PUBLICADO NO CONJUR
POR CEZAR ROBERTO BITENCOURT
1. A investigação de um inquérito instaurado em Itajaí (SC) para apurar ameaça lá supostamente praticada — a despeito de a competência territorial ser da autoridade judiciária de Itajaí e apesar de Santa Catarina possuir vara especializada — foi requisitada pelo juiz Sergio Moro (of. de fl. 1.274 da AP 2004.70.00.012219-8). Ou seja, este juiz avocou a competênciapara investigar uma suposta ameaça ocorrida em Itajaí, que, segundo seu entendimento, teria sido praticada por um réu seu. Ou seja, usurpou a competência de seu colega na “mão grande”, para não dizer ilegalmente.
Assim, referido inquérito de Itajaí foi autuado em Curitiba, sob o número 2006.70.00.020211-7, e, posteriormente, aquela “ameaça” passou a ser “objeto da Representação Criminal” 2006.70.00.018489-9, “distribuída”, em sigilo, ao próprio Moro. Tempos depois, ao obter acesso aos autos dessa “representação”, mediante impetração de mandado de segurança, a defesa pôde compreender que a sua “tramitação sigilosa” decorreu de manobras ilegítimas de Sergio Moro, mediante distribuição dirigida. Essa ilegalidade ficou muito clara no seu despacho, na 1ª folha da referida representação:
“Distribua-se, com urgência, as peças anexas como “representação criminal”, autor o MPF, sem consignar por ora o nome do acusado, por dependência ao processo 2004.7000002414-0. Oportunamente corrigirei a distribuição para o 2004.700012219-8. Assim ajo para preservar a integridade da colheita da prova que, no momento, exige sigilo, cf. fatos da ação penal que levaram a decretação da prisão preventiva do acusado Fulano”
Veja-se a sutileza do magistrado ao sugerir a autoria da “representação” ao Ministério Público e a dissimulação em mandar apensar as peças a um processo que, até onde se imaginava, não guardava relação com o objeto do feito, afirmando que posteriormente corrigiria sua distribuição para a ação penal efetivamente conexa, com o único e exclusivo objetivo de não alertar a defesa para a existência de uma nova investigação.
Curioso é que o juiz Moro mandou autuar aquela peça de Itajaí como “representação criminal do Ministério Público Federal”, sem que houvesse tal peça ministerial! Isso não é “fraude processual”? Tal constatação se extrai do fato de que a falsa representação criminal, cuja autoria fora atribuída ao parquet, foi autuada em 14/7/2006, tendo como ato inicial o despacho do magistrado determinando que o distribuidor consignasse a autoria do Ministério Público. No entanto, a real representação do parquet só foi juntada depois, em 19/4/2007, ou seja, quase um ano depois daquela distribuição falsa. Manobra para desviar o processo para si. Incrivelmente!
A suposição defensiva acerca da dissimulação na distribuição se confirmou posteriormente, quando, ao pedir vista desse procedimento, ao qual, segundo o despacho, a representação fora apensada, a defesa obteve a seguinte resposta de Moro:
“A representação criminal n.º 2006.70.00.018489-9 foi instaurada para apurar fatos relacionados aos autos de ação penal n.º 2004.70.00.012219-8. Contudo, determinei a distribuição por dependência à representação supra apenas PARA VINCULAR A DISTRIBUIÇÃO A ESTE JUÍZO FEDERAL sem permitir que o sistema informasse ao defensor a existência de medidas sigilosas, evitando assim o seu comprometimento. Pelo exposto, indefiro o pedido de vista, pois os autos supra não guardam qualquer relação com o acusado Fulano. Oportunamente corrigirei a distribuição, determinando a vinculação aos autos de ação penal n.º 2004.70.00.012219-8. Ciência, por boletim, ao defensor. Após, junte-se a petição e este despacho aos autos epigrafados e ainda cópia do despacho na representação criminal n.º 2006.70.00.018489-9”.
Nessa decisão, Sergio Moro admitiu, textualmente, que “driblava” os procedimentos ordinários de distribuição processual, para se tornar competente para julgar os procedimentos contra o réu e afastar a atenção da defesa acerca das investigações contra o seu representado, apenas confirmando as suposições defensivas. Essa postura de Moro já se mostrava incompatível com a isenção que deve pautar a atuação de um julgador! Moro não era imparcial. As manobras utilizadas por ele para vincular a distribuição de processos a si demonstram interesse demasiado e injustificado de proteger excessivamente os autos, pois, se era necessário o sigilo, caberia apenas negar vista à defesa ao argumento de que o acesso poderia comprometer as investigações em curso. Essa, certamente, seria, inclusive, a posição do tribunal em caso de insurgência recursal defensiva, como efetivamente foi no caso do MS 20070400018092-6, em que os julgadores da 8ª Turma do TRF-4 entenderam por “possibilitar aos advogados constituídos o acesso às peças constantes da representação criminal nº 2006.70.00.018489-9/PR – facultando-se a extração de cópias com exceção das medidas e diligências investigatórias em andamento cujo sigilo ainda se faça necessário”.
