PUBLICADO NO BRASIL DE FATO
POR CECÍLIA FIGUEIREDO
Durante o lançamento do programa Médicos pelo Brasil, nesta quinta-feira (1º), o presidente Jair Bolsonaro (PSL) e o ministro da Saúde Henrique Mandetta distribuíram críticas e falas ofensivas a profissionais cubanos e ao programa Mais Médicos, criado em 2013 pelo governo da presidenta Dilma Rousseff (PT).
Em nenhum momento, nos 40 minutos de cerimônia, Bolsonaro falou sobre o novo programa. Em suas intervenções, preferiu atacar Dilma, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e os cubanos que participaram do Mais Médicos.
O Médicos pelo Brasil foi lançado por meio de Medida Provisória (MP). Para virar lei, o texto precisa ser aprovado pelo Congresso Nacional até o final deste ano.
Diferente do que foi dito na semana passada pela médica Mayra Isabel Correa Pinheiro, secretária de Gestão do Trabalho e Educação na Saúde do Ministério da Saúde, a contratação dos profissionais não se dará por concurso, mas por CLT.
O ministro da Saúde projeta que até o final de 2020 seja possível preencher as 18 mil vagas oferecidas pelo programa em 4 mil municípios do país. Cerca de 60%, segundo Mandetta, estarão nas regiões Norte e Nordeste.
Mandetta informou, ainda, que pretende ampliar em cerca de 7 mil vagas a oferta de médicos para municípios com “maiores vazios assistenciais”.
“Enquanto se criam factoides, a gente responde com políticas que vão em direção ao ser humano”, disse, em referência ao consórcio criado pelos governadores do Nordeste, que prevê a contratação de médicos para 11 estados, em parceria com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas).
Grosserias
Para justificar sua oposição ao Mais Médicos, durante a cerimônia Bolsonaro voltou a desqualificar o programa que atendeu a mais de 60 milhões de brasileiros.
“Se os cubanos fossem tão bons assim, teriam salvado a vida de Hugo Chávez [presidente da Venezuela que faleceu em 2013, vítima de câncer]. Não deu certo. Deu azar. Se os cubanos fossem tão bons assim, [ os presidentes] Dilma e Lula teriam aqui no Planalto para atendê-los cubanos e não brasileiros”.
Num novo ataque aos petistas, o chefe do Estado brasileiro disse que o governo ignorou “uma questão de direitos humanos, humanitária”, em razão do programa não prever a vinda de familiares do médicos caribenhos. Curiosamente, o então deputado Bolsonaro discursou na Câmara contra a vinda de familiares dos médicos cubanos.
Ele afirmou também que, quando Dilma lançou o Mais Médicos, em 2013, a preocupação não era com a saúde dos brasileiros, mas com questões ideológicas.
Contrariando a versão de Bolsonaro, uma pesquisa realizada em 2014 pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com o Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe), concluiu que 96% dos entrevistados afirmou que os profissionais cubanos eram competentes. Foram entrevistadas, à época, um ano após o lançamento do programa, 4 mil pessoas em 200 municípios atendidos pelo Mais Médicos.
Outro estudo, encomendado pela Opas em parceria com a Organização Mundial da Saúde, constatou que diversos indicadores de saúde melhoraram com o programa. Houve por exemplo uma expressiva redução no número de internações e hospitalizações por conta da ampliação da atenção primária.
Meritocracia
No evento de lançamento do Médicos pelo Brasil, o ministro da Saúde ressaltou que a escolha do local para onde o médico será enviado será por “meritocracia”. Os médicos que optarem por locais com maior dificuldade de acesso, “mais complexas, eles ganharão, sim, mais incentivos”.
A contratação terá quatro níveis salariais com progressão a cada três anos de participação no programa. Também haverá gratificações. Assim, o primeiro nível salarial poderá chegar a R$ 21 mil e a R$ 31 mil, conforme a localidade de atuação.
A seleção será por meio de prova objetiva. O programa também pretende intensificar a formação de profissionais médicos como especialistas em medicina de família e comunidade.
De acordo com o plano do governo, o Mais Médicos será substituído pelo Médicos pelo Brasil de forma gradual, respeitando os atuais contratos em vigor.
“Vamos conviver com o programa anterior e o programa novo, porque eu não vou anular a lei anterior [do Mais Médicos] de uma vez. Eu poderia criar um vazio até se fazer todo o processo seletivo. Então, a gente vai coexistir”, afirmou o ministro.
O ministro disse também que a distribuição dos médicos considerará critérios técnicos.
“Não há mais indicação política, como víamos antigamente. Era comum as pessoas se utilizarem, conseguir arrumar quatro cubanos, oito cubanos. Tinha virado quase que uma espécie de commodity, para substituir por razões financeiras. Agora entra o IDH, o Bolsa Família, o BPC, o nível de previdência abaixo de dois salários mínimos, agora entra mortalidade infantil, expectativa de vida, um conjunto de indicadores que mostra com precisão aqui é necessário apoiar, aqui é necessário a presença do governo federal”, afirmou Mendetta.
A especialização em Medicina da Família e Comunidade, investimento iniciado durante o governo Dilma Rousseff, foi outro ponto destacado. Para o ministro, não há como fazer Atenção Primária sem especialistas. “É preciso formar. O Brasil chega a 5.500, se não me engano, médicos de famílias especialistas em saúde da Família e Comunidade. Todos os médicos que entrarem no programa terão a especialização em Saúde da Família e Comunidade por dois anos”.
Somente depois, segundo o ministro, será contratado como médico de família. “E nós vamos ter o melhor time de médicos do mundo”, prometeu.
Médicos cubanos permanecem no limbo
A incorporação dos cerca de 2 mil médicos cubanos que permaneceram no país, após o fim do acordo com o governo de Cuba, não está confirmada no novo programa.
Portaria publicada nesta semana pelos ministérios da Justiça e das Relações Exteriores regulamentou a residência de cubanos que participaram do programa Mais Médicos no Brasil. A apresentação do requerimento de autorização de residência em território brasileiro deverá ser feita junto à Polícia Federal.
De acordo com a portaria, o imigrante poderá requerer a autorização de residência – que poderá ter prazo indeterminado – no período de 90 dias anteriores à expiração do prazo de 2 anos, previsto para que as autoridades brasileiras concluam o processo de autorização de residência. A autorização de residência implicará na “desistência expressa e voluntária de solicitação de reconhecimento da condição de refugiado”.
Em busca de agradar a plateia presente, reunindo representantes de várias entidades médicas, Mandetta reforçou que é necessário que a sociedade se proteja, através da fiscalização efetiva dos conselhos regionais e Conselho Federal de Medicina. “Por isso este programa só admite médicos com inscrição nos conselhos de medicina, com diplomas legalizados, seja pelo Revalida, seja por provas”, informou.