o rosto do ex-juiz da Operação Lava-Jato deu nas vistas, assim como outro crítico a Rodrigo Maia, o presidente da Câmara dos Deputados. Registaram-se ainda na capital censuras à “lagosta” e outras iguarias que fazem parte do cardápio do Supremo Tribunal Federal, outro dos alvos – velados – do protesto.
Em São Paulo, um padre, em discurso, associou a esquerda brasileira ao atentado ao presidente de Juiz de Fora, em setembro do ano passado.
No Rio, houve gritos de “mito” dedicados a Bolsonaro e trios elétricos, normalmente usados no célebre carnaval da cidade.
Em Belém, cantou-se o hino e rezou-se o Pai Nosso.
“As manifestações não foram pífias mas também não fazem do presidente um vencedor”, resumiu Júlia Duailibi, colunista da Globo News. A maioria dos observadores já previa que os protestos dificilmente representariam uma vitória para o governo. Em primeiro lugar, porque depois de obter mais de 55 milhões de votos há menos oito meses, mesmo que a adesão fosse extraordinária perderia sempre na comparação para esse número e sublinharia a queda, abrupta, nas sondagens da popularidade de Bolsonaro.
Depois, porque era provável que perdesse, também, na comparação para as manifestações de dia 15, organizadas pela oposição, em nome da educação.
E porque nem uma vitória na manifestação melhoraria a situação política do Planalto: hostilizar o Congresso Nacional numa fase em que o executivo precisa do legislativo para aprovar reformas, dizem os analistas, é contraproducente.
Finalmente, porque expôs em definitivo a falta de coesão governamental, com a ala mais programática, liderada pelos filhos do presidente e inspirada pelo auto-proclamado ideólogo da nova direita brasileira Olavo de Carvalho, a apoiar o ato e os membros da ala mais prática a demarcaram-se dele.