Em todas as vezes que se manifestou, por escrito ou através de algum depoimento, Sergio Moro fez questão de ressaltar que os diálogos entre ele e o procurador Deltan Dallagnol, divulgados pelo The Intercept, não trazem novidades, tampouco configuram que um ou outro infringiram a Lei.
“Não tem nenhuma orientação naquelas mensagens”, afirmou tão logo as primeiras reportagens foram divulgadas. “O que há ali é uma invasão criminosa de celulares de procuradores”.
Eis o foco central e que deve nortear o depoimento do ministro da Justiça na Comissão de Constituição e Justiça do Senado na próxima quarta-feira, dia 19. Numa espécie de autodenúncia, o ex-juiz já sinalizou que são dele as palavras trocadas com o procurador da Lava Jato.
Nesta quinta, 13, para piorar as coisas, Marco Aurélio Mello aproveitou para dizer que não tem medo de ser hackeado porque não mantém diálogos com as partes fora do processo.
“Não tenho nada a esconder”, disse o ministro do STF. “E não mantenho diálogos fora do processo com as partes”.
Considerando, então, que Moro admitiu ter tido os diálogos com Deltan Dallagnol, é possível imaginar o que vai encontrar na CCJ Senado.
Renan Calheiros, ex-presidente da Casa e um dos senadores mais experientes, reputa as conversas como uma “conspiração de juízes e procuradores em nome de projeto de poder, com danos irreversíveis à democracia, economia e reputações”.
Ou seja, no entendimento de Renan, e podemos dizer que também de centenas deputados, e bem mais de duas dezenas de senadores, o ex-juiz agiu em benefício próprio, ao arrepio da Lei e isso trouxe danos irreversíveis à democracia, à economia e às pessoas.
No campo jurídico, vale a declaração do ministro Gilmar Mendes: “Juiz não pode ser chefe de força-tarefa, nem chefiar procurador”.
E ainda a opinião do professor de direito de Harvard, Matthew Stephenson, que já foi ciceroneado por aqui pelo procurador Deltan Dallagnol.
“O juiz Moro jamais deveria ter enviado mensagens de texto particulares para Dallagnol com sugestões de como sua equipe deveria proceder”, escreveu o professor no blog Global Anticorruption, referência entre pesquisadores do tema corrupção.
“E, francamente, Dallagnol – que, novamente, é alguém de quem gosto e respeito e penso ser uma pessoa decente e honrada – deveria ter gentilmente mas firmemente recuado quando recebeu essas mensagens, dizendo algo como: ‘Agradeço suas sugestões, mas acho que provavelmente não deveríamos ter conversas privadas sobre o caso'”.
Nesta semana, num cálculo político engendrado pelo setor de inteligência da Presidência da República, Bolsonaro levou Moro para ser aplaudido num jogo do Flamengo.
Ganhou um leve fôlego para sobreviver até o encontro com os congressistas na semana que vem.
Até lá, o que se espera é que uma nova farsa não seja perpetrada pelo governo e pelo ex-chefe da Lava Jato: a de negar a veracidade dos diálogos, com a alegação de podem ter sido forjados por um hacker.
No mais, o que se espera para quarta-feira que vem é um show de horrores. Acuado, desacostumado ao contraditório e sem uma boa estratégia de defesa, Moro vai então poder revelar sua verdadeira face.