Paradoxalmente, é muito mais fácil escrever empoladamente, como notou com precisão o grande romancista francês
No dia 2º de setembro de 1851, aos 29 anos, Gustave Flaubert escreveu em sua caneta de pena de ganso uma carta para Louise Colet, escritora como ele.
Eram amantes.
“Ontem à noite comecei meu romance. Já percebi as dificuldades atrozes de estilo que me aguardam. Não é nada fácil ser simples.”
Flaubert costumava iniciar sua jornada no começo da tarde. Escrevia sob a luz de uma lamparina. Era alto, corpulento, bonito, e já perdera visivelmente boa parte da cabeleira da mocidade. A voz era tonitruante. Avançava pela noite, em geral. Aquele romance só terminaria em março de 1856, depois de formidáveis embates do jovem escritor com sua própria prosa. Ele nunca estava satisfeito. Considerava a poesia muito mais bela, no jogo de palavras, que qualquer romance. Jogou fora muita coisa, refez quase tudo várias vezes, antes de considerar enfim o romance encerrado e publicá-lo como folhetim, em seis etapas, no jornal La Revue de Paris, comandado por um amigo.
Tanto empenho não impediu que, algumas décadas depois, Proust dissesse que Flaubert jamais escrevera uma metáfora que prestasse. É uma das maiores estultices que Proust afirmou, mas esta é outra história. (Flaubert escreveu que uma folha que caía voava como uma borboleta branca, para ficar apenas numa metáfora suave.)
O ponto aqui é a simplicidade na escrita.
Só quem escreve sabe o quanto é difícil ser simples. Escrever gongoricamente é, paradoxalmente, muito mais fácil.
Mas não existe alternativa. Prosa boa é prosa simples, como notou o jovem romancista francês na primeira noite em que se sentou para escrever o romance ao qual daria o nome de Madame Bovary.
O resto é história.
Este texto foi publicado no Diário do Centro do Mundo em 26 de fevereiro de 2011.