POR FANIA RODRIGUES, de Caracas
Desde que chegou à presidência da Assembleia Nacional da Venezuela, em janeiro de 2019, o deputado Juan Guaidó implementou uma série de ações contra o governo de Nicolás Maduro que não foram bem-sucedidas, o que desgastou sua liderança.
Ademais, os frequentes escândalos de corrupção, denunciados pelos próprios aliados, provocaram uma onda de insatisfação no interior do setor opositor venezuelano.
Deputados da Assembleia Nacional, agora, acusam Juan Guaidó de esconder o destino dos recursos enviados por governos e doadores estrangeiros, pois até o momento não houve prestações de contas.
Entre os recursos administrados pelo principal opositor de Maduro também está o lucro de duas empresas estatais venezuelanas: a Citgo, que é subsidiária da petroleira venezuelana PDVSA nos Estados Unidos, e a Monómeros, empresa de fertilizantes localizada na Colômbia.
Após o bloqueio econômico imposto contra o governo Maduro, essas empresas foram interditadas pelos governos dos EUA e da Colômbia.
Com isso, as instalações industriais foram passadas ao controle de uma equipe nomeada por Juan Guaidó, reconhecido por esses países como o presidente interino da Venezuela.
Além disso, o governo dos EUA anunciou em fevereiro de 2019 que estava destinando nesse momento U$ 20 milhões em ajuda humanitária à Venezuela.
Já o Canadá enviou U$40 milhões, na mesma época. O megashow “Venezuela Aid Live” realizado em Cúcuta, na fronteira com a Colômbia, no dia 23 de fevereiro, arrecadou outros U$ 2,5 milhões e nessa ocasião o cantor de reggaeton Don Omar porto-riquenho doou U$1 milhão, que foi entregue diretamente à equipe de Guaidó.
O governo dos Estados Unidos enviou outros recursos que só foram declarados em dezembro de 2019, quando a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID – sigla em inglês), um órgão do governo estadunidense, publicou essas informações em sua página web.
Segundo a agência, em 2019, foram destinados U$ 158 milhões para assistência humanitária na Venezuela. No entanto, Juan Guaidó alega que não administra fundos estrangeiros, já que, segundo ele, a ajuda humanitária seria administrada por ONGs.
Porém, a própria USAID afirma, no mesmo documento, que teve outro recurso que foi entregue diretamente a Juan Guaidó.
“A USAID está fornecendo mais de U$ 128 milhões para financiar programas de apoio ao presidente interino Juan Guaidó e seu governo, à medida que restauram a governança democrática e dá resposta aos cidadãos”, informou em sua página em espanhol.
Corroborando essa informação, o enviado especial da Casa Branca para assuntos da Venezuela, Elliott Abrams, disse semana passada, em depoimento no Congresso dos Estados Unidos, que o governo de Donald Trump enviou dinheiro à equipe de Juan Guaidó para a manutenção da Assembleia Nacional da Venezuela e para financiar o aparato de comunicação de apoio a Guaidó, que inclui pagamentos a jornalistas e meios de comunicação classificados por ele como “imprensa livre”.
E para 2020 os recursos também já estão garantidos. O governo dos EUA anunciou, em dezembro de 2019, que o Congresso norte-americano aprovou U$ 400 milhões, que serão destinados a assistência humanitária na Venezuela e nos países vizinhos, que recebem imigrantes venezuelanos, sem estipular os valores a cada país.
Também foram aprovados outros U$ 17 milhões para “atores políticos democráticos e para organizações da sociedade civil da Venezuela”.
Embora a oposição venezuelana tenha recebido essa quantidade de recursos, muitos parlamentares não chegaram nem perto desse dinheiro.
Indignados com a falta de transparência do deputado Juan Guaidó, mais de 30 deputados se rebelaram e deixaram de apoiar o líder opositor. Foi isso que possibilitou a eleição do novo presidente da Assembleia Nacional, Luis Parra, do partido Primero Justicia, o segundo maior partido da direita venezuelana.
Apesar de que Guaidó também afirma que ele foi eleito presidente do Congresso venezuelano, com 100 votos, em uma Assembleia Nacional paralela. Porém, entre os 100 votos, pelo menos 22 são de deputados suplentes inabilitados cujos titulares votaram por Luis Parra.
