Publicado originalmente no Rede Brasil Atual:
Disfarçado de um programa de combate ao desemprego, a Medida Provisória (MP) 905, que institui o contrato de trabalho “Verde e Amarelo“, voltado para trabalhadores na faixa de 18 a 29 anos, na verdade tem por objetivo aumentar a rentabilidade dos empregadores. Nessa modalidade de contratação, com remuneração de até um salário mínimo e meio, as empresas não pagarão a contribuição patronal de 20% ao INSS. Para compensar essa desoneração, o governo vai cobrar 7,5% de INSS daqueles que recebem seguro-desemprego. Os empregadores também deixam de pagar 8% do salário para o FGTS do jovem, reduzido para apenas 2%.
Desacompanhado de outras medidas que estimulem a criação de novos postos de trabalho, essa proposta terá impacto praticamente nulo na geração de emprego, segundo o economista Guilherme Mello, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A proposta, defendida pelo presidente Jair Bolsonaro e o seu ministro da economia, Paulo Guedes, deverá ter como resultado a substituição de empregados mais antigos e com melhores salários pelos mais jovens, contratados com remuneração reduzida e menos direitos. A consequência desse aumento de rotatividade será a queda da massa salarial, agravando ainda mais o quadro de estagnação econômica.
“Em um cenário de crescente precarização do mercado, poderemos ter facilmente a substituição de trabalhadores mais antigos e que ganham mais por outros que vão ganhar menos. A literatura mostra que esse tipo de incentivo fiscal em países em desenvolvimento tem pouca eficácia. Para piorar, estão fazendo algo que é meramente transitório. A eficácia diminui porque o empregador sabe que amanhã esse desconto acaba. A tendência de fracassar é gigantesca. E vai ter um custo financeiro e social, porque é financiado pelo seguro-desemprego”, criticou Mello.
Com outras características, e num momento em que a economia ainda não enfrentava o atual quadro recessivo, essa estratégia foi tentada durante o governo Dilma, quando desonerações na folha de pagamentos foram oferecidas, na expectativa de que o empresariado contrataria mais.
O resultado foi que os empresários reverteram essas desonerações em lucro, ampliando o déficit fiscal do governo. O arrocho fiscal proposto em seguida pelo então ministro Joaquim Levy servia justamente para tapar os buracos na arrecadação que foram abertos pelas desonerações concedidas aos empresários.
“A ideia é baratear o custo da contratação, que também foi a aposta da reforma trabalhista, com a redução de encargos e obrigações do trabalhador, fazendo também os funcionários trabalharem mais, como no caso dos bancários. O emprego viria ‘por mágica’, por conta de um suposto aumento da confiança dos agentes de mercado. Mas o empregador não vai contratar mais só porque está mais barato. Vai contratar de acordo com a sua necessidade”, explica o economista.
O professor resgata conceitos do filósofo e economista alemão Karl Marx para demonstrar que o plano de Guedes e Bolsonaro é baseado numa concepção atrasada de capitalismo. “Marx dizia que existem duas formas de gerar lucro: uma é aumentando a produtividade do trabalho, inovando e refazendo a organização do espaço de produção, para que aquele mesmo trabalhador produza mais. Ao produzir mais, aumenta o lucro do capitalista. É o mecanismo tradicional do capitalismo desenvolvido. Um mecanismo mais tosco é a mais-valia absoluta, que é aquela em que você reduz salário, aumenta jornada, tira direitos, e ganha lucratividade não em cima de ganhos de produtividade ou inovação, mas em cima do lombo do trabalhador”.
Alternativa
Em contraposição a essa e outras medidas fiscalistas apresentadas pelo governo Bolsonaro, a oposição aposta no investimento público, em parceria com o setor privado, para a retomada do crescimento da economia, estimulando assim a criação de empregos. Além da participação direta do Estado na contratação temporária de 3 milhões de trabalhadores para atuar em serviços de zeladoria urbana, como limpeza, poda de árvores, manutenção de ruas e calçadas.
O Plano Emergencial de Emprego e Renda, lançado pelo PT em agosto – que deve ser reapresentado com o endosso dos demais partidos da oposição – prevê a criação de empregos permanentes a partir da retomada de 7,4 mil obras paradas e da reativação do programa Minha Casa Minha Vida.
“Mais que um plano para a criação de empregos, trata-se de uma proposta de reativação da economia”, segundo Guilherme Mello, que participou da sua elaboração. O consumo também seria estimulado a partir da retomada da política de valorização do salário mínimo e da expansão do Bolsa Família. A proposta compreende ainda a renegociação da dívida das famílias.
“A concepção do plano do PT é diferente. É o Estado retomando a responsabilidade por reanimar a economia, e não deixando tudo na mão do mercado. É uma interação entre Estado e mercado. Quando, por exemplo, a gente reativa o Minha Casa Minha Vida, são reativadas também as construtoras, que passam a empregar mais. Tem uma parte do plano que é a criação direta do emprego, exatamente para dinamizar a renda dos desempregados, para garantir o sustento das famílias, mas também para ativar o mercado de consumo”, explica o professor.
Diferentemente da proposta do então candidato à Presidência Ciro Gomes (PDT) no ano passado, que pretendia a compra do estoque de dívidas das famílias pelo governo, o plano do PT pretende utilizar parcela dos depósitos compulsórios – que os bancos são obrigados a deixar no Banco Central – que não são remunerados. A cada real renegociado com as famílias, os bancos acessariam recursos equivalentes, e poderiam aplicá-los em investimentos ou oferecer como crédito.
“Por isso, o plano tem um componente direto de geração de emprego e renda, que são as frentes de trabalho, ao mesmo tempo contempla investimentos em obras de infraestrutura, que vão gerar emprego, via setor privado. As famílias passariam a ter uma renda para negociar, ao mesmo tempo que o banco teria esse incentivo. Juntando as duas coisas, aí sim, a gente consegue reduzir endividamento das famílias”, destaca Mello.