A campanha anticorrupção do Brasil se mostrou corrupta e pode derrubar Jair Bolsonaro, diz o Independent

Atualizado em 3 de julho de 2019 às 13:33

Publicado no The Independent

Bolsonaro e Moro

POR BENJAMIN FOGEL

Desde 2014, a Lava Jato é comemorada como uma vitória na “guerra contra a corrupção” no Brasil. A narrativa em torno da investigação celebrou uma jovem e valiosa equipe de heróis destravando um grande escândalo de corrupção envolvendo transações ilegais entre partidos políticos, construtoras e a estatal Petrobras. Para muitos brasileiros, marcou o fim da impunidade da elite.

Liderado por uma equipe de jovens promotores, o juiz Sergio Moro – agora ministro da Justiça – presidiu os processos mais notáveis. A investigação processou 159 pessoas, incluindo políticos, bilionários e o ex-presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva.

A Lava Jato era celebrada internacionalmente, e Moro – o homem que mandou Lula para a prisão – anunciado como um cruzado incorruptível anticorrupção. No entanto, recentes revelações encabeçadas pelo The Intercept e o jornalista Glenn Greenwald abalaram as bases da política brasileira, revelando uma investigação e um juiz que regularmente se envolvia em práticas ilegais e antiéticas para obter resultados – muitas vezes por motivos políticos partidários. Os efeitos desestabilizadores e radicalizantes da Lava Jato na política brasileira suscitam a questão: a cura foi pior que a doença?

Para entender a importância dessas revelações, é necessário esboçar brevemente o panorama político brasileiro atual. No ano passado, a extrema-direita com Jair Bolsonaro foi eleita no Brasil; Bolsonaro, que celebra abertamente a ditadura militar do Brasil, e que é notório por sua homofobia, misoginia, ódio à esquerda e defesa de assassinatos extrajudiciais. O caminho para a presidência foi liberado quando Lula – que presidiu um período de rápido crescimento econômico e tirou milhões da pobreza – foi preso por Moro e impedido de concorrer à presidência pelo tribunal eleitoral do Brasil.

Lula foi condenado por Moro por receber melhorias em um apartamento à beira-mar de uma construtora como suborno e pegou 12 anos de prisão, apesar de nunca ter morado no apartamento mencionado. Lula liderou todas as pesquisas por uma margem considerável até que sua candidatura foi bloqueada. Essa decisão tem sido questionada por figuras legais brasileiras e internacionais em todo o espectro político e é baseada em evidências suspeitas e no testemunho instável de um único homem de negócios.

Durante anos, eu e muitos outros criticamos a Lava Jato pela coordenação encoberta entre juízes e promotores (esse tipo de comunicação é ilegal tanto no Brasil como no Reino Unido), partidarismo político, depender de vazamentos suspeitos para a mídia e outras práticas questionáveis moral e legalmente. Moro, cujas ações mais ou menos garantiram a vitória de Bolsonaro, foi posteriormente nomeado “superministro da Justiça” de Bolsonaro e recebeu uma quantidade de poder sem precedentes. Na maioria dos países, isso seria visto como uma forma de corrupção ou comportamento antiético, no mínimo. No entanto, os defensores da Lava Jato argumentaram que Moro – equivocadamente retratado como um liberal modernizador – mitigaria os piores instintos de Bolsonaro.

As revelações explosivas do Intercept vieram de um enorme vazamento de conversas privadas, mensagens em grupo e notas de áudio entre os investigadores do Lava Jato, os promotores e o juiz Moro por meio do aplicativo de mensagens Telegram. Eles não apenas acrescentam evidências sólidas sobre as críticas à Lava Jato, mas revelam que a investigação foi aparentemente liderada pelo juiz que preside os casos, com evidências para mostrar que ele coordenou sua estratégia de mídia, estratégia de acusação e metas pelo Telegram com a liderança, o promotor Deltan Dallagnol.

O Intercept e seus parceiros de mídia no Brasil, o jornal Folha de São Paulo e o jornalista Reinaldo Azevedo mostraram numerosos exemplos de Moro sugerindo linhas de argumentação e investigação aos promotores; evidência de que o juiz ordenou a Dallagnol que retirasse um promotor do caso Lula que ele considerava fraco; e tenta impedir que Lula dê uma entrevista antes da eleição porque pode ajudar sua substituição como o candidato do Partido dos Trabalhadores (PT) Fernando Haddad.

Outras revelações incluem os fatos de que os promotores criticaram Moro por sua disposição de confiar em métodos duvidosos em busca de seus objetivos e por concordar em ser ministro da Justiça de Bolsonaro meses antes da eleição. Os promotores da Lava Jato também pressionaram a principal testemunha contra Lula a mudar sua história para implicá-lo em um caso que eles reconheceram ser fraco. Moro também dissuadiu Dallagnol de processar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, já que ele era visto como um importante aliado político da investigação.

As implicações desses achados são explosivas. Eles ameaçam todos os processos de Lava Jato, a reputação da investigação, a carreira política de Moro e até mesmo o futuro do governo de Bolsonaro. Moro, que há muito nega qualquer coordenação com os promotores, afirmou, principalmente por meio de uma série de postagens no altamente duvidoso site de extrema direita O Antagonista, que as mensagens foram obtidas ilegalmente por “hackers” e tiradas de contexto. Uma vez que se tornou a figura pública mais popular do Brasil, ele agora pode ser forçado a renunciar.

O escândalo provavelmente evitará que o projeto de lei “anticrime e corrupção” amplamente criticado de Moro seja aprovado no Congresso. Também poderia obstruir os planos do governo para a reforma da Previdência, prejudicando o governo propenso a escândalos de Bolsonaro, que já está tropeçando após acusações de ligações entre máfias paramilitares e a família do presidente, bem como um incidente recente em que um piloto, que viajava na comitiva do presidente para a conferência do G20, foi pego com 39 quilos de cocaína.

O legado mais duradouro da Lava Jato pode acabar sendo a ascensão de Bolsonaro, um fanático perigoso que se beneficiou de uma unidade anticorrupção, que consumiu o establishment e se tornou muito menos pura do que se pensava inicialmente. E foi Moro – uma figura de direita partidária com ilusões messiânicas, disposta a acabar com o Estado de direito em busca de seus objetivos – que desempenhou o papel fundamental de colocá-lo lá.

 

Tradução: Davi Nogueira