O movimento policiais antifascismo cresce em todo o Brasil, mas ainda é muito pequeno, quase insignificante, se comparado ao bolsonarismo presente nas corporações de segurança.
Um sinal de que a mensagem da direita e da extrema direita ocupa quase todo o espaço nas polícias é o elevado número de parlamentares eleitos conhecidos pela patente (capitão, major, coronel, general) ou pelo cargo que ocupa (delegado).
É possível reverter esse quadro?
Para um experiente policial que tem se comunicado com o DCM há cerca de um mês, apontando a completa ausência de comunicação com esse setor da sociedade, sim, há condição de reverter o quadro.
“O que fazer para ser ouvido pelas corporações?”, perguntei.
“Primeiramente, para ser ouvido, precisa falar. O campo progressista não tem falado diretamente com as corporações. E quando falar, tem que saber falar. Tem que entender os nossos problemas, entender as características do campo para poder conseguir conversar. Hoje, há uma certa hipnose/paixão em relação ao bolsonarismo, pois ele soube muito bem aproveitar a conjuntura e seduzir os policiais. Mas isso é por que o campo progressista não soube dialogar”, respondeu.
Segundo ele, não adianta falar para a cúpula, tem que conversar com os praças, que são o povo.
Não dá para fingir que eles não existem.
Veja a entrevista que ele concedeu, com a condição de que não fosse identificado.
Você é um policial antifascismo? Qual a sua atividade?
Sou um policial defensor dos Direitos Humanos. Não pertenço ao grupo denominado Policiais Antifascismo, mas creio que cultivemos os mesmos valores. Atualmente trabalho no policiamento ordinário (viatura). Tenho 20 anos de profissão e já trabalhei em diversos setores como o policiamento escolar, rural e parte administrativa. Também fui instrutor nos Cursos de Formação dos Policiais Militares.
Como você age na corporação sem trair suas convicções políticas e se manter leal a seus companheiros de farda?
De maneira natural. Debatendo e defendendo minha posição, não há confronto algum entre lealdade e convicção política. São linhas paralelas.
O que é ser um policial antifascismo?
Prefiro responder a questão dizendo que sou um policial defensor dos direitos humanos. Cumprir os Direitos Humanos é a verdadeira missão do policial, somos vocacionados pra isso, nossa função social é essa.
Qual a ideologia predominante nas forças de segurança?
A ideologia que domina todas as forças de segurança é o fazer o bem. E isso se dá através do combate ao crime, prender ou destruir o bandido, proteger ou salvar a vítima. Tudo com a finalidade de promover a paz, a ordem, o amor e o bem. Note que existe um tropeço quando tentamos buscar essa finalidade. A analogia que faço é quando uma criança aperta um filhote de animal doméstico achando que está dando amor e carinho. Temos um problema de meio, embora temos uma finalidade nobre em nossos corações, muitas vezes as ações dão a impressão (muitas vezes real) de que estamos indo para o caminho contrário.
E a ideologia política?
Dentro da corporação parece haver um encantamento da esmagadora maioria dos policiais em relação ao grupo do Bolsonaro. Não sei identificar precisamente os motivos, mas arrisco dizer que são as influências do Power Point que demonizou o Lula e o fato de o Bolsonaro ser militar e dizer/fazer coisas sutis próprias do campo de modo a seduzir os integrantes. Populismo.
Os componentes das forças de segurança são analfabetos políticos, não sabem o que significa direita e esquerda, comunismo etc. Se autodenominaram de direita, e transformaram e transformam qualquer um que não esteja alinhado com as convicções de Bolsonaro/Moro/Militares do governo/Olavo de Carvalho em comunista. É uma espécie de hipnose.
Os policiais têm força eleitoral?
Acredito que seja o campo profissional que tem o maior potencial de força eleitoral. Não consigo verificar tamanha força em qualquer outro setor, nem mesmo no segmento religioso, da saúde ou da educação. Vide a “Bancada da Bala” o quanto cresceu.
