O youtuber Felipe Neto tem 31 anos e se tornou o quinto maior produtor de conteúdo individual na plataforma de vídeos mais popular do planeta. Neste mesmo ano de intenso sucesso comercial, Neto também está enfrentando duros ataques por se posicionar politicamente nas redes sociais – sobretudo em postagens no Twitter.
Na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella mandou fiscais para recolher um gibi da Marvel que tinha a imagem de beijo gay, que o prefeito considerou “pornografia”. Felipe Neto, que assumiu que votou em Haddad no segundo turno da eleição de 2018 contra Bolsonaro, comprou a briga contra Crivella e comprou 14 mil livros com temática LGBT para distribuir no evento.
A ação do youtuber mobilizou a comunidade que defende minorias, marginalizadas pelo prefeito que é sobrinho do bispo Edir Macedo, dono da Universal e da TV Record.
A história teria um final feliz se tivesse se encerrado na Bienal, mas ela se estendeu. Felipe Neto veio a público no Twitter para denunciar que estava recebendo ameaças e, em razão delas, cancelou sua participação no evento Educação 360 Internacional, realizado pelos jornais O Globo e Extra.
Ele disse que tirou sua mãe do Brasil após receber ameaças “de todos os tipos”. Nas redes, Neto critica pesadamente o governo Bolsonaro, as milícias digitais guiadas pelos filhos do presidente e a influência de Olavo de Carvalho nesse processo.
Embora seja crítico ao PT e nunca tenha se identificado com Lula, ele fez diferentes postagens a partir de agosto reconhecendo que o processo do triplex que colocou o ex-presidente na cadeia é uma “vergonha”.
O DCM entrevistou Felipe Neto.
Diário do Centro do Mundo: Felipe, você cancelou participação num evento no Rio. Além das ameaças, você teme pelos seus fãs? O nível de discussão no Brasil passou do ponto?
Felipe Neto: A discussão política no Brasil acabou. O que há hoje não é mais um debate de ideias, com pontos e contrapontos, o que tomou conta da sociedade foi um espírito de torcidas de futebol, um Fla-Flu, onde é mais importante mostrar que o outro está errado do que estar necessariamente certo.
É muita gritaria, xingamento e falta de leitura, o que acaba resultando, em um nível extremo, nessa situação que estou vivendo agora. De ameaça até tentativas de silenciamento.
DCM: Você disse que está andando com seguranças e seus familiares também. Há momentos em que você se arrepende de ter se engajado politicamente contra o bolsonarismo, o Crivella, a censura e os retrocessos?
Felipe Neto: Não. A minha vida é menos importante que a luta por diversidade, igualdade e amor. Não importa o que aconteça, eu nunca me arrependerei de lutar por essas bandeiras.
DCM: Você reviu seu posicionamento sobre o processo que condenou Lula. Você aponta que a Vaza Jato do Intercept mostrou a conduta corrupta da Lava Jato e de Moro. Faltam mais figuras como você se posicionarem dessa forma?
Felipe Neto: É um assunto delicado. A minha posição hoje é a mais difícil possível, pois eu desagrado aos dois lados. Eu defendo que o processo do triplex é uma abominação jurídica e deveria ser anulado – logo, eu desagrado aos que odeiam o Lula. Ao mesmo tempo, defendo que o Lula tem sinais claros de envolvimento em casos de corrupção e acredito que ele utilizou isso não exatamente para lucro próprio, mas para um projeto de poder – e aí desagrado aos que amam o Lula. É muito difícil ficar numa posição de ser odiado pelos dois lados em algum assunto, então até entendo que muitos se omitam quanto a isso, o que é uma pena.
DCM: Você disse que não pretende se candidatar e até que ganhou seguidores graças a uma postura mais militante, pelo menos no Twitter. Mesmo sem ser candidato, você vai apoiar algum candidato?
Felipe Neto: Continuarei lutando por democracia, pelas causas sociais, pela igualdade, diversidade e amor. Eu acredito que o papel do comunicador e do artista deve ser sempre o de oposição, o de cobrança. Eu quero estar sempre do lado que luta por um Brasil melhor.
DCM: Você definiu que o bolsonarismo vem das teses conspiratórias de Olavo de Carvalho. É por isso eles detestam a mídia e os produtores de conteúdo?
Felipe Neto: Sem dúvida. O método olavista é o de lavagem cerebral através do viés de confirmação. Ou seja: qualquer um que mostre que suas teorias estão equivocadas deve ser combatido com o máximo de covardia possível. Por isso, para o Olavo de Carvalho, a imprensa é um lixo, os cientistas são um lixo e qualquer um que não concorde com ele é um lixo comunista. Recentemente ele tuitou que Neil DeGrasse Tyson e Carl Sagan não são fontes confiáveis em assuntos científicos. Sim, um astrólogo que não terminou o ensino primário, que acredita que a Terra é plana, que é contra vacinas e diz que cigarro não faz mal, tuitou que dois dos maiores astrofísicos da história não são fontes confiáveis. Só ele que é.