Dessa forma, foram contabilizados 27 deputados que estão fora do país, investigados e acusados de participação em crimes, e outros sete inabilitados pela Justiça venezuelana, por fraude eleitoral e outros crimes. Na lista aparecem ainda dois deputados do PSUV, partido de Nicolás Maduro, que garantem que não estivem presente nessa votação.
“Pedimos ao ex-presidente da Assembleia Nacional, Juan Guaidó, que preste contas sobre a situação atual das empresas públicas venezuelanas. O ex-embaixador de Guaidó na Colômbia, Humberto Calderon Berti, denunciou recentemente que a empresa Monómeros estava praticamente falida, que estava sendo desmantelada. Isso nos chamou a atenção e desde então estávamos fazendo essa crítica”, afirmou o atual presidente da Assembleia Nacional, Luis Parra, em entrevista exclusiva ao Diário do Centro do Mundo.
O ex-representante de Guaidó na Colômbia, Humberto Calderón Berti foi demitido depois de solicitar uma investigação junto ao Ministério Público da Colômbia para apurar possíveis desvios de recursos de integrante da equipe de Guaidó na cidade colombiana de Cúcuca, na fronteira com a Venezuela.
Isso aconteceu depois que meios de comunicação da própria direita, como site de notícias Panampost, com sede em Miami, publicou documentos que provavam o mal-uso dos recursos destinados à ajuda humanitária.
Segundo Berti, existiam problemas também na empresa estatal Monómeros. “Os partidos meteram a mão na Monómeros e colocaram na sua direção pessoas não qualificadas e de pouca reputação. Não pode haver disputa pública ou distribuição partidária em empresas públicas”, disse Berti em entrevista coletiva em dezembro.
Um dos diretores da Monómeros indicados por Guaidó é Jon Bilbao Boroja. Ele disse em entrevista que a estimativa de lucro da empresa para 2019 era de U$ 6 milhões em 2019.
Porém, no final do ano a empresa não apresentou publicamente seu balanço anual. Monómeros é maior empresa de fertilizantes em território colombiano, líder do mercado com mais de 70% de participação nas vendas de fertilizantes.
Entre os anos 2016 e 2018 o lucro anual da empresa nunca esteve abaixo dos U$ 300 milhões, de acordo com dados divulgados pela Superintendência de Sociedades Empresariais de Colômbia.
Nos EUA, o principal representante de Juan Guaidó, designado como embaixador de seu “governo interino”, Carlos Vecchio, conhecido no meio político venezuelano por ser ex-executivo da petroleira estadunidense Exxon Mobil, está sendo investigado, desde junho, pela Justiça norte-americana, por possível desvio de U$ 70 milhões da estatal venezuelana Citgo.
Para Luis Parra a corrupção e o desmantelamento dessas empresas comprometem seu verdadeiro papel. “Hoje, vivemos uma grande crise na Venezuela e são essas empresas públicas que deveriam colocar os recursos para atender a população”, afirma.
Nessa mesma linha, o deputado opositor José Brito, do partido opositor Primeiro Justicia, destaca a falta de transparência do ex aliado político.
“Onde estão os dólares que a USAUD entregou à Venezuela? Juan Guaidó afirma que esses recursos são administrados por ONGs. Teria que revisar quem estão à frente dessas organizações. Teria que ter uma investigação séria, porque existem sérias suspeitas de que quem administra todos essas ONGs, que receberam os recursos destinados a ajuda humanitária, são pessoas muito próximas a Guaidó”, ressalta Brito, em entrevista ao Diário do Centro do Mundo.
Desde agosto, o consultor político venezuelano Pedro Pedrosa, de linha opositora, já vinha denunciando o que chamou de “o rentável negócio das ONGs” na Venezuela.
“A maioria dessas ONGs é satélite de partidos políticos. Na Venezuela, tornou-se um negócio muito lucrativo ser um opositor ao governo”.
Pedrosa afirma ainda que boa parte dos recursos utilizados pela oposição chega às ONGs por meios das agências de cooperação internacional, a exemplo da norte-americana USAID.
Em meio à disputa pela liderança do setor opositor venezuelano, o deputado Juan Guaidó também acusa Parra e Brito de corrupção. Brito se defende.
“Que curioso que fomos nós que pedimos uma investigação contra a corrupção de Guaidó e terminamos investigados por seus aliados. Denunciamos o caso Cúcuta, em que roubaram uma quantidade importante de dólares e até a doação do músico Don Omar, no valor de 1 milhão”, diz o parlamentar.