São posturas como essas que já comprometiam a imparcialidade de Moro!
2. A parcialidade do ex-juiz foi ainda mais longe: também a defesa técnica do então acusado passou a sofrer as consequências da atuação arbitrária e parcial de Moro. Nos autos da Ação 2004.70.00.012219-8, o magistrado decretou, sigilosamente, a prisão preventiva daquele cliente, em 30/6/2006, pretendendo prendê-lo na audiência do dia 3/7/2006. A fim de, em sua visão, dar efetividade à medida, determinou à Polícia Federal que investigasse os voos dos defensores do paciente — advogados Cezar Roberto Bitencourt e Andrei Zenkner Schmidt — que iriam para sua audiência. Moro justificou essa absurda arbitrariedade, nos seguintes termos (fl.1203):
“Para assegurar o cumprimento da decisão retro, autorizo a autoridade policial portadora dessa decisão a levantar junto a qualquer companhia aérea ou à Infraero registros de vôos, nacionais ou internacionais em relação às pessoas de Fulano de Tal […] e seus ADVOGADOS CEZAR ROBERTO BITTENCOURT (sic), OAB/RS 11483 e ANDRE ZEKNER SCHMIDT (sic), OAB/RS 51319, […]. Decreto o sigilo dessa decisão”.
Esse despacho ilegal evidencia que a obsessiva parcialidade de Sergio Moro atingia, agora, também, pessoalmente, os defensores do acusado, violando suas garantias constitucionais e atentando a liberdade do exercício profissional (artigo 3º, alínea “j” da Lei 4.898/65). Postura odiosa fiscalizando, ilegalmente, os voos dos defensores do cliente fala por si só, dispensando maiores comentários!
Cientes da inusitada decisão, que determinava fiscalização do deslocamento dos defensores, como se criminosos fossem, peticionaram ao magistrado suspeito que esclarecesse as razões da adoção da referida arbitrariedade, bem como que informasse se teria ele sido responsável pelos grampos instalados em seus terminais telefônicos. Assim respondeu o magistrado, no corpo do novo decreto prisional proferido em 19/7/2006, nos autos da Ação Penal 2004.70.00.01.2219-8:
“(…) Quanto às alegações dos defensores de que estariam tendo suas comunicações telefônicas interceptadas, seria o caso de esclarecerem em que se baseia tal alegação, antes de insinuar que este juízo teria alguma responsabilidade. De todo modo, apesar da insinuação temerária, esclareço que, se há interceptação, não parte ela de ordem desse Juízo” (fl.1336)
Ao contrário do que afirmou o juiz arbitrário, não houve da parte dos defensores qualquer tipo de insinuação, mas uma pergunta direta e objetiva acerca da responsabilidade do magistrado pelos grampos telefônicos, conclusão razoável que decorre naturalmente da determinação absurda de investigação do deslocamento dos advogados.
A intimidação da defesa, por Moro, seria ainda incrementada quando, nos autos da representação criminal, determinou o monitoramento telefônico de outros colegas, que prestavam serviços eventuais ao mesmo cliente, sob o frágil argumento de que o número de seu terminal telefônico havia constado numa ligação para o telefone celular do réu, ao mesmo tempo em que as petições juntadas aos autos, com o número do telefone celular do advogado, deixavam claro que aquele terminal era de seu defensor.
“Processo 2004.70.00.012219-8
Rubens não compareceu na audiência do dia 03/07, o que constitui mais um indício de que seria o responsável pelos fatos que levaram à decretaçao de sua prisao preventiva, cf. decisao retro. A fim de garantir a sua prisão e a necessária proteçao ao co-acusado e às testemunhas, bem como para garantir a aplicação da lei penal, decreto a interceptação, por quinze dias, das comunicações telefônicas efetuadas pelos terminais de pessoas ligadas ao acusado (visto que o Juízo não dispõe do telefone por ele utilizado). quais sejam, 41 9965-0013, de Luiz Alberto Oliveira de Luca, que é o advogado que, embora não seja seu defensor no processo, presta serviços usuais ao acusado. tendo inclusive visitado os presos em Itajai, 41 33761955, de Divonzir Catenace, irmão e cúmplice do acusado, 41 9963-1004 e 41 3342-8735, telefones utilizados por Luzardo Thomaz de Aquino, que é outro advogado, não-defensor do processo, que presta serviços ao acusado, e 41 33042200 da empresa Sigla Câmbio e Turismo Ltda., que foi utilizada na prática dos ilícitos”.
Da leitura dessa decisão, inevitável o seguinte questionamento: se os telefones dos advogados eventuais do acusado foram grampeados por determinação do magistrado, teria deixado de interceptar os telefones de seus defensores no processo, como ele mesmo garantiu?
Tal indagação não decorre somente da medida adotada, mas do fato de que na decisão acima, mais uma vez, Moro se vale da estratégia de despachar em autos distintos, para, posteriormente, apensá-los ou trasladá-los, para o processo principal, como fez na “representação criminal”. Tanta ocultação e sigilo das representações e procedimentos teriam mesmo somente o objetivo, nada sigiloso, e até declarado, de prender o acusado, ou poderia estar ocultando determinações de escutas telefônicas, a exemplo da decretada na decisão acima?
