Publicado na Rede Brasil Atual
POR RODRIGO GOMES
O Ministério Público (MP) de São Paulo está há dois anos de posse de delações feitas por dois ex-diretores da empreiteira Camargo Corrêa, explicando como funcionaram dois supostos esquemas de pagamento de propina para que a empresa e suas consorciadas recebessem um aditivo contratual e uma indenização da Fundação para o Remédio Popular (Furp), estatal do governo de São Paulo. No entanto, nenhuma denúncia foi apresentada pelos procuradores até agora e não há previsão para que isso aconteça. As situações ocorreram nos governos de José Serra (2007-2010) e Geraldo Alckmin (2011-2018), ambos do PSDB e envolveram funcionários da Furp e da Secretaria de Estado da Saúde.
A construção da fábrica da Furp teve início em janeiro de 2006. O consórcio formado pelas construtoras Camargo Corrêa, OAS, Schahin Engenharia e Planova venceu a licitação. A fábrica foi entregue em 2009, no entanto, nunca atingiu a plena capacidade de produção de medicamentos. Atualmente, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), instalada na Assembleia Legislativa de São Paulo, investiga irregularidades e denúncias de corrupção na Furp.
A primeira delação foi assinada por Martin Wende, então gerente executivo da Camargo Corrêa na construção da segunda etapa da unidade fabril da Furp em Américo Brasiliense, no interior de São Paulo, em fevereiro de 2017. No relato, ele conta que, após a aprovação do 5º termo aditivo do contrato para a construção da fábrica, em 25 de agosto de 2008, soube por Carlos Henrique Barbosa Lemos, então diretor regional da construtora OAS, que o consórcio teria de efetuar um pagamento de R$ 2 milhões a João Batista, assessor do ex-secretário de Estado da Saúde, Luiz Roberto Barradas Barata, morto em 2010.
Desse total, R$ 1 milhão foram pagos. A outra parte foi condicionada a um pedido de reequilíbrio econômico feito em 2008, e não atendido pelo governo paulista. O pleito deveu-se aos atrasos na liberação de projetos de climatização pela Furp. Sem acordo, as empresas do consórcio ingressaram com uma ação indenizatória na Justiça paulista, em 2012. As construtoras conseguiram a vitória judicial em setembro de 2013 e foi fixada uma multa no valor de R$ 18,9 milhões, referente aos 16 meses de atraso nas obras.
Wende relatou, então, ter sido procurado pelo engenheiro Ricardo Luiz Mahfuz, à época funcionário da estatal, propondo um acordo para que a estatal não recorresse da decisão judicial. Para isso, o consórcio deveria pagar 10% do valor ao então superintendente da Furp e atual coordenador-geral de Sangue e Hemoderivados do Ministério da Saúde, Flávio Vormittag (cerca de R$ 1,9 milhão). Mais R$ 400 mil ao próprio Mahfuz, por intermediar o esquema de corrupção.
O então gerente disse ter levado o caso a uma reunião com Ronaldo de Paula Tonini, representante da Schahin; Yves Verçosa, representante da OAS; e Cláudia Sofner, representante da Planova. Wende relatou que todos concordaram com o pedido R$ 2,3 milhões. Como a Camargo Corrêa não podia fazer o pagamento diretamente, foi acertada uma compensação de valores entre a construtora e a Schahin. Os valores seriam abatidos de uma dívida da Schahin na construção de um hospital no Pará.
A Furp realmente não questionou a decisão judicial e o processo foi encerrado em 6 de março de 2014, com a assinatura do acordo judicial. Cada empresa teria de arcar com um percentual relativo à sua participação no consórcio. No entanto, com o início da Operação Lava Jato, os pagamentos foram interrompidos. E até hoje a Camargo Corrêa não conseguiu o termo de encerramento da obra. Isso porque, segundo relatou Wende, toda vez que solicitavam o documento eram cobrados do pagamento do restante da propina, tanto por Mahfuz quanto por Adivar Cristina, ex-diretor técnico da Furp.
As informações do esquema de corrupção foram confirmadas em delação assinada por Emílio Eugênio Auler Neto, então diretor Comercial e Institucional Sul e Sudeste da Camargo Corrêa, que era chefe de Wende. Os acordo são assinados pelo promotor de justiça Marcelo Batlouni Mendroni, do Grupo Especial de Combate a Delitos Econômicos (Gedec) do MP. O caso corre em segredo de justiça e todos os envolvidos negam participação no esquema. O Ministério Público não se manifestou sobre a demora em apresentar denúncia sobre o caso até o fechamento desta reportagem.
Mahfuz foi ouvido pelos deputados da CPI da Furp e negou as acusações de corrupção. “Sempre tive uma relação normal com o consórcio responsável pela obra e nunca houve nenhuma situação de me oferecerem coisa alguma”, afirmou. Adivar Cristina também prestou depoimento à CPI, negou envolvimento e disse desconhecer qualquer “tipo de esquema de corrupção dentro da Furp”. Vormitag disse que o acordo foi aprovado pela diretoria da Furp e que era vantajoso para o governo estadual. “O acordo celebrado pela FURP com o consórcio foi vantajoso para a empresa e minha participação na sua negociação seguiu absoluta normalidade”, disse ao jornal O Estado de São Paulo.