Antes de deixar a Câmara dos Deputados por uma saída secreta, Sergio Moro foi confrontado por questões que, se respondidas, podem esclarecer alguns pontos da trajetória de Moro quando era juiz.
Uma delas é: Quem pagava as despesas de Moro quando ia para o exterior?
A deputada Gleisi Hoffmann foi direto ao ponto: “O senhor ou a esposa tiveram ou têm conta no exterior?”
Moro não respondeu e considerou que a pergunta era “maluquice”.
Não respondeu também se viajou para o exterior com Carlos Zucolotto Júnior.
Gleisi não tirou esta pergunta do nada. Nem foi provocação.
Moro teria, sim, viajado com Zucolotto para o exterior. Mas, se respondesse afirmativamente, abriria espaço para outras questões incômodas para o juiz.
Desde que Moro acertou com Bolsonaro sua ida para o governo, o advogado se tornou lobista de carteirinha. É membro da Associação Brasileira de Relações Governamentais.
Zucolotto também foi sócio de Rosângela Moro, conforme ela mesma anunciou, em post antigo no Instagram.
“Sim! É meu amigo. Foi meu sócio, é meu compadre, é parceiro e é do bem. O tempo esclarece tudo! Enquanto isso seguimos na nossa amizade e de nossas famílias, enlouquecendo mentes criativas e destrutivas. Zucolotto faz o melhor churrasco da vida toda”, disse.
Moro é, digamos assim, da cozinha de Zucolotto Júnior, como mostra uma foto postada no Facebook pela mãe do advogado e agora lobista, Olga.
A postagem é do dia 13 de setembro de 2015, auge da Lava Jato. Uma amiga comentou:
— Aeee dona Olga.. Tietando rs.
Outra, de sobrenome Moro, disse:
— Quanto orgulho deste homem! Que Deus abençoe a vida dele, cada dia.
Outra perguntou:
— Conta aí dona Olga. Quando vai ser o dia dos rojões? Fala pra ele prender logo o Lula e a Dilma kkkkk.
Olga diz que perguntou:
— Já falei. Ele só deu risada, disse que seria o maior foguetório do Brasil, adoro.
Quando a foto foi postada, Lula nem sequer havia sido denunciado pelo Ministério Público Federal.
Moro decretaria a condução coercitiva de Lula seis meses depois; o interrogaria um ano e sete meses depois; e o condenaria um ano e nove meses depois.
Nesse meio de tempo, Zucolotto Júnior foi denunciado pelo advogado Rodrigo Tacla Durán por extorsão.
Zucolotto, segundo mensagens trocadas entre eles nos dias 24 e 25 de maio de 2016, apresentadas por Tacla Durán, queria 5 milhões de dólares em troca de facilidades num acordo de delação.
No dia 14 de julho de 2016 – menos de dois meses depois —., Tacla Durán transferiu 612 mil dólares (o equivalente a R$ 2,4 milhões) para a conta de outro advogado curitibano, Marlus Arns.
Gleisi perguntou a Moro se Rosângela tinha sido sócia de Marlus Arns. Moro não respondeu.
Rosângela trabalhou com Marlus em ações da massa falida da GVA, que tinha como sindica a família Simão, denunciada em uma CPI por integrar a máfia das falências no Paraná.
A transferência dos 612 mil dólares de uma conta da empresa de Tacla Durán para o escritório de Marlus Arns se deu após encontro entre os dois, nos Estados Unidos, onde Tacla Durán morava.
“Paguei para não ser preso”, contou o advogado. A transferência seria a primeira parcela do total acertado com Zucolotto.
Em junho, antes de Marlus viajar lá, a Lava Jato tinha pedido a prisão de Tacla Durán, mas Moro ainda não a tinha decretado. A prisão só seria decretada cinco meses depois.
No dia 31 de agosto de 2016, segundo as conversas secretas vazadas pelo Intercept, Moro perguntou a Dallagnol se não era muito tempo sem operação.
“É sim”, responde o procurador. “O problema é que as operações estão com as mesmas pessoas que estão com a denúncia do Lula. Decidimos postergar tudo até sair essa denúncia, menos a op do taccla (Rodrigo Tacla Durán) pelo risco de evasão, mas ela depende de Articulacao com os americanos”, acrescentou.
Quando a prisão foi decretada, em 10 de novembro de 2016, as autoridades americanas não quiseram cumprir o mandado.
Tacla Durán viajou dos Estados Unidos para Madri e foi preso no hotel Intercontinental em 18 de novembro.
Três meses depois, seria solto e, em seguida, fixaria residência na Espanha, após o país negar sua extradição ao Brasil.
Em Madri, começou a escrever um livro, Testemunho, ainda não publicado. O primeiro capítulo, postado na internet durante alguns dias, narra como foi a negociação com Zucolotto.
Quando Moro foi procurado pela jornalista Mônica Bergamo, em agosto de 2017, para comentar a denúncias relatadas no livro, Moro não quis responder.
Depois que saiu a reportagem, Moro se manifestou, numa manhã de domingo, através de uma nota dura, em que lamentou que “a palavra de um acusado foragido da Justiça brasileira esteja sendo usada para levantar suspeitas infundadas sobre a atuação da Justiça”.
Defendeu Zucolotto, que descreveu como “profissional sério e competente”, e faltou com a verdade, ao assegurar que ele nunca havia atuado na área criminal.
Zucolotto foi seu advogado em um processo criminal, movido pelo Ministério Público Federal contra o advogado Roberto Bertholdo, por calunia e difamação.
Moro nem cogitou determinar investigação para averiguar a denúncia de Tacla Durán — até para garantir que o nome dele (ou dos procuradores) não tivesse sido usado indevidamente.
Em vez disso, pensou em processar a jornalista que publicou a notícia, Mônica Bergamo, conforme revela a coluna Painel da Folha de S. Paulo de hoje.
Na troca de mensagens com Deltan Dallagnol, vazadas pelo Intercept, aparece uma em que Moro considerou a reportagem de Mônica Bergamo “ridícula” e disse que pensava em processá-la:
“Estou pensando em entrar com ação por danos morais contra ela.”
Não entrou, mas o caso, pelo visto ontem, ficou atravessado em sua garganta.
Ele se referiu à jornalista como “colunista social”, como se esta atividade fosse menor.
Ao não responder às perguntas de Gleisi, sobre viagem ao exterior, sociedade com Rosângela e conta, Moro atrai suspeita para si. Difícil entender por que Zucolotto é tão protegido por ele.