Jair Bolsonaro postou no Twitter frases atribuídas ao pacifista Mahatma Gandhi, cujo memorial ele visitou hoje em Nova Deli. Nada parece mais incompatível do que a trajetória de Bolsonaro comparada à de Gandhi, e a análise das frases evidencia essa diferença irreconciliável.
Gandhi teria dito que o que destrói o ser humano é:
- 1)Política sem princípios;
- 2)Prazer sem compromisso;
- 3)Riqueza sem trabalho;
- 4)Sabedoria sem caráter;
- 5)Negócios sem moral;
- 6)Ciência sem humanidade;
- 7)Oração sem caridade.
São frases que integram memes na internet. Em razão disso, as frases podem não ser, efetivamente, de autoria de Gandhi.
Mas, considerando que sejam, Bolsonaro não segue nenhum deles.
É possível falar de princípios em um político que já passou por nove partidos e agora trabalha para fundar o seu?
Sobre prazer sem compromisso, não foi Bolsonaro quem disse que usava o auxílio-moradia da Câmara para “comer gente”? Onde está o compromisso?
Riqueza sem trabalho é o que define Bolsonaro. Ele se aposentou aos 33 anos, depois que o conselho de justificação recomendou que fosse expulso do Exército.
No relatório que amparou esse decisão, revertida mais tarde no Superior Tribunal Militar (STM), Bolsonaro é definido como um oficial com “demonstração de excessiva ambição em realizar-se financeira e economicamente, revelando com isso conduta contrária à ética militar”.
E complementa o relatório: “Faltou ao Justificante [Bolsonaro] coragem moral para sair do Exército, onde não encontrava perspectivas e se dizia angustiado por não poder atender à família”.
Na política, fora do Exército, juntamente com seus filhos detentores de mandatos, Bolsonaro enriqueceu, como mostra levantamento realizado pela Folha de S. Paulo, ainda durante a campanha a presidente.
“O deputado e presidenciável Jair Bolsonaro e seus três filhos que exercem mandato são donos de treze imóveis com preço de mercado de pelo menos R$ 15 milhões, a maioria em pontos altamente valorizados do Rio de Janeiro, como Copacabana, Barra da Tijuca e Urca”, informaram os repórteres Ranier Bragon, Camila Mattoso e Ítalo Nogueira.
O item 4 dos supostos mandamentos de Gandhi trata da sabedoria sem caráter. Quem mente reiteradamente, como Bolsonaro, é o quê? Sábio? Pessoa de caráter?
O item 5, Negócios sem moral, poderia ser respondido pelo seu grande amigo Fabrício Queiroz, que Bolsonaro colocou para trabalhar no gabinete do filho Flávio.
No que diz respeito à Ciência sem humanidade, como define o item 6, não se aplica à vida de Bolsonaro, e não há necessidade de argumento. Ciência e humanidade são conceitos que estão em uma extremidade do universo. Bolsonaro está na outra. No caso dele, é mais fácil falar em ignorância e desumanidade.
Oração sem caridade, item 7: Em público, já se viu Bolsonaro recebendo oração da parte de Silas Malafaia e outros pastores, mas nunca orando, exceto quando esteve em Jerusalém e encostou a cabeça no muro das lamentações e mostrou para os fotógrafos que estava colocando um papelzinho lá, que ele fez questão de dizer que continha as palavras: “Que olhe pelo Brasil.”
A biografia de Gandhi registra que ele teve encontro com cristãos protestantes que lhe entregaram a Bíblia. Depois de lê-la, o líder da Independência da Índia disse que não havia na literatura mundial texto tão imprescindível quanto o Sermão da Montanha.
Convidado a se converter ao Cristianismo, afirmou que, verdadeiramente, as palavras de Cristo eram insuperáveis, mas havia um problema: os que se dizem cristãos não praticam nada do que diz o texto.
O que Gandhi diria do milionário líder da igreja Assembleia de Deus Vitória em Cristo, o Malafaia?
Enfim, Bolsonaro quis lacrar ao reproduzir o meme com frases atribuídas a Gandhi. Mas, para quem sabe examinar textos, é fácil concluir que, no Twitter de Bolsonaro, soa tão falso quanto a promessa de combate à corrupção que ele fez durante a campanha de 2018.