A pessoalização da acusação, pelo magistrado, é também notada nos diversos fragmentos em que foram prestadas informações perante o TRF da 4ª Região, quando a autoridade coatora lança mão de argumentos que bem evidenciam o clima de animosidade em relação não só ao paciente, senão também em relação a seus defensores. Veja-se, para exemplificar, as seguintes passagens: nas informações prestadas no HC 2006.04.000225670, o magistrado, referindo-se aos argumentos jurídicos apresentados pela defesaacerca da arbitrariedade de uma prisão decretada sem embasamento legal, demonstra que se sentiu pessoalmente acusado:
“Quanto às alegações dos impetrantes que beiram a uma acusação a este Juízo, cumpre esclarecer o que segue. Fulano de Tal responde a duas ações penais perante este Juízo. Não há qualquer óbice na decretação de sua prisão nos dois casos.(…) Quanto às acusações pessoais dirigidas a esse Juízo pelos Impetrantes, apenas se lamenta o seu teor e por uma questão se respeito deixa-se de respondê-las”.
Já na exceção de suspeição oposta pela defesa baseada em situação fática peculiar de quatro sucessivas prisões decretadas de ofício por Moro, sem qualquer fato novo, conforme restou reconhecido inclusive pelo TRF-4 e pelo STJ, nos Habeas Corpus já mencionados, o magistrado afirmou:
“Pessoas razoáveis podem divergir quanto ao que é devido ou não no Direito Penal. Particularmente, este julgador, embora respeite as decisões do TRF, entende que no caso agiu acertadamente em vista do risco à pessoa ameaçada pelo excipiente ou a seu mando. Quem confunde as coisas, com todo o respeito, é o defensor que, além dessa exceção, vem buscando inclusive, junto a outros órgãos, punição disciplinar deste julgador em virtude das decisões judiciais”.
Ora, a exceção de suspeição ou impedimento é medida legal e legítima de que dispõe qualquer acusado quando, por alguma razão, entender que a imparcialidade do juiz que conduz o seu processo esteja comprometida, afinal, é direito subjetivo de todo o réu um julgamento isento e imparcial. Não se trata, portanto, de “confundir as coisas” e se valer de uma medida processual como forma de provocação a uma autoridade, como parece ter entendido o Julgador. O que a defesa fez foi se valer dos meios legais existente para garantir um julgamento isento ao seu representado, despindo-se de qualquer intenção de atingir pessoalmente o julgador, conforme entendimento sempre por ele conferido.
A interpretação do julgador de que as medidas processuais utilizadas pela defesa têm a finalidade de intimidá-lo é textualmente por ele afirmada, nas informações prestadas no HC 2007.04.000181517:
“Por fim, embora isso não seja provavelmente relevante para fins da preventiva, é oportuno registrar as tentativas do acusado Rubens e de seus defensores de intimidar esse julgador. Diante das prisões do ano passado, não só apresentaram exceção de suspeição contra este julgador, e que ainda não foi apreciada, mas igualmente o representaram na Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e ainda perante o Conselho Nacional de Justiça. Embora este julgador não esteja preocupado com tais representações, que confundem questões jurisdicionais com questões disciplinares, é de se questionar, a luz das novas provas que indicam que Rubens é de fato responsável pelo evento de 28/06/2006, a correção de tal comportamento processual.”
O próprio julgador verifica a inadequação da via eleita para manifestar seus sentimentos pessoais, sem, contudo, deixar de fazê-lo. Veja-se que na decisão o magistrado acaba por admitir o que antes apenas deixava subliminar, que interpreta as medidas legais utilizadas pela defesa, as quais ele mesmo lista (não só apresentaram exceção de suspeição contra este julgador, (…), mas igualmente o representaram na Corregedoria do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e ainda perante o Conselho Nacional de Justiça) como “tentativas de intimidá-lo”. No entanto, autoridades públicas não se intimidam, cumprem seus misteres e, no caso, tratando-se de um grande magistrado, inteligente e culto, e ainda arbitrário e prepotente como foi Moro, temido por todos, ninguém ousaria tentar intimidá-lo. Nossa postura profissional, pautada sempre pelos rígidos princípios éticos, é conhecida por todos e dispensa explicações. E, no caso, as medidas processuais adotadas, que o próprio magistrado elenca, não objetivam intimidar ninguém, mas apenas assegurar a ampla defesa do cliente, nos limites do marco constitucional.
Esses, enfim, são apenas parte dos elementos processuais conhecidos que demonstram, da parte de Moro, a ausência absoluta de imparcialidade para continuar conduzindo os processos em que figuram como parte este réu. Afora o fato de já ter antecipado juízos de mérito quanto à sua condenação e ter decretado quatro vezes, de forma arbitrária, a sua prisão no mesmo processo, também a sua defesa técnica passou a sofrer intimidações processuais desse juiz.