Como essa força se dá na prática?
A característica da profissão favorece a expansão de área de influência devido a grande capilaridade entre os mais diversos rincões. Desde os grandes centros até os povoados e sítios mais isolados os policiais militares estão presentes. É o braço mais longo do Estado. Enquanto os outros setores como saúde e educação realizam mutirões ou destacamentos para o atendimento ao público, o policial vai até a casa de forma rotineira. O que mais se aproxima é o serviço de saúde que busca atender comunidades carentes. Mas os policiais estão em todo lugar a todo tempo. Em povoados distantes, o policial exerce todas as funções sociais, ele é ao mesmo tempo: o padre, o médico, o professor, o juiz… Esse é só um exemplo ilustrativo da profundidade social que o policial alcança. Além disso, o policial geralmente é o chefe da família e influencia os demais membros, em termos eletivos, um policial equivale em média a 3 votos ou mais, se multiplicarmos esse número pelo efetivo policial existente em todo Brasil verificaremos que se trata de um número expressivo.
Como a rede de WhatsApp é usada para disseminar ideias políticas?
As redes sociais são o futuro da comunicação. O “Zap” se tornou uma ferramenta de trabalho. Escalas de serviço, comunicação interna, comunicação de ocorrências (furto, roubo, agressão, pessoa desaparecida, endereço, características do suspeito, etc) tudo isso é disseminado na rede e rapidamente todos estão sabendo. Há a criação de diversos grupos no Zap. (grupo de “piadas”, só de serviço, mistos, locais, nacionais, grupo 1, grupo 2, grupo 3 e por aí vai… do mesmo assunto). O que se publica pra um, rapidamente já está nos celulares de todos. A eficiência da comunicação e o poder de hipnose é praticamente o mesmo do que se estivesse falando pessoalmente, pois as pessoas estão cada vez mais se comunicando pela rede. É comum verificar nas rodas de amigos, família, etc. as pessoas não estarem conversando entre si, ficam com celular na mão. A comunicação se dá pela rede. E nesse aspecto, as forças de segurança estão muito bem conectadas, usa-se, em praticamente todos os casos, primeiro a comunicação do celular e depois se oficializa na forma institucional. Quando o 190 recebe o chamado, os grupos do Zap já estão na investigação, quando se publica a escala de serviço ou ordem de serviço num documento oficial, o Zap já enformou a missão, o endereço e já teve o feedback da ordem…. Ou seja, é uma ferramenta poderosíssima.
Bom, se ele é usado para tudo isso que falei, imagina só para a disseminação das ideias políticas e as Fake News!
Por que os partidos progressistas têm pouco espaço nesse setor?
Os progressistas não têm pouco espaço nesse setor, muito pelo contrário. Os progressistas apenas não estão ocupando os espaços que lhes compete. Não estão sabendo se comunicar.
O que fazer para ser ouvido pelas corporações?
Primeiramente, para ser ouvido, precisa falar. O campo progressista não tem falado diretamente com as corporações. E quando falar, tem que saber falar. Tem que entender os nossos problemas, entender as características do campo para poder conseguir conversar. Hoje, há uma certa hipnose/paixão em relação ao Bolsonarismo, pois ele soube muito bem aproveitar a conjuntura e seduzir os policiais. Mas isso é por que o campo progressista não soube dialogar.
Acredito que para conseguir ocupar o espaço que lhe compete, primeiramente deve-se conversar com os praças (é feminino, porém em nossa linguagem usamos no masculino). Nas instituições militares, o praça é o povo. O Lula sabe conversar com o povo, pois ele veio do povo. Mas não é simplesmente conversar com o praça, deve-se conhecer o campo para poder transitar. Lembremos da inauguração da Obra do São Francisco, o contraste entre Temer e Lula. Tem que ter o tato. Primeiro, deve-se encontrar o liame que faz destruir a defesa, que quebre o escudo, a hipnose e só assim conseguirá se aproximar. O policial, precisa de alguma forma se identificar com aquele que dialoga. O Bolsonaro, de forma tosca, conseguiu isso fazendo sinal de arminha, pagando flexão, se dizendo militar, falando palavrão… Mas ele é tosco, e não conversou diretamente com os praças. Há muito espaço a ser tomado.
