Publicado originalmente no site Ponte Jornalismo
POR PAULO EDUARDO DIAS
Laudo elaborado pelo IML (Instituto Médico Legal) de Santo André, cidade na Grande São Paulo, aponta que Lucas Eduardo Martins dos Santos, 14 anos, morreu em decorrência de “asfixia mecânica por afogamento”. Tanto seus familiares como vizinhos da Favela do Amor, na Vila Luzita, periferia da cidade, acusam policiais militares pelo sumiço e morte do adolescente, desaparecido na madrugada do dia 13 de novembro.
Leia o laudo na íntegra
O documento ao qual a reportagem da Ponte teve acesso indica que o corpo do Lucas, que nasceu em 25 abril de 2005, em Bezerros, na região de Caruaru, no agreste pernambucano, não possuía qualquer tipo de agressão. Lucas sumiu nas primeiras horas da madrugada enquanto voltava para casa, após comprar um refrigerante Dolly e um pacote de bolachas, em uma quitanda dentro da própria favela em que morava com sua mãe, um irmão e a cunhada. Família e amigos cobraram respostas em protestos na região.
O corpo do adolescente que foi encontrado no dia 15 de novembro boiando num lago do parque Natural Municipal do Pedroso, em Santo André, apenas de cueca branca e um par de meias cinza. Trechos do laudo revelam que o corpo apresentava “coloração esverdeada em todo abdome, tórax, cabeça e membros, e pele de aspecto anserina em extremidades de membros superiores e inferiores” quando chegou no IML. O documento é assinado pelo legista Marcos Moraes Biancalana.
Já no exame interno, em que são abertas as cavidades, não havia fratura em nenhum dos osso do crânio nem sinais de lesões traumáticas no tórax. No entanto, “continham petéquias subpleurais (pequenas hemorragias de vasos sanguíneos) em ambos pulmões, além de conteúdo líquido no estômago”. O exame ainda apontou que o “tempo da morte é maior que 48 horas ao momento em que se iniciou a necrópsia”.
Dois legistas ouvidos pela reportagem indicaram que em casos de afogamento é necessário outros laudos para se saber se houve ou não violência. “A morte causada pelo afogamento é chamada de asfixia mecânica por afogamento, que é provocada pela substituição do oxigênio (ar) pelo meio liquido (água). Todos os casos encaminhados ao IML são considerados morte violenta ou morte suspeita”, descreve Celso Domene, presidente da Associação dos Médicos Legistas. “O inquérito policial é que irá determinar se houve ou não violência e fica a cargo do delegado de polícia investigar. O médico legista apenas constata o tipo de morte”.
Sob a condição de anonimato, um outro perito criminal ouvido pela reportagem afirmou que “do ponto de vista técnico, o laudo está perfeito, e de fato todos os sinais lançados no laudo são compatíveis com afogamento. Aquela equimose verde no pescoço, líquido no estômago, e coloração da pele é típico de afogamento”, sustenta. “O prazo de 48 horas é relevante. Se foi afogamento natural ou se foi homicídio, aí tem que ter mais dados de perícia criminal para fazer essa análise. Estão esperando um exame toxicológico, então tem que ver se a pessoa foi sedada e jogada na água… Tem que ter outros elementos para concluir”, pondera.
Familiares do menino contestam a tese de afogamento, já que os parentes que viram o corpo no IML e outros que viram fotos do menino morto no parque alegam que ele sofreu muito antes de ser atirado no rio. “Ele foi espancado, os dentes quebrados, o rosto estava muito machucado, tinha marcas de pisadas no peito e no braço”, afirma Cícera Santos, 43 anos, tia do menino. A mulher conta que não chegou a ver o corpo no IML, mas que viu as fotos e que os familiares que entraram na sala com o médico legista a contaram o estado do cadáver.
Paralelamente à investigação sobre a morte de Lucas, sua mãe, Maria Marques Martins dos Santos, 39 anos, segue presa na Penitenciária Feminina de Santana, no Carandiru, zona norte da capital paulista. A mulher foi presa em 19 de novembro ao prestar depoimento sobre o desparecimento de seu filho no Setor de Homicídios e Desaparecidos de Santo André. No enterro de Lucas, ela permaneceu algemada enquanto se despedia do filho.
Maria tinha um mandado de prisão expedido em 2017 após ser condenada em segunda instância, dois anos antes, a cumprir pena de cinco anos por tráfico de drogas. Ela é testemunha chave do caso, pois horas após o menino sumir duas viaturas da Policia Militar foram até sua residência, com um dos PMs encapuzados, e pediram para entrar na residência. A mulher ainda afirma ter ouvido “eu moro aqui”, que assegura ter ouvido de Lucas, vindo do mesmo ponto em que estavam os carros da PM.
Os policiais militares Rodrigo Matos Viana e Lucas Lima Bispo dos Santos, ambos da 2ª Companhia do 41º BPM/M (Batalhão da Polícia Militar Metropolitano), e que são suspeitos de participação no caso, estão afastados do patrulhamento de rua e trabalhando internamente em atividades administrativas, no entanto, continuam a receber salário normalmente. Um exame de DNA em sangue encontrado na viatura M-41222, em que os PMs estariam no dia 13 de novembro, teve resultado inconclusivo devido a pouca quantidade do material humano coletado.
O advogado e conselheiro do Condepe (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), Ariel de Castro Alves também enxerga incoerência no documento. “Certamente o jovem não sairia de sua casa de madrugada para nadar no córrego e em consequência disso se afogar. A Polícia Civil e a Polícia Militar precisam explicar a provável abordagem policial sofrida pelo jovem, o desaparecimento e o próprio afogamento”, cobra o profissional, que vai além. “Os assassinos podem ter utilizado o afogamento do Lucas para dificultar as investigações e para garantirem a impunidade. Ele pode ter sido jogado no córrego e os criminosos ficaram aguardando até ele se afogar e ser consumada sua morte antes de deixarem o local”.
Castro Alves também analisa com preocupação o fato das investigações correrem em sigilo. “O caso Lucas tem tudo pra ficar impune. O primeiro passo para isso foi a Justiça decretar o sigilo. O Ministério Público, que pela lei tem que fiscalizar e controlar as ações policiais, até agora não se manifestou sobre as apurações”, afirma.
Por telefone, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) informou a Ponte que o caso segue em investigação e em segredo de Justiça.