Publicado originalmente no Brasil de Fato:
Insalubridade, superlotação, falta de atendimento médico e higiene precária. Essas condições definem a situação subumana de parte da população carcerária do estado do Rio de Janeiro. O sistema prisional do estado possui 27 mil vagas e o número de presos ultrapassa 52 mil, segundo o último relatório de agosto do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário, órgão vinculado ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio (TJ-RJ).
Um dos casos mais graves ocorre na Cadeia Pública Jorge Santana, localizada no Complexo Penitenciário de Gericinó, na zona Oeste do Rio. A unidade recebe presos provisórios, possuindo uma alta concentração de pessoas doentes, feridas e com quadro de saúde debilitado.
Dados do relatório “Sistema em Colapso: Atenção à Saúde e Política Prisional no Estado do Rio de Janeiro”, produzido pelo Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura em 2018, apontam que o local possui superlotação, condição de higiene precária, havendo infestação de baratas, desatenção médica, falta de equipamentos, como bolsas de colostomia, e até mesmo a realização de procedimentos médicos sem anestesia e, por vezes, feitos pelos próprios presos, como a remoção de fixadores externos – aparelhos usados na parte externa dos membros para promover a fixação dos ossos.
De acordo com a integrante do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, Natália Damazio, a situação do Complexo Penitenciário Jorge Santana é uma das mais difíceis e é resultado da política de segurança pública adotada no estado.
“Eles não passam pela audiência de custódia. Ninguém avalia se essas pessoas têm condição de sobrevivência de entrar no sistema carcerário e isso desemboca, óbvio, em casos de pessoas que estão com dano cerebral, que estão com balas alojadas na cabeça, com achatamento craniano, número grande de presos que tem o fixador externo arrancado sem anestesia e, muita das vezes, produzindo deficiência física porque ele é tirado antes da hora ou estando infeccionado”, relata Damazio.
Em novembro do ano passado, a unidade recebeu a visita da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) que considerou o presídio “um dos piores centros penitenciários de toda a América”.
Colapso
O caso do Jorge Santana não é isolado, é exemplo de um grave problema enfrentado pela população carcerária na área da saúde no estado do Rio. Até 2006, o Rio era referência na assistência à saúde de presos. Em 2011, o governo do estado implementou o modelo de Unidade de Pronto Atendimento (UPA), no Complexo de Gericinó, destinado a centralizar a atenção à saúde em situações de urgência e emergência e o Hospital Hamilton Agostinho, ligado à Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (SEAP), foi desestruturado passando a funcionar apenas como Pronto-Socorro.
Segundo o subcoordenador do Núcleo do Sistema Penitenciário da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (NUSPEN), Leonardo Rosa, o colapso vivido pela saúde no sistema penitenciário do Rio é fruto de uma política de desmonte dos últimos 10 anos.
“Isso começa de 2010 em diante. A SEAP [Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro] acaba com hospitais penitenciários de referência. Havia um hospital no Rio da Secretaria Penitenciária que era referência no tratamento de portadores de HIV, foi tudo desmontado. O último concurso público realizado pelo estado para contratar profissionais da área de saúde pra Secretaria Penitenciária foi em 1998. Com o fechamento de hospitais penitenciários de referência, com a saída de profissionais, com a não reposição desses profissionais estamos hoje no caos”, ressalta o defensor público.
A sete palmos
O resultado da política para a saúde adotada no sistema penitenciário nos últimos anos tem sido o aumento do número de mortes. Um estudo realizado em cooperação técnica entre o Grupo de Pesquisa Saúde nas Prisões da Fiocruz e o Ministério Público do Estado do Rio (MP-RJ) apontou que a taxa de mortalidade de pessoas privadas de liberdade no Rio é cinco vezes maior do que a média nacional. Segundo o estudo, 83% das mortes não estão relacionadas à violência e poderiam ser evitadas se diagnosticadas e tratadas com atendimento de saúde adequado.
De acordo com um levantamento sobre o número de mortes em presídios entre 2006 e novembro de 2018 no relatório “Sistema em Colapso: Atenção à Saúde e Política Prisional no Estado do Rio de Janeiro”, o ano de 2017 foi o que obteve o maior índice de mortes, somando 268 registros. Isso significa um aumento de mais de 200% se comparado com o ano de 2006.
Segundo Damazio, para reduzir esses patamares é fundamental adotar medidas como a aplicação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Pessoa Privada de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP), que tem o objetivo de garantir o acesso dos presos ao cuidado integral no SUS. De acordo com ela, pensar em soluções para além do encarceramento também deve ser prioridade.
“Um outro eixo que consideramos essencial para que seja possível superar o colapso de saúde no sistema carcerário são medidas de desencarceramento, que a audiência de custódia garanta que a prisão provisória seja aplicada como medida excepcional, do mesmo modo que haja maior número de varas de execução penal, para dar conta do contingente e que aumente a porta de saída, que possibilite uma maior regularização na progressão de pena e também a aplicação de lei de medidas alternativas não utilizando o encarceramento como forma prioritária de se pensar justiça criminal ou punição”, destaca.
O Brasil de Fato procurou a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio de Janeiro para saber o que está sendo feito com relação as denúncias de insalubridade e falta de assistência médica na Cadeia Pública Jorge Santana e também sobre o aumento das mortes nas penitenciárias. A SEAP não retornou até o fechamento desta reportagem.