Investigação sobre escuta ilegal na PF é oportunidade de mostrar que Lava Jato é podre desde a origem. Por Joaquim de Carvalho

Atualizado em 11 de julho de 2019 às 14:55
Igor Romário de Paula e Sergio Moro

A notícia de que a Polícia Federal voltou a investigar o caso do grampo ilegal na cela do doleiro Alberto Youssef, em 2014, traz à tona inquéritos e sindicâncias que revelaram o racha entre agentes e delegados da instituição, durante a consolidação da Operação Lava Jato, em 2014.

Por conta desse racha, uma delegada da Polícia Federal chegou a determinar a instalação de escutas telefônicas ambientais, sem autorização judicial, para captar diálogos de servidores da Polícia Federal.

Na PF, havia os policiais engajados na Lava Jato e os chamados “dissidentes”, aqueles que, desde o início da operação, não concordavam com seus excessos.

A delegada que determinou a instalação da escuta é Daniele Gossenheimer Rodrigues, então chefe do Núcleo de Inteligência Policial (NIP), que é esposa do delegado Igor Romário de Paula, policial que é da confiança de Sergio Moro — tanto que hoje Igor chefia em Brasília o Departamento de Investigação sobre o Crime organizado e acompanhou o ex-juiz em sua mais recente viagem oficial aos Estados Unidos.

A escuta ambiental num local conhecido como “fumódromo” da Superintendência da PF em Curitiba ocorreu depois que Youssef denunciou que havia uma escuta em sua cela.

Quem instalou a escuta na cela de Youssef foi o agente Dalmey Fernando Werlang, por ordem de três delegados, entre eles Igor Romário.

Segundo Dalmey, a escuta foi instalada um dia antes da prisão do doleiro, em 2014.

Mais tarde, cumprindo ordem da chefe do Núcleo de Inteligência, Dalmey instalaria outra escuta em uma luminária do “fumódromo” da Superintendência, desta vez para captar conversa entre delegados, agentes e outros servidores da PF. Advogados também usavam eventualmente o espaço, o que levanta a suspeita de que também pudessem ser grampeados.

No depoimento que prestaria mais tarde ao juiz Sergio Moro, Dalmey contou que desconhecia a ausência de ordem judicial no caso da cela de Youssef.

Sobre a escuta no “fumódromo”, não foi questionado. Mas, em uma sindicância, confirmou que a ordem partiu da esposa de Igor Romário de Paula. Na mesma sindicância, a delegada Daniele Gossenheimer Rodrigues confirmou que deu a ordem.

Em ambos os casos, o do Youssef e o do “fumódromo, ao instalar a escuta, Dalmey disse que cumpriu ordem superior. 

Youssef mostra a escuta que encontrou em sua cela, em 2014

O inquérito que apurou a denúncia de interceptação ilegal na cela de Youssef foi arquivado por determinação de dois procuradores da república — um deles citado agora nos diálogos secretos revelados pelo Intercept.

É Januário Paludo, um dos mais experientes entre os procuradores da força-tarefa.

Muitos dos diálogos já divulgados pelo Intercept foram extraídos de um grupo do Telegram chamado “Filhos do Januário”.

No manifestação pelo arquivamento, assinada por Januário e também pelo procurador Antônio Carlos Welter, não se nega que houvesse escuta na cela de Youssef, mas eles dizem que esse equipamento estava desativado.

Para justificar o arquivamento do inquérito, os procuradores contrariaram o depoimento do próprio agente que admitiu ter feito a instalação. Os argumentos apresentados por Januário e Antônio Carlos Welter são singelos.

“Os Delegados encarregados da operação “Lavajato” se mostraram extremamente competentes nas investigações. A operação foi extremamente planejada e detalhada, com interceptação telefônica, telemática e de dados antecipadamente requeridos e deferidos pelo Juízo. Não é crível que delegados experientes, de inopino, às vésperas da deflagração da prisão decidissem implantar um sistema de captação nas celas sem autorização do Juízo, seja por que teriam obtido incontinente tal autorização (porque já deferida a interceptação telefônica em várias oportunidades) e seja por que não exporiam toda essa operação a alegações de qualquer natureza”, escrevem.

Também opinam:

“Também não se exporiam indevida e desnecessariamente a determinar uma medida tida como ilegal, em prejuízo da própria carreira, ainda que no interesse público”.

Em julho de 2017, quando a Lava Jato ainda era vista como um trabalho exemplar de policiais e procuradores comprometidos com o combate à corrupção, esses argumentos podiam colar.

Agora, com as entranhas da operação expostas, a situação é outra, e a verdade pode ser restabelecida.

O problema é que as pessoas suspeitas de parcialidade e até de abuso de poder têm hoje ainda mais força na Polícia Federal do que dois anos atrás, com a instituição subordinada a Sergio Moro e homens de confiança dele em postos-chave.

Até onde haverá a independência para verificar os indícios de que a Lava Jato é uma operação podre desde a origem, não se sabe.

Mas, para a imagem da PF, seria bom que a investigação fosse até o fim. Afinal, a lei não é para todos?