Publicado originalmente na Rede Brasil Atual (RBA)
O que mudou se, apesar da gravidade das revelações da Vaza Jato, por meio das reportagens do The Intercept Brasil e outros veículos, o ex-juiz Sergio Moro continua incólume no cargo de ministro da Justiça, o procurador Deltan Dallagnol se mantém como coordenador da Lava Jato e Lula, além de muitas outras pessoas alvos de abusos e ilegalidades cometidos em seus processo, continuam na prisão? O jornalista Glenn Greenwald, criador do site, comentou que essa tem sido a questão mais frequente que tem ouvido recentemente, quatro meses após o início das revelações do Intercept sobre atos de corrupção de autoridades antes blindadas pela mídia.
Em debate realizado durante a Semana de Jornalismo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Glenn comparou a situação brasileira com a que viveu ao revelar a espionagem e vigilância em massa revelada em 2013 por Edward Snowden, ex-funcionário da Agência Nacional de Segurança dos Estados Unidos (NSA, na sigla em inglês).
“Ouvi essa pergunta (depois de fazer as revelações de Snowden). A NSA continuava espionando. Mas tudo mudou com aquela reportagem. Pessoas passaram a pensar diferente sobre privacidade, abuso de poder, e milhões de pessoas hoje usam criptografia, deixando a espionagem mais difícil. Um ano atrás todo mundo tinha medo do Sergio Moro. Ele era super-herói. Ninguém queria desafiar. Agora, ele tem este ‘tamanhinho’ (faz gesto com os dedos), muito pequeno, fraco. O pacote anticrime sofre uma derrota sobre outra no Congresso”, disse.
Ele comentou que, no Brasil, “a palavra corrupção tem um significado um pouco estreito”. No país, ela é utilizada apenas para caracterizar membros do Congresso Nacional e ministros de Estado que recebem propina. Segundo ele, corrupção é algo “muito mais amplo do que isso”.
“Obviamente um ministro, um deputado, um senador recebendo propina é corrupção. Mas não é só isso. Por exemplo, tem corrupção jornalística quando jornalistas publicam informação sem se importar se essa informação é verdade, para agradar suas fontes, ou para destruir reputações das pessoas que consideram seus adversários.”
Também existe corrupção dentro do Ministério Público e do Judiciário, pontuou, mas não necessariamente por recebimento de propina. “Mas, por exemplo, um juiz fingindo ser neutro, quando está condenando acusados por muito anos à prisão e, ao mesmo tempo, conspirando com promotores em segredo e negando publicamente que estava fazendo isso. Isso é uma forma de corrupção muito grave.”
Outra forma de corrupção, na opinião de Glenn Greenwald, se configura quando agentes do Estado, procuradores e membros de órgãos como Receita Federal, com poderes de invadir a vida dos cidadãos, usam esse poder “para vazar ilegalmente informações que tinham obrigação legal de manter em sigilo, com o objetivo de destruir a reputação de pessoas que também consideram seus inimigos”.
“Os furos mais bombásticos na mídia brasileira nos últimos cinco anos, talvez a maioria, são baseados nos vazamentos criminosos feitos pelo Ministério Público e Polícia Federal. As pessoas abusando de seu poder na PF, no MP, vazando informação que a lei diz que deve ficar sob sigilo, são criminosos, e nunca são investigados”, disse. “O que justifica a diferença de tratamento dado a ‘criminosos’ (faz gesto de aspas com os dedos) que estão hackeando e criminosos que estão trabalhando dentro da Polícia Federal, do Ministério Público e da força tarefa da Lava Jato?”
O jornalista norte-americano radicado no Brasil também acredita que os meios de comunicação estão avaliando, menos a Globo, a maneira como fizeram jornalismo na cobertura na Lava Jato. “(Agora) Temos um debate sobre o fato de que não se pode lutar contra corrupção com pessoas (que usam) métodos corruptos. Estamos revelando e limpando a corrupção que estava dentro da força-tarefa. Isso é o propósito do jornalismo.”
Segundo Glenn, as controvérsias sobre as revelações dos métodos de Moro, Dallagnol e colegas da Lava Jato mostraram que a cultura do jornalismo feito pelo Intercept ainda não existe no Brasil, ao contrário de Canadá, Europa e, principalmente, Estados Unidos.
“Isso no Brasil não é aceitável ainda. Percebi isso quando Moro foi ao Congresso e usou as palavras para criminalizar (o trabalho do Intercept). Durante oito horas não se referiu a nós como jornalistas, mas como criminosos, aliados dos hackers. E o próprio Bolsonaro usou meu nome para dizer que eu deveria ser preso.” Em 27 de julho, o presidente Jair Bolsonaro afirmou sobre Glenn Greenwald: “Talvez pegue uma cana no Brasil”.
Participaram do debate os jornalistas Leonardo Sakamoto, diretor da Repórter Brasil, Sérgio Dávila, diretor de redação da Folha de S. Paulo, e Carla Jiménez, diretora do El País Brasil.