Moro desafia o chefe. Por Helena Chagas

Atualizado em 26 de dezembro de 2019 às 13:33
O ministro Sergio Moro e o presidente Jair Bolsonaro – Evaristo Sá/AFP

Publicado originalmente no Os Divergentes:

POR HELENA CHAGAS

Normal não é. O presidente da República não acolhe todas as sugestões de veto de seu ministro da Justiça a um projeto aprovado pelo Congresso (isso é normal) e esse ministro divulga uma nota explicando sua própria posição em defesa do veto  — e, portanto, fazendo reparos à decisão presidencial que não a seguiu. É o caso de se imaginar que Sergio Moro tenha se esquecido dos protocolos mais básicos do presidencialismo: o presidente manda e os ministros obedecem. Sem choramingos.

O episódio em que o presidente Jair Bolsonaro recusou-se a seguir a recomendação de seu ministro da Justiça para vetar a criação da figura do juiz de garantia no pacote anticrime votado pelo Legislativo tem diversas leituras. A mais óbvia é a da sobrevivência: Bolsonaro manteve o texto, acima de tudo, para se livrar, ao menos parcialmente, da ação do juiz Flavio Itabaiana, do Rio, nas investigações do caso Queiroz que alcançam seu filho Flávio Bolsonaro. O senador passa a ter mais chances de se livrar com a possibilidade de entrar mais um juiz na parada, já que, pela nova regra, o juiz que faz a instrução do processo não é o mesmo que julga.

Subsidiariamente, Bolsonaro fez um agrado ao Congresso, que criou o juiz de garantia, e um desagrado a Moro, que, a seu ver, anda muito saidinho com toda aquela popularidade e seu comportamento de superministro, ou pré-candidato — ou sei lá o que que se coloca, muitas vezes, em patamar de igualdade com o presidente da República.

A nota de Moro, além de ser quase uma insubordinação — onde já se viu ministro se posicionar contra veto de presidente? — tem o claro objetivo político de sinalizar a seus apoiadores que não, ele não mudou de ideia e continua defendendo o combate à corrupção em grau máximo, com as medidas mais duras possíveis, na linha do fim que justifica os meios adotada na Lava Jato.

Moro tomou o cuidado de, horas depois, fazer mais um tuíte afirmando que a vida segue e que vamos em frente — uma maneira de dizer que não vai sair do governo e que, por lá, apesar da discordância, está tudo bem. Será? Aí é que está. Sem condições de deixar o cargo e mergulhar num limbo político de quase três anos até a próxima eleição, o ministro da Justiça está numa contagem regressiva rumo ao momento do choque irreversível com o presidente da República.

Bolsonaro sabe disso, e sabe que a saída de Moro hoje seria um estrago para seu governo. Por isso, alimenta os rumores de que poderá escolhê-lo como candidato a vice em sua futura chapa de reeleição. É uma forma de tentar manter o ministro da Justiça relativamente domesticado.

Mas trata-se de um lote na lua, e na verdade o presidente se ressente de ter um ministro mais popular e forte do que ele próprio. Na hora H, pode mudar de ideia. Ou chegar a 2022 com um nível de popularidade que não lhe permita disputar. E quem disse que Moro quer ser vice, tendo ele próprio condições de ser o titular da chapa?

No próximo capítulo dessa novela, aconselha-se observar os passos do Podemos, partido in pectori de Moro, que é seu braço político-parlamentar. Álvaro Dias, seu principal cacique, prepara-se para recorrer ao STF contra a criação do juiz de garantia e seus líderes reclamaram bastante do não-veto presidencial. Haverá outros embates, sobretudo com as investigações do caso Queiroz/Flávio avançando. Difícil manter essa situação até 2022.