Publicado originalmente no Brasil de Fato:
Um dos pontos principais da agenda econômica do governo de Michel Temer (MDB), a privatização da Eletrobras segue no radar político por meio do projeto neoliberal liderado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes. Enquanto aguardam a apresentação de um projeto de lei (PL) do governo propondo a venda da companhia, parlamentares contrários à privatização e lideranças sindicais já tentam negociar pontos relacionados à medida.
A principal frente de atuação se dá na Câmara dos Deputados, porta de entrada do PL, onde lideranças tentam diálogo com o presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para garantir que o projeto seja amplamente debatido, sem andamento de urgência e também com votação no plenário da Câmara.
Este último ponto poderia ser inviabilizado em caso de “tramitação conclusiva”, que é quando uma matéria é votada somente nas comissões, sem necessidade de avaliação dos 513 deputados.
O pedido é também uma estratégia política para adiar ao máximo a votação – a avaliação pelo plenário impõe ritmo mais lento às tramitações – enquanto se busca popularizar o debate sobre os riscos da privatização.
Em reunião ocorrida na última terça-feira (17), Maia teria prometido às lideranças que não haverá trâmite de urgência e que a proposição será votada em plenário. O presidente também teria informado que pretende colocar o PL para avaliação de uma comissão especial, o que ocorre nos casos de propostas de emenda constitucional (PECs), e de matérias que envolvem competências de mais de três comissões legislativas, entre outras. Ele teria dito, também, que não há previsão para a chegada do PL à Câmara.
Interesse nas privatizações
O corpo a corpo dos opositores com Maia se dá não só pelo fato de o presidente ter o poder de definir detalhes dos trâmites políticos, mas também porque o democrata é um conhecido defensor das privatizações. A agenda econômica é o ponto em que o projeto político de Maia se intercepta mais fortemente com o do governo Bolsonaro, o que tende a fortalecer a pauta da venda das estatais dentro do Legislativo.
Os movimentos dos dois dialogam diretamente com os do mercado, interessado na venda da Eletrobras, que fechou o ano de 2018 com lucro líquido de cerca de R$ 13,35 bilhões. No mês passado, após Maia afirmar que espera uma rápida venda da companhia, as ações da empresa dispararam no mesmo dia, com alta de 13,3% – um termômetro da valorização da estatal no mercado.
A venda da empresa, em que o governo pretende arrecadar R$ 12 bilhões, é duramente questionada. Desde agosto de 2017, quando Temer anunciou o projeto, trabalhadores da Eletrobras vêm pressionando parlamentares pedindo a rejeição da proposta.
De lá pra cá, tramitaram no Legislativo, com intuito de vender a empresa, o PL 9463/2018 e a Medida Provisória 814. O resultado, até agora, demonstrou que a pauta é marcada por dissidências no Congresso Nacional: o PL está paralisado desde janeiro deste ano e a MP caducou no ano passado, ou seja, não chegou a ser votada.
A lentidão das propostas expõe a dificuldade para a formação de uma maioria parlamentar que aprove a pauta. Apesar de o Legislativo ter maioria política conservadora e de tendência neoliberal, a pauta convulsiona as bases populares, que temem o risco de aumento da conta de energia, demissões e queda na qualidade do serviço de abastecimento elétrico no país – uma realidade já conhecida nos estados onde houve privatizações na década de 1990 e na história mais recente.
Mobilização
Diante da impopularidade da medida, a pressão de sindicalistas e outros atores sobre deputados tem provocado diferentes mobilizações no Congresso. Uma delas é a criação da Frente Parlamentar Mista em Defesa de Furnas, lançada em julho deste ano. A formação do grupo contou com a assinatura de 402 deputados, o que representa quase 80% do total da Câmara, e 50 senadores – mais de 60% do Senado.
Apesar de a participação na frente não garantir um voto contrário ao PL que está por vir, o número pode ser um importante sinalizador de que a disputa tende a ser mais árdua para o governo. É o que avalia, por exemplo, o presidente da Associação dos Empregados de Furnas (Asef), Victor Rodrigues da Costa, que tem atuado nas articulações políticas junto ao Congresso.
“A gente conseguiu reunir um bloco que pudesse fazer esse diálogo com a sociedade e, em todas as vezes em que a gente fez audiência aqui na Câmara, o governo teve que apelar pro argumento ideológico porque, nos argumentos técnicos, ninguém consegue explicar o motivo de você privatizar por R$ 12 bilhões uma empresa que deu lucro de R$ 13 bilhões ano passado. Então, faltam argumentos técnicos”, acrescenta.
Para o deputado João Daniel (PT-SE), vice-presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Chesf, apesar da quantidade de parlamentares que hoje participam das frentes temáticas relacionadas à defesa da Eletrobras, a rejeição efetiva da privatização estaria sujeita ao aumento da pressão popular.
“A gente está muito preocupado e sabe que é uma empresa estratégica, que diz respeito à soberania nacional. A não privatização vai depender de um grande movimento de luta do povo brasileiro. Se o movimento sindical, os comitês que estão organizados e as frentes parlamentares fizerem um bom trabalho, a gente pode ampliar o espaço dentro da Câmara e do Senado. Acho que é possível barrarmos a privatização”.
Antes do governo Temer, a Eletrobras atuava em três áreas: geração, transmissão e distribuição de energia. Nesta última, a empresa perdeu seu papel por conta da venda das sete distribuidoras que faziam parte da rede nos estados de Goiás, Alagoas, Piauí, Roraima, Rondônia, Amazonas e Acre. Agora, a agenda neoliberal avança no sentido de desestatizar as dos outros setores em que a companhia atua.