Cidade Maravilhosa não é a mais “Rio, 40 graus”. Agora é “Rio, 50 graus”, a antessala do inferno. Por Daniel Trevisan

Atualizado em 11 de janeiro de 2020 às 19:33

Não há notícia de que alguém tenha tentado a experiência, mas o calor que fez esta tarde no Rio de Janeiro seria suficiente para que alguém fritasse um ovo no asfalto.

Em Santa Cruz, que fica no extremo oeste da cidade, a temperatura foi de 54,8 graus centígrados, a terceira maior já registrada na cidade.

Os termômetros marcaram temperatura pouco superior a 40 graus, mas a sensação de estar em uma sauna – – onde a temperatura média é de 60 graus — veio da falta de circulação de vento na região.

A cidade do Rio de Janeiro tem ficado com temperaturas cada vez mais elevadas a cada ano que passa.

Em 1955, fez sucesso no Brasil o filme Rio, 40 graus, de Nélson Pereira dos Santos. A obra foi considerada uma precursora do cinema novo e é um semidocumentário sobre pessoas do Rio de Janeiro, e acompanha um dia na vida de cinco garotos de uma favela que, num domingo tipicamente carioca e de sol escaldante, vendem amendoim em Copacabana, no Pão de Açúcar e no Maracanã.

O tema do filme é a música “A Voz do Morro”, de Zé Keti, que atua na fita. “Eu sou o samba/ A voz do morro sou eu mesmo sim senhor/ Quero mostrar ao mundo que tenho valor/ Eu sou o rei dos terreiros/ Eu sou o samba/ Sou natural daqui do Rio de Janeiro/ Sou eu quem levo a alegria/ Para milhões/ De corações brasileiros”.

Hoje o nome do filme tria que mudar para Rio, 50 graus, e a letra da música também teria que ser adaptada.

A favela não é mais a voz do samba.

Tem o tráfico, tem a milícia, e tem o genocídio da polícia.

Tudo sob um calor infernal.

No novo filme, no lugar do samba, poderia ter a experiência de um ovo frito no asfalto. Não é difícil.

“Para fritar um ovo, a superfície em que vai ocorrer a fritura deve estar a uns 60 ºC. Acho que em uma cidade como o Rio de Janeiro, dá para alcançar essa temperatura quando a temperatura ambiente está a cerca de 40 ºC”, afirma o químico Jivaldo do Rosário Matos, da Universidade de São Paulo.

Para que a fritura ocorra, explicou ele em uma reportagem da revista Superinteressante, “é melhor que o ovo esteja no asfalto – ele é preto, não reflete nenhum espectro de luz solar e vai absorvendo o calor lentamente. Segundo, a umidade do ar precisa estar baixa, para que o calor emitido pelo asfalto não seja reduzido pelo vapor da água na atmosfera. Em dias quando os termômetros marcam em torno de 40 ºC, com o sol a pino, é bem possível que a temperatura do asfalto passe dos 60 ºC.  O ovo recebe essa transferência de calor e começa a fritar. Isso rola porque as proteínas que existem principalmente na clara passam por um reagrupamento: elas mudam de uma união meio fraca, que dá a consistência gosmenta do ovo cru, para uma união mais forte, gerando a consistência mais sólida do ovo frito. Então, já sabe: na falta de uma frigideira, espere um dia quente e seco pra fazer um belo omelete!”.

Hoje foi o dia ideal e nos próximos também, em que o calor permanecerá.

Com o aquecimento global, o calor no Rio, em breve, poderá se tornar um problema de saúde pública.