O DCM esteve na rua Coimbra, no Brás, bairro de São Paulo onde mora a maioria dos imigrantes e refugiados da Bolívia. Estima-se que 250 mil bolivianos vivam em São Paulo, entre os imigrantes em situação legal e ilegal.
Eles acompanham com apreensão as notícias que vêm do país andino. No caso deles, não se informam apenas pelo noticiário, mas recebem informação de parentes e amigos pelo telefone e, principalmente, pelo WhatsApp.
Alguns moradores contaram ao DCM que foi pela TV que souberam que a Organização dos Estados Americanos (OEA) contestou a quarta reeleição seguida do presidente Evo Morales na Bolívia neste domingo (10).
Viram pela TV que o resultado de uma auditoria realizada pela OEA apontou irregularidades graves na contagem dos votos que deu novo mandato a Evo Morales.
No mesmo dia, ele acatou a recomendação da Organização dos Estados Americanos e anunciou a realização de novas eleições.
Mas os comandantes militares quiseram mais e, estimulados por uma oposição que reúne também policiais e evangélicos, recomendou ao presidente que entregasse o cargo. Evo Morales renunciou.
Segundo um dos dezesseis áudios divulgados pelo El Periódico, o golpe conta com o apoio de igrejas evangélicas brasileiras e de um homem de confiança de Jair Bolsonaro, cujo nome não foi mencionado — Bolsonaro reclamou da expressão “golpe” para descrever a deposição de Evo.
Na rua Coimbra, onde trabalham aqueles que fazem parte da maior comunidade estrangeira em São Paulo, o cheiro da salteña boliviana, uma espécie de empanada, se mistura aos pães, pastéis e outros carrinhos.
O idioma “oficial” é o portunhol. Todos se entendem.
Salomé mora e trabalha no Brasil há quase 20 anos. Frita pastéis na rua Coimbra. Sua fonte de informação na Bolívia sãos os parentes.
“São as pessoas que me contam as coisas e isso me enche de preocupação. Meus parentes, no entanto, não moram em La Paz. Estão no interior”.
Salomé diz não conhecer detalhes o governo de Evo Morales.
“Fico preocupada com o futuro da Bolívia, tem muita gente morta lá e tem muita violência se comparado com o Brasil. Tem que ter novas eleições e tem que mudar, mas o Evo Morales fez muitas coisas boas. Quem tem que decidir é o povo. E não tem outros candidatos bons também”, completa.
Alzira está no Brasil há sete anos, tem sua mãe e irmãos na Bolívia. Eles moram na fronteira, perto de Corumbá, no Mato Grosso. Ela é mais crítica de Evo Morales, mas não deixa de reconhecer seus méritos.
“Acho que fizeram bem em tirar ele, mas ele fez coisa boa. Agora eles é que têm que decidir”, explica. Alzira é vendedora de salteñas.
Mais positiva com Evo, Alejandra, também vendedora de comida de rua típica da Bolívia, acredita que novas eleições são necessárias. Ela vive no Brasil há 26 anos e qualifica o golpe como “tristeza muito grande”.
“Meus parentes estão passando uma dificuldade danada. Falta coisa pra comer e não entram coisas no país. Faltam carne, verduras e eles estão passando por isso”.
Alejandra veio ao Brasil com uma filha de quatro meses. Sua sogra já morava em São Paulo.
Adriano é cabeleireiro — na rua Coimbra, o salão onde trabalha tem uma faixa com o nome em espanhol, “peluqueria” –, adora Evo e acredita que seu país está sofrendo um golpe de estado. Trabalha com sua filha no colo.
Ele quase não fala português, entende razoavelmente. Responde em espanhol. Está apenas há cinco meses no Brasil.
“Presidente Evo Morales é o melhor presidente da Bolívia. Em seus anos, nada se viu de melhor se comparado aos anteriores. Ele ajudou os estudantes e, para mim, é o melhor que ocupou o cargo de presidente. Vim ao país de vocês para estudar moda.”
Como muitos outros que estão aqui, nunca abandonou o sonho de voltar ao país de origem. Com Evo Morales, o desejo de Adriano e de outros bolivianos estava mais perto de concretizar.
A Bolívia foi o país da América do Sul que mais cresceu nos últimos anos.
Nos governos de Evo Morales, o crescimento médio anual foi de 4,5% — com Temer e Bolsonaro, crescimento no Brasil ficou em torno de 1%. Para este ano, o FMI estima em 4% a elevação do PIB boliviano — quatro vezes mais que a projeção de crescimento do PIB brasileiro.