Por mais que os noticiários pintem o policial como um ser durão, violento, “opressor”, no fundo todos somos do bem, defensores dos Direitos Humanos. Ao mesmo tempo somos massacrados pelos superiores hierárquicos, somos massacrados pelos juízes, ministério público, a imprensa e a população. Nos oprimem por sermos violentos, dizem que matamos muito, porém ignoram que somos a polícia que mais morre, que não temos equipamento, salário, proteção jurídica, reconhecimento adequados… Os Direitos Humanos dos Policiais são ignorados completamente. Esquecem-se que por dentro da farda há um ser humano tão vítima quanto o cidadão. Acho que o caminho é esse, mas seria longo um tutorial pra explanar aqui.
Mas a dica que dou é: saiba dialogar com o praça, com o investigador, com o agente. Essas são as classes que o campo progressista deve atuar. Oficiais e delegados são os “patrões”, quem conversa com eles é o campo da direita, o campo progressista se restringir a estes é armadilha.
A analogia que eu faço é uma fazenda onde tem o fazendeiro, o capataz e o peão. O fazendeiro seria aquele que precisa de voto. O campo progressista não deve se restringir a conversar com o capataz, mas deve falar diretamente com o peão. Conhecer sua história, sua angústia, sua demanda, se confiar inteiramente e somente no capataz, correrá sérios riscos.
Você acredita que, se ocuparem espaço nas forças de segurança, os partidos progressistas terão dificuldade de êxito eleitoral? Por quê?
O campo progressista precisa o quanto antes ocupar os espaços das forças de segurança. O espaço está sendo ocupado precariamente pelo Bolsonarismo que nunca fez realmente nada por nós, apenas conseguiu essa espécie de hipnose. Repito, precária! O governo do PT foi muito bom para a Segurança Pública. Há uma diferença gritante a partir de 2004 (quando o Lula começou a engrenar) se comparar com o período anterior. Criou-se a Senasp, Força Nacional. Existia a Bolsa Formação. Havia liberação de verbas para os projetos. Mas os policiais não sabiam fazer projeto e o dinheiro voltava, daí criaram-se os Cursos via Senasp de Gestão de Projetos, entre inúmeras outras situações. Nesse período os oficiais e delegados esbanjavam dinheiro na realização de Cursos, eram tutores, ganhavam horas-aulas, recebiam o incentivo do Governo Federal para resolver o problemas da Segurança Pública, resolveram? Que nada. Parece que só queriam a verba. Oficiais e Delegados! Há de se rever nosso sistema de segurança pública estadual. Duas meias-polícias (civil e militar) ambas com duas castas (oficiais/delegados e praças/investigadores). A preocupação primária é a carreira, depois pensam em segurança pública. O campo progressista precisa conversar mais e ouvir profissionais como Luis Eduardo Soares e Ricardo Brisolla Balestreri. Há duas PECs importantes tramitando no congresso que deveriam ter sido implementadas: PEC 51 (a melhor para a Segurança Pública) segue o link do youtube: https://www.youtube.com/watch?v=B6zXb4mU2HY e a PEC 300 (essa seduz todo policial). A questão da desmilitarização é um tema polêmico, portanto, adequado deixar para depois. Os policiais precisam de Ciclo Completo, Carreira Única (PEC 51) e precisam ser valorizados, bom salário (PEC 300).
Mas, quanto à pergunta, se os partidos progressistas ocuparem seu lugar no campo da segurança pública terá um êxito fantástico nas próximas eleições.
“A virtude tomará armas contra o furor e será breve o combate, pois o antigo valor ainda não está morto nos corações dos policiais” (Nicolau Maquiavel – adaptado).