Estava ansioso ontem no metrô, pouco depois de 11 da noite.
Faltava pouco para eu rever uma de minhas áreas favoritas de Londres: Leicester Square. (Não sei por que, a pronúncia é Lester.)
É a parte mais agitada de Londres. Londres em geral acorda e dorme com o metrô. Leicester Square é governada não pelos horários do metrô, mas pelo caos barulhento e agitado dos boêmios que a infestam todos os dias e todas as horas.
Com Pedro e dois amigos dele, estava a caminho do Empire, para jogar pôquer. No ano passado, assisti ali a algumas sessões de um dos maiores torneios de pôquer do mundo, e tive a sorte de ver num canto, sem fazer nada exceto jogar conversa fora, o lendário Doyle Brunson. Me aproximei como um fã, cumprimentei-o e pedi para tirar uma foto a meu lado. Ele aceitou afavelmente, e a foto está no pé deste texto.
Fazia tempo que eu não ia lá, e me chamou a atenção o número de chineses na sala de pôquer. É uma sala em que estão distribuídas uma quinze mesas para dez pessoas. Não é um jogo caro. O pingo é 50 centavos de libra para o small blind e 1 libra para o big.
Compro 200 libras.
Uma mulher de uns 50 anos a meu lado tem poucas fichas. É alinhada, mas a barriga levemente saliente trai as longas horas sentada. Tem as unhas pintadas com os naipes do baralho. Ela me vê conversando com Pedro e pergunta que língua falamos. Português do Brasil, digo. “Nunca reconheço português”, ela diz. Me avisa, delicadamente, que gosta de Paulo Coelho. “Principalmente de Verônica Decide Morrer”, diz. Ela me pergunta se gosto dele. Mudo de assunto.
Do outro lado da mesa, está um jovem da geração da internet, cheio de fichas.
Disputo um pote com ele. Estou puxando as apostas, carta a carta. Sei que tenho a melhor mão. Quando vira o river, ele bate mesa, mais uma vez. Aposto 50 libras. Ele volta com all in. Joguei pessimamente. Não parei para pensar. Simplesmente desisti. Ora, se ele tivesse alguma coisa não teria dado mesa na última carta e corrido o risco de não aumentar o pote.
Era um blefe. E ele mostrou.
A partir daí fiquei com raiva de mim. Não me importo de perder, desde que jogue certo. Ali eu joguei mal. Muito mal.
“Detesto que mostrem blefe”, fala a jogadora a meu lado. “Esse pessoal da internet não desenvolve habilidades sociais. São arrogantes” Ela tinha sido dealer do cassino. Dava as cartas nas mesas. Diz que costuma ganhar, mas está numa maré de derrotas. Me conta que costuma avançar pela madrugada quando está com sorte, por razões óbvias, e também quando está com azar porque as coisas podem mudar.
Poucas mãos adiante, um novo heads up, ou duelo. Com o mesmo cara que me passou o blefe.
Tenho 10 e dama. Repico. Ele contra-repica. Estou com raiva e pago com um jogo apenas médio. Vira uma dama no flop, com duas cartas baixas. Tenho o maior par, mas minha segunda carta não é grande coisa. Ele dá mesa.
Aí é minha vez de ir para all in.
Não gostei de vê-lo pagar imediatamente, com um ar de satisfação nítido.
Ele também tinha dama, mas acompanhada de um ás. Má notícia para mim. Eu estava, para usar uma expressão do pôquer, dominado.
O dealer virou a quarta carta, o turn. Nada que mudase. Depois o river. Um 10 era a única carta que me salvava. Jogava contra todas as probabilidades. Fora a raiva, ao atirar todas as minhas fichas na aposta me movia o desejo de ir embora.
Aquele blefe me fizera entrar em tilt.
Mas.
Eis que aparece um 10 salvador. Milagroso.
O pote era meu.
Perder jogando mal é péssimo, mas ganhar jogando mal é uma delicia.
“Foi uma vitória justa”, comento com a jogadora a meu lado.
Ela concorda. Toda derrota de quem mostra blefe deve ser saudada.
Eram 3 da manhã quando os meninos e eu deixamos o Empire. A noite estava apenas começando ali. O Empire para apenas no Natal. No resto do ano, funciona 24 horas por dia de segunda a domingo. Para nós, no entanto, era tempo de pegar um black cab e voltar para Ranelagh Gardens.
Foi muito bom rever o Empire, pensei ao respirar de novo o ar frio das ruas de Lodres nas madrugadas do inverno.
No táxi, Pedro usa o GPS de seu celular para verificar se o motorista está fazendo o melhor caminho. Fica irritado ao constatar uma volta inútil em Piccadilly.
Mesmo assim, deixo uma gorjeta ao motorista, em nome do 10 absurdo que me deixou com a carteira cheia de cédulas.