Boaventura de Sousa Santos: efeito do neoliberalismo na vida das pessoas leva a convulsão social

Atualizado em 22 de outubro de 2019 às 22:15

Publicado na Rede Brasil Atual

A convulsão social de que fala Boaventura: espanhóis se solidarizam com luta sangrenta do povo chileno contra política neoliberal do governo Piñera foto Tono_Carbajo Fotomovimiento

“O capitalismo global está em uma fase de exaustão. O neoliberalismo é uma mentira.” A afirmação do jurista e sociólogo Boaventura de Sousa Santos inspira-se, na história recente de seu país, na onda de protestos que tomaram conta do Equador e depois do Chile, no que estão dizendo as urnas na Bolívia e, possivelmente, na Argentina, e no que ainda pode acontecer com o Brasil a qualquer momento.

“A Escola sem Partido é uma escola com partido, com muita ideologia”, define Boaventura ao descrever a ofensiva com que o bolsonarismo tenta expandir sua ideologia restritiva ao pensamento crítico na base curricular das escolas em todos os níveis. Para ele, o domínio ideológico seria uma das bases – por meio da promoção da desinformação – para minar a resistência popular à política econômica e social devastadora. Mas que não surtirá efeito à medida que as pessoas começarem a sentir na pele os impactos dessas políticas.

“Penso que Bolsonaro tem causado um dano extraordinário ao Brasil porque veio legitimar tudo aquilo que havíamos pensado que havia sido superado. Ele está fazendo com que o Brasil seja um objeto de risada internacional nesse momento”, diz o sociólogo português, de 78 anos, que está no Brasil e acaba de lançar seu novo livro O Fim do Império Cognitivo (Editora Autêntica).

Em entrevista ao jornal O Globo, Boaventura, um dos mais respeitados pensadores da atualidade, explica que a partir de 2016, em seu país, os portugueses se deram conta da farsa do neoliberalismo. “Não cria boa imagem para o país, não cria paz social e não cria investimento. E o Brasil, em breve, será o próximo. Quando as pessoas começarem a sentir no bolso das famílias a consequências dessas políticas neoliberais vai haver consequências e eventualmente traduzir-se-á em convulsão social.”

A reflexão está diretamente relacionada à realidade que sacode diversos países com protestos sangrentos, a exemplo do que ocorre no Chile. Por outro lado, a esquerda volta a ocupar espaço e vencer eleições, após breves períodos de governos neoliberais que retiraram direitos dos trabalhadores e empobreceram a sociedade.

Boaventura critica ainda o império cognitivo, por meio do qual, todo o conhecimento é produzido em países da Europa, EUA e Canadá, e reproduzido por autores do Sul. E avisa: isso está acabando. “Os movimentos indígena, camponês, de mulheres, afroquilombola produzem conhecimento extraordinário e nos seriam absolutamente preciosos quando enfrentamos, por exemplo, a crise ecológica”, avalia.

“Os jovens, de 15 e 16 anos, como a Greta (Thunberg, jovem ambientalista), na Suécia, estão numa situação que conseguem imaginar o fim do mundo mais fácil, por causa da crise ecológica, do que o fim do capitalismo. Isso os deixa desesperados. O capitalismo é uma coisa histórica. Teve um princípio e terá um fim. Agora, não há planeta B. Os jovens estão desesperados por não haver nem uma melhoria nesse sistema. Estamos a falar de um pós-capitalista que só fica pior, no qual a concentração de riqueza só aumenta.”