PUBLICADO NO BRASIL DE FATO
POR LU SUDRÉ
O professor Juarez Tadeu de Paula Xavier, de 60 anos, se recupera bem após sofrer um ataque racista no dia da Consciência Negra, comemorado na último 20 de novembro.
O docente do curso de Jornalismo da Universidade Estadual Paulista (Unesp) voltava de uma consulta médica em Bauru, no interior de São Paulo, quando foi atacado por Vitor Munhoz, 30 anos. Juarez foi chamado de “macaco” e, em seguida, esfaqueado com um canivete no ombro esquerdo, no braço e nas costas.
“Ele apontava ostensivamente uma coisa em minha direção. Eu não sei o que era. Passei por ele e fiquei receoso de ficar de costas. Fiquei olhando ele caminhar e fazendo os mesmos gestos. Ele atravessou a rua e me chamou de macaco. Gritou: ‘macaco!’. E eu fui tirar satisfação”, conta Xavier em entrevista ao Brasil de Fato.
“Fui atrás e perguntei: ‘Que estupidez é essa no Dia Nacional da Consciência Negra?'”
O caso ganhou repercussão em nível nacional e muitas mensagens de solidariedade ao docente.
“Fui atrás e perguntei: ‘Que estupidez é essa no Dia Nacional da Consciência Negra?’. Ele virou e já veio com o canivete na mão. Veio na minha direção e não senti ele me esfaqueando. Tentei contê-lo. Joguei no chão e segurei a mão dele”, relembra, detalhando uma luta corporal.
Com o agressor contido, Xavier só se deu conta do sangramento causado pelos ferimentos ao ser alertado e receber ajuda de pessoas que passavam na rua no momento.
Ele foi encaminhado para a Unidade de Pronto-Atendimento (UPA) da cidade, onde teve os ferimentos suturados e foi liberado em seguida. Munhoz foi detido e preso no local.
Fiança
Apenas alguns minutos após realizar o exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal de Bauru na tarde desta quinta-feira (21), no dia seguinte ao ocorrido, o pesquisador do Núcleo Negro Unesp para Pesquisa e Extensão (Nupe) recebeu a notícia que seu agressor havia sido liberado para responder às acusações de injúria racial e lesão corporal dolosa em liberdade.
O delegado responsável pelo caso fixou fiança no valor de um salário mínimo (R$998) após a família de Munhoz alegar que o jovem sofre de transtornos mentais.
O advogado Maurício Ruiz, responsável pela defesa de Xavier e o próprio docente, no entanto, defendem que o agressor responda por tentativa de homicídio e pelo crime de racismo.
“Injúria racial é um crime prescritível e afiançável. Racismo não.”
“Se ele tem uma doença mental, ele não pode andar na rua armado. No meu caso, eu pude me defender. Poderia ter sido muito mais grave se eu não tivesse condições. Se houve lesão corporal é porque eu me defendi. Não permiti que ele concluísse o objetivo. Ele me acertou em áreas próximas de áreas vitais”, diz Juarez.
Estudioso do movimento negro brasileiro, ele faz um diagnóstico enfático sobre o episódio do qual foi vítima e assegura que a defesa irá sustentar a classificação da agressão como crime de racismo, em respeito à norma constituinte brasileira.
Criada por Carlos Alberto Caó Oliveira, então deputado federal à época, a Lei Caó (7.716/89) foi sancionada pelo ex-presidente José Sarney em 5 de janeiro de 1989 e regulamentou trecho do artigo 5º da Constituição Federal que torna o racismo crime inafiançável e imprescritível.
“Se houve lesão corporal é porque eu me defendi. Não permiti que ele concluísse o objetivo. ”
Para Xavier, o crime de injúria racial fragiliza a lei. “A injúria tem sido um mecanismo utilizado pelos racistas patológicos para fraudar a legislação. Para fraudar a lei, para não ser enquadrado no crime de racismo, que é inafiançável e imprescritível, tem se lançado o recurso da injúria racial”, critica.
“Não foi injúria racial, foi racismo o que aconteceu. Racismo é crime inafiançável e imprescritível. Não temos informações de pessoas que tenham sido presas no Brasil por prática de racismo. Porque transformam a prática de racismo em injúria”, ressalta o pesquisador.
País racista
Em nota pública, a Unesp repudiou a agressão sofrida pelo docente e frisou que atos do tipo reforçam a necessidade de continuar a “luta contra a discriminação racial, os preconceitos, de qualquer natureza, e especialmente contra a desigualdade abissal que marca historicamente a população negra no Brasil”.
Na opinião do pesquisador, o episódio é mais um exemplo explícito do mito da democracia racial brasileira.
Ele cita a atitude do deputado Coronel Tadeu (PSL-SP) que protagonizou uma cena de racismo ao arrancar e pisotear uma placa da exposição “Resistir no Brasil” na Câmara dos Deputados no início da semana.
“É um congressista apoiado por outros congressistas. É uma sinalização para parte da sociedade que a questão do racismo não é séria. É um equívoco brutal. Não há viabilidade para um país que trata a sua população majoritária da forma que os negros são tratados no Brasil”, argumenta.
Não é a primeira vez que o militante do movimento negro é vítima de racismo. Em 2015, Juarez Tadeu foi um dos alvos das ofensas racistas escritas num banheiro masculino da universidade. As inscrições diziam: “Unesp cheia de macacos fedidos” e “Juarez macaco”.
Em resposta ao racismo cotidiano da sociedade brasileira, ele defende ser urgente retomar a discussão anti-racista nos espaços públicos da sociedades a partir do viés interseccional apresentado pelo movimento negro tem apresentado.
“O movimento negro tem dito há muito tempo que nós precisamos ter, no Brasil, um movimento anti-racista branco. A classe média democrática brasileira, não a protofascista, precisa se envolver nesse debate. Todos os momentos onde houve avanço no enfrentamento do racismo, se deu com a participação ativa do movimento negro e com um forte movimento democrático e anti-racista da população branca. É preciso que essa população entre no debate para superar a brutalidade que tem sido o racismo no nosso país”, enfatiza o professor.