O hiperfracassado ministro da hiperinflação insiste em dar lições aos brasileiros.
Algum tempo atrás, elegi o pior livro do ano sem lê-lo, porque era desnecessário. Era a peroração desinformativa de Merval Pereira sobre o mensalão, com a contribuição de um prefácio simplesmente amoral de Ayres Britto. (Nunca um jornalista e um juiz devem se unir de forma tão acintosa, porque é um perigo para o interesse público por razões óbvias: são duas instâncias que na verdade devem se vigiar uma à outra.)
Agora elejo o pior documentário do ano sem vê-lo por ser, igualmente, desnecessário. É a obra, aspas, de Mailson da Nóbrega, o famoso ministro da fazenda dos 80% de inflação ao mês. O nome é “O Brasil deu certo. E?”
No site Opera Mundi, pediram que os leitores completassem o título. Um leitor brilhou: “O Brasil deu certo apesar de você”.
Maílson foi um horror como ministro.
Sempre me chamou a atenção como, tendo legado 80% ao mês de inflação, ele tenha se tornado depois colunista da Veja e fonte de tantos jornalistas da área econômica.
O que aconteceu, essencialmente, é que Mailson passou a falar, pós-governo, tudo aquilo que as grandes empresas de mídia querem que seja dito. A despeito de sua passagem calamitosa por Brasília, isso foi suficiente para dar-lhe microfone e amplificadores.
A esse atributo se somou a excepcional disponibilidade de Mailson. Ele atende todo mundo.
Isso também conta.
No começo dos anos 1980, eu tinha 20 e poucos anos e trabalhava na seção de economia. Elio Gaspari, o “General”, como era conhecido na redação, era o diretor-adjunto.
Elio muitas vezes se encostava nas divisórias baixas que separavam as editorias e falava sobre jornalismo. Para quem começava na carreira, como eu, era uma oportunidade excepcional de aprendizado.
Uma noite ele falou sobre fontes.
“As fontes são aquelas pessoas que atendem todos os telefonemas dos jornalistas”, ele disse. “Não são as melhores, são as mais fáceis, e isso faz diferença para repórteres preguiçosos.”
Um caso específico Elio citou: o então presidente da Fiesp, Luís Eulávio Vidigal. Ele era onipresente nas reportagens de economia e negócios na mídia brasileira, porque não recusava uma única entrevista.
Mais tarde, quando virei eu mesmo editor, fonte foi um tema sobre o qual me detive longamente nas conversas com os repórteres.
Em meados dos anos 1990, na casa dos 30, eu era diretor de redação da Exame. Jamais esquecera as palavras de Elio, mas acrescentei uma reflexão pessoal: prestar completa atenção na obra, no mérito da fonte.
Foi sob essa lógica que refizemos o time das fontes da revista.
Uma das primeiras eliminações, se não a primeira, foi o ex-ministro Maílson da Nóbrega, obra de Sarney. Por uma razão potente: ele deixara o cargo com uma inflação de 80% ao mês. Depois de um desempenho tão catastrófico, que sentido havia em ouvi-lo mandar fazer as coisas que ele próprio não conseguira fazer?
Maílson pretendia atacar os problemas econômicos com o que ele chamou de “arroz com feijão”. Foi uma das raras vezes em que os brasileiros sofreram violentamente com o arroz com feijão.
A Exame, e não apenas nisso, foi contra a corrente.
Maílson continuou a ser ouvido por repórteres de todas as mídias para tratar de economia. A presença constante no noticiário — ajudou a empurrar adiante a consultoria que ele montou pós-governo, a Tendências.
Foi como se a celebridade de alguma forma obscuresse sua obra desastrosa como ministro.
É uma troca: ele usa a mídia e é usado por ela. O leitor? Ora, o leitor que se dane.
Do alto do legado hiperinflacionário, Mailson dá lições aos brasileiros sobre tudo aquilo que ele foi incapaz de fazer. No papel, ele resolve os problemas em cujo trato fracassou miseravelmente.
Já foi dito aqui que maus editores são tão nocivos, para a mídia tradicional, quanto a internet.
Maílson é uma pequena prova disso.
Por tudo isso, concedo a seu documentário, antecipadamente, o prêmio de pior do ano, da década, do século, do milênio, da eternidade.
Per omnia saecula seculorem.