PUBLICADO NO PORTAL BRASIL DE FATO
POR JAQUELINE DEISTER
A política ambiental adotada no governo de Jair Bolsonaro (PSL) é considerada por especialistas um desastre para o meio ambiente do Brasil. No início do mês de maio, oito ex-ministros do Meio Ambiente lançaram um comunicado em que alertam para o desmonte da governança socioambiental do país em afronta à Constituição.
A revisão de todas as 334 unidades de conservação, a redução da fiscalização em áreas de desmatamento ilegal e a intenção explícita do presidente da República em transformar uma das reservas ambientais mais importantes do país, a Estação Ecológica de Tamoios (ESEC Tamoios) na “Cancún brasileira” demonstram o total descaso com o artigo 225 da Constituição Federal que impõe ao poder público e à coletividade o dever de preservar e defender o meio ambiente para as gerações futuras.
O caso da ESEC Tamoios chama a atenção por um interesse particular que Bolsonaro tem na região de Angra dos Reis. O presidente possui uma casa na Vila Histórica de Mambucaba, um distrito da cidade de Angra, no sul fluminense, onde localiza-se uma parte da área de preservação da ESEC. Em 2012, Jair Bolsonaro, então deputado federal, foi autuado por pesca irregular no local.
De acordo com José Augusto Morelli, analista ambiental do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e fiscal que multou Bolsonaro à época, a equipe de fiscalização informou que não era permitida a presença humana no local e que a pesca era proibida. Contudo, segundo o fiscal, houve insistência por parte dos ocupantes da embarcação em permanecer na área proibida.
“Estávamos numa operação específica, mas no percurso avistamos uma embarcação com três pessoas numa área que é a Ilha de Samambaia, onde não se permitia nem sequer a presença humana. Nos dirigimos até lá no intuito de avisar aquelas pessoas que elas deveriam deixar o local por ser proibida a permanência de pessoas ali. A nossa intenção era que o pessoal deixasse a área e fosse para outro lugar, até porque existem mais de 200 ilhas onde é possível pescar naquela região, mas nós nos deparamos com uma resistência absolutamente constrangedora no sentido de tentar nos intimidar e nós prosseguimos com o nosso trabalho”, lembra Morelli.
Um ano após a multa de R$ 10 mil, Bolsonaro apresentou um projeto de lei na Câmara para desarmar todos os fiscais do Ibama e do ICMBio. A medida soou como uma retaliação política do então deputado aos órgãos de fiscalização. O projeto acabou arquivado. Em dezembro de 2018, o Ibama anulou a multa após um parecer da Advocacia Geral da União (AGU) sustentar que Bolsonaro não teve ampla defesa no processo.
O caso da Estação Ecológica de Tamoios voltou à tona ainda em março deste ano após a exoneração de Morelli do cargo de chefe do Centro de Operações Aéreas da Diretoria de Proteção Ambiental do Ibama sem explicações.
Em maio, Bolsonaro declarou em visita ao Rio de Janeiro que a “Estação Ecológica de Tamoios está demais. Não preserva absolutamente nada”. O presidente sinalizou a possibilidade de realizar mudança via decreto presidencial na unidade de conservação. Para ele, a região tem o potencial de trazer “bilhões de reais” para o estado se tornando a nova “Cancún brasileira”.
Refúgio
Segundo informações do site da Estação Ecológica de Tamoios, a unidade de conservação federal de proteção integral foi criada em 1990 para atender o dispositivo legal que determina que todas as usinas nucleares deverão existir em áreas delimitadas como estações ecológicas. A ESEC Tamoios está localizada entre os municípios de Angra dos Reis e Paraty. Sua área inclui 29 ilhas e seus respectivos entornos marinhos com raio de 1km, representando 5,69% da Baía da Ilha Grande.
A unidade de conservação é responsável por preservar mais de dez espécies ameaçadas de extinção, entre elas tartarugas marinhas, boto cinza e cavalo marinho. Para o coordenador científico do Instituto Boto Cinza, Leonardo Flach, a ESEC cumpre um importante papel em assegurar o equilíbrio e a biodiversidade do meio ambiente. O biólogo considera que a declaração de Bolsonaro em transformar a região numa “Cancún brasileira” evidencia o desconhecimento do presidente sobre o trabalho da unidade de conservação e o turismo predatório.
“Não existe uma possibilidade de vermos uma exploração turística nessas regiões, até porque são áreas que não têm grande extensão de praia, água potável, para se colocarem hotéis. O turista que vem de fora está buscando refúgios que ainda são intocados, áreas protegidas para poder fluir daquela beleza, se você acaba com aquela beleza, abrindo para um turismo de massa e predatório, você acaba com o atrativo que seriam as próprias áreas protegidas”, ressalta.
O Brasil de Fato entrou em contato com o Ministério do Meio Ambiente para saber do futuro da unidade de conservação Tamoios. A equipe não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.