Brito igualmente diz que foi vítima de perseguição. “São eles (Guaidó e seus aliados) que administram os recursos, mas é a nós que acusam de envolvimento em atos de corrupção. Eu não administro recursos públicos. Então, essas acusações têm motivações políticas, em razão do viria a acontecer no dia 5 de janeiro (quando Guaidó foi derrotado na eleição da mesa diretora da Assembleia Nacional)”.
Revolta das regiões contra as lideranças da capital
As divisões internas da oposição Venezuela, que provocou uma fratura na Assembleia Nacional na última semana, também é um reflexo de uma disputa entre a capital e as províncias.
Para entender melhor é preciso voltar um pouco no tempo. A Assembleia Nacional teve seus poderes suspensos pelo Tribunal Supremo de Justiça, em 2015, por descumprir ordens judiciais. Isso levou a Justiça a suspendeu também os salários dos 167 deputados, em janeiro de 2016. No entanto, o parlamento seguiu funcionando, mas não pode legislar, apenas realiza os debates políticos.
Portanto, ser parlamentar na Venezuela passou a ser uma atividade voluntária, onde a maioria dos políticos tem suas profissões à parte da atividade política. Mas, a fração opositora recebe recursos do governo dos Estados Unidos, segundo o enviado especial da Casa Branca para assuntos da Venezuela, Elliott Abrams.
No entanto, alguns deputados afirmam que esses recursos não chegavam de forma igualitária aos parlamentares opositores, que representavam cerca de dois terços do Congresso, até três meses atrás.
Além disso, os deputados do interior do país saiam prejudicados, já que as condições sociais dessas regiões são mais complexas em tempos de crise e bloqueio econômico internacional e não estavam recebendo a assistência que eles reivindicavam. Isso teria sido um dos detonantes da retirada de apoio ao deputado Juan Guaidó.
“Nós, nas províncias, é que padecemos ao lado do povo. Foi por isso que nós insurgimos contra Guaidó”, ressaltou o parlamentar José Brito. O atual presidente da Assembleia Nacional confirma que a revolta contra Guaidó partiu do interior do país. “Desde as províncias, as lideranças locais se reuniram para chegar a um acordo sobre uma proposta clara ao país, que possa despolarizar o Congresso e que não haja mais confrontação”, diz Parra.
Depois de tudo isso, o governo dos Estados Unidos anunciou sanções, na segunda-feira (13/01) contra a nova diretoria da Assembleia Nacional, entre os sancionados está Luis Parra e outros sete deputados.
“Não tenho conta bancária, nem bens nos EUA e não há nada que me importe além do povo da Venezuela. Pedimos respeito aos governos, assim como em algum momento pedimos ajuda”, disse Parra.
Nessa terça-feira (14/01) tem sessão na Assembleia Nacional. O vice-presidente do socialista PSUV, Diosdado Cabello também convocou uma marcha, no centro de Caracas, que terá como tema a defesa da paz na Venezuela e o fim do confronto entre os setores opositores que disputam o Congresso Nacional.
Já o deputado Juan Guaidó, que havia convocado seus apoiadores para uma marcha que o acompanharia até o Palácio Legislativo, mudou os planos e sua sessão será quarta-feira. Embora o governo de Nicolás Maduro não reconheça Guaidó como presidente da Assembleia Nacional, sua entrada no Palácio Legislativo é livre para realizar seus eventos, assim será uma sessão simbólica.
Na terça-feira da semana passada, Guaidó e outros 38 deputados realizaram uma dessas sessões simbólicas no plenário da Assembleia Nacional, depois que sessão oficial já havia terminado. A cena das duas sessões legislativas deve se repetir essa semana e dessa forma a Venezuela vai acomodando seus conflitos políticos internos.
Recursos enviados à oposição venezuelana em 2019
USAID (órgão do gov. dos EUA) – U$ 286 milhões
Executivo do gov. dos EUA – U$20 milhões
Gov. do Canadá: U$ 40 milhões
Show “Venezuela Aid Live”: U$ 2,5 milhões
Cantor de reggaeton Don Omar: U$1 milhão
Total: U$ 349,5 milhões (o equivalente a R$ 1,4 bilhão)