‘O que a Vaza Jato mostrou foi a falência das instituições, sobretudo do Judiciário’, diz sociólogo. Por Eduardo Maretti

Atualizado em 12 de outubro de 2019 às 13:32
Sociólogo Laymert Garcia dos Santos. Foto: Reprodução/YouTube

Publicado originalmente na Rede Brasil Atual (RBA)

POR EDUARDO MARETTI

“Figuras que apoiaram o golpe – a começar pelo Temer –, que fizeram o golpe, agora estão dizendo que foi golpe, e isso só aconteceu depois da Vaza Jato. Acho que aconteceu muita coisa e está acontecendo. Mas não na velocidade em que a gente quer.” A opinião é do sociólogo Laymert Garcia dos Santos, sobre os desdobramentos das revelações trazidas à luz pelo The Intercept Brasil, sob a coordenação do jornalista norte-americano Glenn Greenwald.

Para Laymert, a Vaza Jato foi responsável por produzir um efeito “devastador” sobre a força-tarefa comandada pelo ex-juiz, e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, e pelo procurador Deltan Dallagnol.

O sociólogo vê com ceticismo a expectativa de reversão, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), de algumas posições que o tornaram, segundo ele, cúmplice do golpe político que derrubou Dilma Rousseff, da eleição de Jair Bolsonaro e da prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em sua opinião, o sistema judiciário como um todo, incluindo o STF, não é mais uma instância confiável.

“Eles vão mexer numa série de coisas, agora ficou difícil manter a hipocrisia de antes. Mas isso não significa que a cumplicidade deles tenha sido revertida ou anulada”, diz, em entrevista à RBA.

“Não é só o caso do Lula. São os olhos fechados paras as fraudes das eleições (de 2018), por exemplo, e a gente não vê o Judiciário tomando outro rumo, até agora, sobre todas as ilegalidades que foram cometidas.”

Para Laymert, o caso de Dallagnol, o procurador do PowerPoint, é exemplar. “Hoje se considera a possibilidade de Dallagnol ser punido entre aspas. Tira-se ele da Lava Jato promovendo-o”, questiona. “Onde está uma correção de rota? Eu ainda não vi.”

Em resumo, e para perplexidade de muitos que acreditavam que o Brasil, antes do golpe parlamentar de 2016, estava finalmente no caminho definitivo da soberania, a realidade é reveladora de um país que ainda tem muito a evoluir: “O que a gente descobriu com toda essa crise é que o tempo da colônia ainda não tinha terminado. A gente pensou que tivesse terminado, mas não terminou.”

Esta semana, Glenn Greenwald disse que, ao contrário da avaliação de muitas pessoas segundo as quais nada mudou após a Vaza Jato, houve mudanças, sim. Por exemplo, o fato de que há um ano “todo mundo tinha medo de Sergio Moro”, mas hoje ele está “muito pequeno”. O que você acha dessa avaliação?

Concordo com Glenn, no sentido de que o efeito maior é o desmascaramento e a desmoralização. Esse é um efeito de longo prazo, um efeito devastador porque ele “come” por dentro a credibilidade da Lava Jato. A esquerda não tinha conseguido convencer a opinião pública – esquerda tão marcada pela pecha da corrupção, e essas figuras, sobretudo Moro e Dallagnol, eram os “paladinos da anticorrupção”. Então não pegava, mesmo a denúncia do Lula sobre a ilegalidade e injustiça do processo contra ele. Agora a Lava Jato não só sofreu uma desmoralização, dessas figuras, e um esvaziamento muito forte, como surgiram outros efeitos.

Por exemplo, figuras que apoiaram o golpe – a começar pelo Temer –, que fizeram o golpe, agora estão dizendo que foi golpe, e isso só aconteceu depois da Vaza Jato. Acho que aconteceu muita coisa e está acontecendo. Mas não na velocidade em que a gente quer. A coisa principal que não está acontecendo é uma reação popular às revelações. Do ponto de vista institucional teve efeito devastador. E a esquerda não reagiu à altura.

E Lula continua preso, apesar de tudo…

Existe uma confiança por parte da esquerda em instituições que estão podres. O que a Vaza Jato mais mostrou foi a falência das instituições, sobretudo do Judiciário. As outras já estavam podres antes, mas no Judiciário ainda havia uma crença. E ainda continuam esperando coisas do STF, esperando alguma coisa do Judiciário em geral, como se ele ainda fosse uma instância confiável.

