O resultado das eleições primárias na Argentina confirma o favoritismo de Alberto Fernández/Cristina Kirchner para o pleito presidencial em outubro, e confirma o movimento no continente de enfraquecimento da direita.
Ao mesmo tempo, no Paraguai, o presidente Mario Abdo Benítez enfrenta forte oposição depois que foram revelados os bastidores de uma ata secreta assinada por ele e pelo presidente brasileiro, Jair Bolsonaro.
O escândalo atinge o governo brasileiro.
Benítez prestou ontem um longo depoimento (sete horas) aos procuradores que investigam o caso e colocou seu celular à disposição do Ministério Público para a verificação de mensagens trocadas com o então presidente da estatal de energia, a Ande, Pedro Ferreira.
No Paraguai, cresce a manifestação pela renúncia ou julgamento político (impeachment) de Benítez e do vice-presidente, Hugo Velázquez.
O partido de esquerda Paraguay Pyahurã (PPP) realiza duas marchas. Uma deixou o oeste e outra o leste do país e devem se encontrar na próxima quinta-feira, em Assunção.
Ao mesmo tempo, um grupo de manifestantes se concentrou na manhã de hoje em frente ao Panteão dos Heróis, para apresentar a galeria dos “vendepatrias”.
A oposição dos paraguaios ao “acordo entreguista”, como chama o jornal ABC Color, o principal do pais, poderia ser vista como algo benéfico para o Brasil.
Se é ruim para eles, deveria ser bom para o Brasil.
Só que não é bem assim.
Quem mais se beneficiaria com o acordo seria o Grupo Léros, empresa que atua na área de energia e também de mineração.
A empresa seria responsável pela venda de excedente de energia de Itaipu no mercado brasileiro. O Paraguai concordou em tirar do acordo um item que permitia ao país negociar ele próprio, através da estatal Ande, o excedente de energia no mercado brasileiro.
Essa mudança no acordo abriria caminho para a atuação do Grupo Léros, segundo noticia a imprensa paraguaia.
Além de atuar no ramo de energia, o Grupo Léros é dono de uma jazida de nióbio em Minas Gerais, o produto que Bolsonaro promoveu durante sua viagem ao Japão, para participar do G20.
O nióbio é um dos elementos que ligam Bolsonaro ao Grupo Léros, mas há outros, que precisam ser esclarecidos.
Quem participou das negociações no Paraguai foi Alexandre Giordano, suplente do senador Major Olímpio, que tem escritório em um prédio onde também funcionava a sede estadual do PSL, o partido de Bolsonaro.
A imprensa paraguaia apresenta Giordano como uma espécie de lobista da Léros.
Segundo o ABC Color, o advogado Nelson Willians recepcionou em um luxuoso jantar o ministro da Fazenda do Paraguai, Benigno López, que é irmão por parte de mãe do presidente Mario Abdo Benítez.
Benigno Lopes veio ao Brasil para tratar do acordo sobre Itaipu e, no mesmo dia em que jantou com Nelson Willians, declarou que o acordo com o Brasil seria “justo e rápido”.
No dia seguinte, 12 de março, o presidente do Paraguai visitou Bolsonaro e os dois trataram do assunto.
Nelson Willians é apresentado como dono da maior banca de advocacia do Brasil e esteve envolvido com a organização da campanha pelo impeachment de Dilma Rousseff.
Advogados de seu escritório prepararam o pedido de impeachment apresentado por ator Alexandre Frota em 2015.
Eduardo Cunha recebeu o pedido, mas não o colocou em votação. Preferiu usar o do trio Hélio Bicudo, Janaína Pachoal e Miguel Reale Júnior.
Avião de Nelson Willians levou o ator Alexandre Frota para participar das manifestações em Brasília no dia em que a Câmara dos Deputados votou o afastamento da então presidente.
Willians é ligado a Michel Temer, João Doria e Sergio Moro.
O fato de recepcionar o ministro da Fazenda paraguaio em jantar, na época em que este veio ao Brasil para tratar do acordo, não significa envolvimento do advogado em um eventual negociação ilícita para beneficiar a Léros, mas não deixa de chamar a atenção.
Willians tem estado no centro de eventos controvertidos principalmente depois que Dilma Rousseff caiu.
O escritório de Nélson Willians foi contratado, no ano passado, pela diretoria do Porto de Santos, antigo feudo político de Temer, para arbitrar uma disputa com a empresa Libra, uma das arrendatárias do porto para operações de contêineres, ao qual a empresa estaria devendo R$ 2,3 bilhões.
O escritório também foi um dos patrocinadores da palestra que Moro realizou em Nova York, na mesma viagem em que foi homenageado como Homem do Ano pela Câmara de Comércio Brasil-Estados Unidos.
O patrocínio chegou a gerar representação contra Moro, por conflito de interesse. Nelson Willians também é advogado da Petrobras, assistente de acusação nos processos da Lava Jato que Moro julgava.
Moro e Willians têm quase a mesma idade e saíram da mesma região, em Maringá. Quando uma sócia de seu escritório foi homenageada em Curitiba, Moro e a mulher, Rosângela, participaram do jantar comemorativo.
O evento com Moro foi promovido pelo Lide de João Doria, político que Willians ajudou ao emprestar seu avião para deslocamentos pelo Brasil, na época em que o então prefeito de São Paulo cogitava se candidatar a presidente.
Willians, assim como Moro e João Doria, ganhou protagonismo nos últimos ano no Brasil, quando a Lava Jato se tornou uma instituição dentro de outro instituição, o Ministério Público — o que é uma aberração do ponto de vista da organização do estado.
Sem Lava Jato, não haveria João Doria e Moro não seria ministro da Justiça. Com certeza, não haveria governo Jair Bolsonaro e, nesse caso, o acordo com o Paraguai estaria sendo negociado em outras bases, sem a suspeita de que, por trás de jantares luxuosos e da ação do Itamaraty, se movam interesses de um grupo privado.