O depoimento prestado esta semana por Alberto Youssef é a ponta de um novelo que leva às disputas que houve na Polícia Federal do Paraná em torno da Lava Jato, e à revelação de ilegalidades cometidas por policiais federais desde o início da operação, em março de 2014.
Um mês depois de ser preso, em abril daquele ano, Youssef contou a seu advogado que havia encontrado uma escuta clandestina em sua cela. O caso foi denunciado ao então juiz Sergio Moro, e uma sindicância foi aberta.
A conclusão desse trabalho é que a escuta encontrada na cela de Youssef era remanescente de um caso antigo, o de Fernandinho Beira-Mar, e já estava desativada.
Mais tarde, o caso foi reaberto, a partir da confissão de um agente, Dalmey Werlang, de que ele próprio instalou a escuta, um dia antes de Alberto Youssef ser preso.
Essa segunda sindicância resultou na abertura de alguns processos administrativos, um deles contra Dalmey Werlang, que contou que fez a instalação cumprindo ordem de três expoentes da Lava Jato.
Segundo Dalmey, um deles era o superintendente da PF no Paraná, Rosalvo Franco, o outro, o coordenador da Lava Jato, Igor Romário de Paula. E o terceiro, o presidente do inquérito, Márcio Adriano Ancelmo. Os três ocupam agora cargos de confiança em Brasília, nomeados pelo agora ministro Sergio Moro.
No depoimento que prestou no dia 27 de junho, na Superintendência da PF em São Paulo, no âmbito do processo administrativo contra Dalmey, Alberto Youssef foi perguntado se tinha medo de levantar novamente “essa questão da escuta” e pedir a nulidade do processo em que foi condenado.
Ele respondeu que não tinha medo porque “para combater crimes não se pode cometer crimes, até porque isso tira as garantias do cidadão”.
A Polícia Federal está subordinada a Sergio Moro e fica difícil acreditar que haja uma investigação aprofundada sobre o caso da escuta, que, a exemplo dos diálogos entregues por uma fonte ao Intercept, revela ilegalidades da Lava Jato.
No entanto, assim como acontecia com frequência cinco anos atrás, quando foi deflagrada a Lava Jato, alguém vazou o depoimento de Youssef. Moro e seus homens de confiança na PF agora estão no papel invertido. Eles são o governo.
A escuta na cela da Youssef é apenas um dos abusos que voltam à tona.
Em outra sindicância, a PF recomendou a abertura de processo administrativo contra a delegada Daniele Grossenheimer Rodrigues, esposa do delegado Igor e que chefiava o Núcleo de Inteligência da Superintendência da PF em Curitiba quando o agente Dalmey, seu subordinado, instalou a escuta na cela de Youssef.
A recomendação para que ela responda a processo administrativo, entretanto, está relacionada a outro caso de escuta, descoberto em meio a disputas em torno da Lava Jato, entre os defensores da operação e os chamados dissidentes.
Em 2015, Dalmey contou que, por ordem de Daniele, instalou uma escuta ambiental na escadaria externa do segundo andar da PF, que os policiais usam para fumar. O objetivo da escuta era captar, clandestina e ilegalmente, conversas de delegados e agentes que não estavam fechados com a Lava Jato.
Um desses “alvos”, o delegado Rivaldo Venâncio, soube da escuta através do próprio agente Dalmey, e acionou o delegado do dia, chefe do plantão, para apreender o equipamento.
Daniele admitiu que deu a ordem de instalação da escuta ao agente, mas nem teria como negar. Dalmey gravou uma conversa em que ela admite ter dado essa ordem.
Nessa ocasião, estava em curso uma investigação sigilosa sobre a ação dos tais “dissidentes” da Lava Jato, conduzida por um delegado da Polícia Federal convocado de Bauru, interior do Estado de São Paulo, Mário Renato Castanheira Fanton.
O curso da investigação virou quando o delegado Fanton tomou conhecimento desses abusos. Ele era considerado da confiança de Igor Romário de Paula, a quem dava relatos sobre seu trabalho.
Quando descobriu as ilegalidades, tomou depoimentos e fez denúncia formal, contrariando a orientação dos delegados lavajateiros, especialmente Igor, e algum tempo depois sentiu na própria pele o modus operandi da operação.
Um tio distante, que tem o mesmo sobrenome, foi alvo de condução coercitiva por gerenciar uma agência do Banco do Panamá em Santos, acusado de envolvimento em negócios ilícitos.
Havia quatro funcionários dos bancos alvos de intimação, mas o site O Antatonista, house organ da Lava Jato, deu ênfase ao nome do tio do delegado no inquérito.
Igor Romário de Paula também citou o nome do parente do delegado Fanton na entrevista coletiva que deu sobre o caso do Banco do Panamá.
O house organ da Lava Jato voltou ontem à tona, tentando desviar o foco da investigação sobre os abusos da Lava Jato apurados no processo administrativo em que Alberto Yousef prestou depoimento.
O ninho de cobras está se movimentando.
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