Mas você não acha que, até pela desmoralização da Lava Jato, o próprio Supremo já está sinalizando que vai reverter algumas posições, como a da prisão após condenação em segunda instância?

Acho que sim. É claro que eles vão mexer numa série de coisas, agora ficou difícil manter a hipocrisia de antes. Mas isso não significa que a cumplicidade deles tenha sido revertida ou anulada. A gente não viu ainda – pelo menos eu não vi – nenhum gesto que esteja à altura da desmoralização dos próprios processos (da Lava Jato). Quando chega perto, aí aparece a história da modulação… Aparece sempre alguma coisa.

Quando aconteceu de perguntarem ao Gilmar Mendes sobre o impedimento que ele provocou à nomeação do Lula como ministro da Dilma, em cima de algo que, agora, está mais do que esclarecido, foi um golpe político da Lava Jato… até agora ele não reconheceu isso. Não houve uma consequência por esse erro. O máximo que houve foi que Gilmar reconheceu que tem um equívoco ou que ele se baseou em informações incorreta, mas isso não o levou a dizer que é preciso revogar isso.

Mas, pelo menos, ele tem votado francamente contra a Lava Jato e a favor do Lula…

Com certeza. Agora, ao mesmo tempo também a gente tem que pensar que há uma pessoa que toma atitudes como essa, diante de tudo o que está acontecendo, e o resto do STF fica no mais ou menos, ou nenhuma outra instância da alta cúpula do Judiciário, os conselhos etc., ninguém cobra nada. Você não vê uma retratação a respeito de todas as medidas, e elas são muitas. Não é só o caso do Lula. São os olhos fechados paras as fraudes das eleições, por exemplo, e a gente não vê o Judiciário tomando outro rumo, até agora, sobre todas as ilegalidades que foram cometidas. É muito tímida a coisa ainda. Até pra dizer: bom, o Gilmar Mendes tomou uma atitude corajosa de crítica à Lava Jato. Mas ao mesmo tempo o resto do Supremo ainda está segurando.

Hoje se considera a possibilidade de o Dallagnol ser punido entre aspas. Tira-se ele da Lava Jato promovendo-o (segundo O Estado de S. Paulo, há uma discussão nos bastidores sobre uma “saída honrosa” para Dallagnol da Lava Jato, promovendo-o ao cargo de procurador regional, na segunda instância do Ministério Público Federal). Onde está uma correção de rota? Eu ainda não vi.

Ou seja, no Brasil é tudo muito lento?

Diante do que já foi revelado pela Vaza Jato, por parte das instituições, apesar do escancaramento de tudo, a reação é lenta. E, por outro lado, por parte da esquerda, também é lento. Depois de tudo o que estava acontecendo, ainda teve o governador da Bahia dizendo que Lula livre não era o principal. Dentro do Partido dos Trabalhadores ainda tem gente que acha que se pode tergiversar sobre isso (em setembro, o governador da Bahia, Rui Costa, admitiu à revista Veja almejar disputar a presidência da República em 2022, e disse que a bandeira Lula Livre não deveria condicionar alianças do partido).

Tudo é muito lento mesmo, face à aceleração das coisas.  O que o Glenn está fazendo é maravilhoso, extremamente profissional, competentíssimo, de edição e de desmontagem da Lava Jato, o que não é acompanhado nem pelos colegas dele. Estou falando de brasileiros. Foi preciso um estrangeiro fazer isso. E quem passou a ele essas informações já sabia que tinha que ser alguém como ele, que não tinha nenhum jornalista brasileiro que pudesse encarar isso. Então você vê que tudo é muito devagar.

No Brasil, Tiradentes, que era um iluminista, foi enforcado e esquartejado numa época em que a França já tinha feito a Revolução Francesa…

O tempo do Brasil, muitas vezes, a gente tem que ver que ainda está na colônia mesmo, de certo modo. O que a gente descobriu com toda essa crise é que o tempo da colônia ainda não tinha terminado. A gente pensou que tivesse terminado, mas não terminou. Está aí, e de um modo bastante forte. Não passou.