O sangue nas mãos do coronel da PM que culpou vítima de estupro da Bahia. Por Nathalí

Atualizado em 12 de janeiro de 2020 às 13:23
Protesto contra o estupro e o machismo. (Foto: George Campos/USP Imagens)

Uma turista piauense de 19 anos foi estuprada por dois homens em uma praia de Salvador no dia sete de janeiro de 2020.

Ela caminhava pela praia, acompanhada pelo namorado, quando dois homens abordaram o casal e anunciaram o assalto – frequentemente, assalto vira estupro no pior país da América Latina para se ser uma mulher.

A vítima conseguiu fugir e registrar o B.O na delegacia, onde foi novamente violentada: o coronel Eurico Filho Silva Costa responsabilizou a vítima pelo estupro – nada novo sob o sol – ao afirmar que ela “assumiu o risco” de ser estuprada ao caminhar por uma praia à noite.

“Foi um comportamento de risco. O que uma pessoa vai fazer numa praia deserta das 19h às 23h, quando ocorreu estupro? Vai fazer o quê? Ela assumiu o risco”.

O que uma pessoa vai fazer em uma praia deserta das 19h às 23h?

Ela vai passear, curtir a brisa da noite, aproveitar a viagem de férias, ser feliz.

Ela não conta com o fato de termos, na Bahia (e no Brasil) uma polícia incompetente que não apenas não é capaz de proteger seus administrados, como os culpabiliza quando são, na verdade, vítimas.

“O casal teve um tipo de comportamento que não podemos nos responsabilizar. Se um carro trafega a 200 km/h, o motorista assume as consequências, o risco de bater, capotar. Foi a mesma coisa que aconteceu”, continua o comandante, numa tentativa vil de distorcer a lei para justificar o injustificável – um estupro – e retirar de sua corporação ausente e sem inteligência a responsabilidade pelo crime.

Quem tem o mínimo conhecimento em direito – talvez não seja o caso do coronel – sabe que o exemplo do carro que trafega a 200km/h é comumente usado pra ilustrar o conceito de dolo eventual, quando o AUTOR do crime assume o risco de cometê-lo: um motorista que trafega a tal velocidade assume o risco de atropelar alguém.

Isso é dolo eventual, e, judicialmente, esse motorista pode ser responsabilizado por qualquer prejuízo que advenha de seu comportamento.

Uma mulher que caminha tranquilamente com seu namorado (ou sozinha, que fosse!) na praia, não assume dolo algum, porque não é autora de crime algum.

Ela é vítima, e é triste ter que explicar o óbvio graças à desonestidade intelectual de gente como Eurico.

Ao serem aprovados em um concurso público, ao comprometerem-se com a segurança pública, Eurico e sua corporação é que assumiram o dever de proteger cidadãs e cidadãos.

É para isso que lhe são pagos seus salários de fome. Uma mulher que caminha tranquilamente na praia espera apenas que policiais militares cumpram com sua obrigação cívica.

Em vez disso, eles seguem o caminho que todo estuprador adora: o da culpabilização da vítima, e essa é uma prática tão antiga quanto o próprio estupro – mulheres são estupradas porque usam roupas provocantes; mulheres são estupradas porque seduzem seus algozes; mulheres são estupradas porque caminham na praia; mulheres são estupradas porque são mulheres…

Não.

Mulheres são estupradas por um único grande motivo: porque existem estupradores.

Acaso a polícia realmente trabalhasse – em vez de esquivar-se de suas responsabilidades tentando culpar as vítimas – caminhar na praia não seria um risco, porque os estupradores estariam presos.

Ao expressar um discurso tão inaceitável, absurdo e violento, é o coronel Eurico que assume o risco de ser também chamado de estuprador, pois há sangue em suas mãos.

Graças a “profissionais” como ele, mulheres estupradas tantas vezes evitam denunciar violentadores porque sabem que fazê-lo é “assumir o risco” de serem novamente violentadas na delegacia.

De serem humilhadas, culpabilizadas, desacreditadas e novamente agredidas.

Há os que efetivamente estupram e os que permitem que estupros aconteçam. Eurico está no segundo grupo.