Assim era a vida de um jornalista nos anos 80.
Eu. Em minha sala de editor-executivo da Exame. Cheguei lá depois de trabalhar na Veja primeiro na seção de Economia, depois na de Livros. E finalmente outra vez na seção de Economia, sob o comando de Antônio Machado, um dos gigantes do jornalismo com quem trabalhei. Amava tanto as revistas que as cheirava encantado ao apanhá-las.
Uma Olivetti para escrever. Com dois dedos, como sempre. Talvez eu devesse ter feito um curso de datilografia, pensando bem. Os jornais do dia. Uns livros, porque jamais fiquei sem eles por perto. Um telefone medieval. Minha pasta.
Não havia internet. Não havia Google para pesquisar. Não havia computador para facilitar escrever ou, como eu fazia frequentemente em minha posição, reescrever. Eu mexia nos textos com caneta. Bic azul, sempre. Em casos mais dramáticos, ia para a máquina e reescrevia quase tudo. Muitas madrugadas consumi reescrevendo textos. O cansaço depois era compensado pela combinação de chopp, steinhaeger e filé à parmegiana no bar do Alemão na companhia de amigos cujo assunto era, basicamente, jornalismo.
As redações tinham datilógrafos naqueles dias. Mexido um texto, eles rebatiam a versão definitiva. Eram coadjuvantes importantes.
Quando chegaram os computadores, achei que jamais conseguiria reescrever matérias como antes, com a Bic. Mas no fim percebi que a tarefa ficou mais fácil. Nunca deixei de entender, no entanto, os editorialistas do Estadão que não aderiram sequer às máquinas de escrever, e continuavam a redigir à mão.
Pesquisa era uma coisa épica. As empresas tinham enormes departamentos cheios de recortes e fotos. O da Abril, o Dedoc, era uma beleza, uma vantagem competitiva, tocado por meninas sorridentes e prestativas como a Bizuka e a Suzana. Você pegava alguma coisa no Dedoc — um livro, por exemplo — e depois de alguns dias vinha a cobrança para devolver. O Google matou os departamentos de documentação, mas acho que nem os funcionários acham que isso foi ruim. O Google democratizou o conhecimento.
Ali estou eu, um jovem dinossauro.
Quem teria me fotografado?
Não sei. Talvez Bia Parreiras, talvez Sérgio Berezovsky. Talvez nenhum dos dois.
Os óculos pretos. Só recentemente foram aposentados. Numa emergência, me ajudaram a ver Londres direito.
A estrada, até aqui, como na música dos Beatles, foi longa e sinuosa.
Conheci gente incrível nas redações em que trabalhei, mas também tive ao redor um punhado de canalhas. A redação é uma reprodução da vida, gente que presta e gente que não presta. Fiz matérias das quais me orgulho, mas também produzi outras que prefiro esquecer. Guardei muita coisa que fiz nos primeiros anos, e depois deixei de fazer isso. Um dia devo ter jogado fora o que guardara.
Nada tão dramático quanto a decisão de Virgílio, no leito de morte, de mandar destruir a Eneida, por achá-la imperfeita. O imperador não deixou que o desejo do moribundo fosse atendido.
Olho a foto.
Teria alnda algum resquício daquele sonho de jornalista jovem de mudar o mundo? Não sei. Meus olhos não parecem ainda cínicos. Mas isso pode ser apenas uma impressão.
Se eu pudesse voltar, faria outra coisa?
Seria professor de matemática, como disse algum tempo atrás a um motorista de táxi em Juiz de Fora que me perguntou o que eu fazia? Eu amava matemática. Me eletrizava com a descoberta de um x numa equação.
Tentaria a vida de romancista, como eu sonhei?
Não.
Não.
Se eu tivesse hoje a idade que tinha naquela foto, a cena seria diferente. Sem Olivetti, sem laudas. Sem tanto papel na mesa.
Mas a ocupação seria a mesma: jornalista.
O jornalismo é a terceira profissão mais fascinante que existe. A segunda é o jornalismo e a primeira é o jornalismo.