Johannes Cullberg é dono de uma rede sueca de supermercados voltada para produtos orgânicos que deixou o governo Bolsonaro perplexo em Estocolmo. Ele ganhou repercussão internacional depois que decidiu boicotar os produtos de origem brasileira.
“A maioria (dos países) está tentando reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Mas ele (Bolsonaro) vai no sentido contrário, responde com o aumento do desmatamento e com o aumento do uso de pesticidas. Isso deveria ser ilegal, matar o planeta”, afirma.
A Embaixada brasileira na Suécia a chegou-lhe a enviar um comunicado, sugerindo o fim do boicote, sob o argumento de que o Brasil não é o campeão mundial em agrotóxicos, mas o quinto pior.
Iniciada há dois meses, a campanha conta com uma petição online que convida à adesão ao boicote, com mais de 1.700 assinaturas até o momento. Para ele, a iniciativa se compara ao boicote inglês contra os produtos sul-africanos na época do apartheid. “Leva tempo, mas eu sou paciente”.
Nesta entrevista ao DCM, Johannes conta como reagiu à carta da Embaixada, fala do apoio que vem recebendo de brasileiros e dos clientes e promete continuar a campanha, dizendo quais deverão ser os próximos passos.
Por que você decidiu boicotar os produtos brasileiros?
Basicamente porque estou muito desapontado e frustrado com Bolsonaro, o presidente do Brasil. Ele aumentou radicalmente o número de agrotóxicos muito perigosos. Eles já eram muito utilizados. Então isso é muito frustrante. E ainda mais, ele decidiu aumentar o desmatamento da floresta amazônica, o que basicamente afeta o mundo inteiro.
Quando eu li isso no jornal numa manhã, eu disse: há uma coisa que eu posso fazer, decidir de não comprar mais nenhum produto brasileiro nas minhas lojas para mostrar que nós não aceitamos esse tipo de comportamento. Mas inicialmente eu não pensava mais do que isso. Um colega meu sugeriu de fazer um comunicado de imprensa e eu disse que sim. Então tudo virou uma “loucura”.
Boicotar produtos brasileiros deve ser um desafio, pois estão presentes também em produtos de outros países, como o peixe norueguês, alimentado com soja brasileira. Há boicote desse tipo de produto também?
Isso é muito difícil. A indústria de comida é altamente difícil, tem muitas etapas. O que nós podemos fazer é decidir que os produtos que vêm diretamente do Brasil, como café, feijão, frutas, vegetais, carne, água de coco… São esses os produtos que nós podemos boicotar, por exemplo. Mas se há um ingrediente, isso seria muito difícil de controlar. Mas acho que você estava se referindo à soja…
Sim.
Não acredito que seja o tipo comum de peixe que vendemos.
Como você vê a política de Bolsonaro para o meio ambiente e os direitos humanos?
Eu acho que é bastante óbvio que ele tem um enorme desprezo pelos direitos humanos e meio ambiente.
A mídia sueca e internacional tem falado sobre seu boicote. Como você vê essa repercussão?
Estou feliz que há um impacto. Recebi muitos e-mails, mensagens via Facebook, de muitas pessoas brasileiras que estavam muito gratas. Não era a intenção no início, mas eu espero que outras pessoas possam se inspirar e não comprar mais produtos do Brasil em suas lojas. O maior impacto que até agora foi o fato de que a embaixada brasileira me escreveu para eu parar a campanha e isso, para mim, foi muito poderoso. Acho que você tem sucesso quando consegue incomodar as pessoas certas. Isso foi absolutamente poderoso.
A embaixada brasileira te disse que o Brasil não é o campeão do mundo em uso de agrotóxicos, mas o quinto. Como você reagiu a esse tipo de argumento?
Na verdade, eu quase comecei a rir. Mas é tão triste que se use os próprios números para dizer que você é “só” o quinto pior do mundo. Isso é muito triste. E com o aumento por Bolsonaro, o país será o número 1 de longe, já não o for. Eu estou falando é de uma tendência. A maioria está tentando reduzir a emissão de gases de efeito estufa, do impacto ambiental. Mas ele (Bolsonaro) vai no sentido contrário, responde com o aumento do desmatamento e com o aumento do uso de pesticidas. Isso deveria ser ilegal, matar o planeta.
E o que seus clientes pensam da sua escolha?
Eles têm sido 100% a favor. Tivemos uma resposta muito positiva. Claro que eles entendem que não vão poder comprar melões, ou o que eles precisam. “Nós apoiamos o que vocês estão fazendo”. Eles esperam que outros façam o mesmo. Uma grande mudança nos supermercados leva tempo. Mas nós vamos continuar com o boicote.
Você acha que outras pessoas no mundo dos negócios estão dispostas a fazer o mesmo?
Eu acho que sim. Se você compara com a África do Sul com o que começou em Londres, em 1969, 60 anos atras, também começou com um boicote de vegetais e outros produtos da África do Sul. Leva tempo, mas eu sou paciente. Precisamos continuar fazendo isso. Uma vez que o movimento debaixo se torna grande o suficiente, então não é mais possível vender esse tipo de produtos do Brasil.
Com o seu boicote, o movimento liderado por Greta Thunberg, apontam o crescimento de uma consciência ambiental na Suécia?
Sim. Na Suécia, sempre fomos muito preocupados com o meio ambiente. É um país pequeno, com quase 9 ou 10 milhões de habitantes. Mas temos uma alta penetração da internet, muitas pessoas nas redes sociais. Então um grande movimento pode se formar muito facilmente. Eu acho que as redes sociais exercem um importante papel na difusão de uma mensagem. E eu acredito que os suecos estão muito cientes de que o mundo precisa agir agora porque o tempo está acabando. Então acho que é algo muito sincero, especialmente nas gerações mais jovens.
Como você vê um possível acordo entre a União Europeia e o Mercosul?
Eu não sou um político europeu, então eu não sei como ele está sendo negociado. Mas meu próximo passo seria discutir com políticos da União Europeia como isso tem sido feito. As consequências do desmatamento e o uso de pesticidas afetarão todos os países por causa da produção de oxigênio pela floresta no Brasil em relação ao planeta inteiro.
Você teria alguma outra consideração a fazer?
Que todos os leitores do seu site entendam que todo mundo pode contribuir para o boicote. É muito poderoso que todo mundo contribua.
Nosso público é principalmente de leitores brasileiros. O que você diria a eles sobre como eles podem ajudar nesse sentido?
Há outras maneiras, melhores, de usar a terra, do que a monocultura, ou a soja, do que alto de agrotóxicos. Há produtos fantásticos do Brasil, orgânicos, muitas técnicas. Focar nos produtos orgânicos é muito importante e dizer a Bolsonaro que esse tipo de desenvolvimento é muito, muito perigoso para a economia do mundo e também para a economia do Brasil. E que o boicote dos produtos brasileiros não é uma coisa positiva para todo mundo.