PUBLICADO NO VERMELHO.ORG
POR NATHANIEL BRAIA
O evento, ao qual compareceram chefes de Estado de 40 países, entre eles, o presidente francês, Emmanuel Macron; o da Alemanha, Walter Steinmeier; o da Argentina, Alberto Fernández, o príncipe Charles, da Inglaterra; Zelensky, presidente da Ucrânia e Matarella, da Itália, foi marcado por homenagens aos combatentes soviéticos, incluindo a inauguração do Memorial da Vela, em memória aos que resistiram ao cerco nazista a Leningrado, que durou mais de 900 dias. Leningrado, assim como Stalingrado, não se rendeu, mas a resistência custou aos soviéticos 27 milhões de vidas, com mais um milhão de mortos somente na heroica cidade, que lamentavelmente voltou à denominação de São Petersburgo, como era chamada nos tempos do domínio monárquico.
Também compareceram os presidentes da Romênia, Finlândia, Bulgária, Georgia, Bósnia-Herzegovina e Chipre.
Tragédia compartilhada
Putin chamou o genocídio de judeus na Segunda Guerra Mundial de “tragédia compartilhada”, destacando que 40% dos milhões de judeus exterminados sob o tacão nazista eram soviéticos. “Na Lituânia, durante o período de ocupação nazista, mais de 95% dos judeus foram mortos”, ressaltou.
Colaboracionistas
“A chamada ‘Solução Final’ foi um dos mais terríveis capítulos da história humana”, acrescentou Putin, que também condenou duramente os colaboracionistas: “Aqueles que colaboraram com os nazistas eram, às vezes, mais cruéis do que os nazistas. Não somente os nazistas atuavam nos campos de concentração e de morte, mas também seus ajudantes de outros países através da Europa”.
“A Nação Soviética foi aquela que pôs um fim ao maldito plano nazista. Enquanto protegeu sua pátria, a Nação Soviética também libertou a Europa. A memória do Holocausto continuará a ser uma lição e um alerta somente se a verdadeira história for contada, sem que se omita os fatos”, declarou Putin.
Revisionismo
Referindo-se às tentativas de governos como o da Polônia de revisar a história – inclusive afirmando que a libertação da Polônia do jugo nazista, que incluiu a abertura dos macabros portões de Auschwitz, foi uma “segunda ocupação” -, Putin seguiu alertando a que “infelizmente, hoje, a questão do Holocausto se tornou uma matéria de política, quando os políticos de hoje e do futuro são obrigados a proteger o bom nome dos heróis do passado, das vítimas dos nazistas e dos colaboracionistas”.
Maus espíritos sob novo disfarce
O presidente alemãoFrank-Walter Steinmeier, denunciou que “os espíritos do mal estão emergindo em um novo disfarce, apresentando seu pensamento racista, antissemita, autoritário como uma resposta para o futuro, uma nova solução para a nossa era”.
Ele expressou “sua profunda dor” ao ter que assumir que “os perpetradores eram seres humanos. Eram alemães. Os que assassinaram, os que planejaram e ajudaram no assassinato, os que silenciosamente cumpriram as normas: eram alemães”.
“Sim, nós alemães lembramos”, disse Steinmeier, que a esta altura do pronunciamento fez recordar uma das histórias do terrível período nazista. “Este lugar lembra Ida Goldish e seu filho de três anos, Vili. Em um outubro eles foram deportados para o gueto de Chisinau. No amargo frio de janeiro, Ida escreveu sua última carta a seus pais: ‘Me arrependo do mais fundo de minha alma pois, quando da partida, não percebi a importância do momento e não os abracei com toda a força, nunca deixando que vocês saíssem de meus braços”.
“Mas, às vezes”, prosseguiu, “parece que entendemos o passado melhor do que o presente”.
Steinmeier declarou que “gostaria de dizer que aprendemos com a história; mas eu não posso dizer isso quando o ódio está se espalhando, quando crianças judias levam cusparadas nas escolas, quando apenas uma porta grossa de madeira impede um terrorista de direita de causar um banho de sangue em uma sinagoga no Yom Kipur [Dia judaico da expiação dos pecados] na cidade de Halle”.
Responsabilidade histórica
“Esta Alemanha só viverá para si se viver para cumprir sua responsabilidade histórica. Protegeremos a vida judaica. Sei que não estou só. Não ao antissemitismo! Não ao ódio!”, finalizou.
Sem dúvida um belo discurso, mas com uma falta grave talvez ainda carregada por algum complexo de culpa pelo que seus compatriotas de oito décadas atrás cometeram. Enquadrou como “antissemitismo” aquele estabelecido no quadro da “suposta crítica à política de Israel”.
Macron destacou que ao se enfrentar o “novo antissemitismo” que está erguendo sua cabeça na Europa e em outros lugares, “não devemos desistir de lutar”.
“Coisas terríveis aconteceram na França”, durante a Segunda Guerra Mundial e “por isso, do meu país, ao olharmos para Jerusalém, dizemos que o Holocausto não pode ser apenas história, não se pode jogar com isso, distorcer ou negar. Há uma Justiça. Há a História e as provas. Não vamos confundir as coisas para que não nos afoguemos no coração da escuridão”, alertou Macron.
Já o príncipe Charles se dirigiu aos líderes internacionais para afirmar que “se não fizermos a conexão entre as memórias acerca das atrocidades do passado e o presente, não há sentido para a história”.
Luta contra o racismo
O presidente de Israel, Reuven Rivlin, chamou todos os países a uma “total parceria na luta contra o racismo, o velho-novo antissemitismo que surge hoje de formas preocupantes”.
Ele alertou para um racismo que “toma a vestimenta da superioridade, pureza nacional e xenofobia que se esgueira no coração de lideranças e cobra um terrível preço em vidas humanas” e ressaltou a manutenção da democracia como um dos valores intrínsecos ao judaísmo.
E quanto ao racismo voltado contra os palestinos ?
Um belo pronunciamento, sem dúvida, mas que não saiu do terreno da generalidade vazia, diante da discriminação, dos crimes de guerra, das aflições impostas aos palestinos pelo Estado de Israel para manter a ocupação e o assalto a suas terras. Apenas como exemplo disso, um dia antes desse enfático discurso contra o racismo, matéria publicada no jornal israelense Haaretz, denunciava que 98% dos pedidos palestinos de construção de casas ou prédios na Cisjordânia são negados.
Apenas mais uma crueldade, em meio à prisão massiva de crianças, demolição de casas, assalto a terras, a exemplo da ameaça de Netanyahu de anexação de 40% das terras palestinas da Cisjordânia, que o presidente palestino, Mahmud Abbas, repudiou como mais uma ação que está “explodindo todas conquistas construídas durante anos pelos que se esforçaram pela paz”.
Não foi possível ouvir o chefe de Estado de Israel falar – em uma solenidade tão enlaçada por sentimentos de dor, de alerta e, ao mesmo tempo, de esperança com base na capacidade humana de superação – sem me perguntar como é possível a um homem como esse, aparentemente tão consciente do perigo do racismo para a civilização, conviver com a chamada Lei da Nação, promulgada pelo primeiro-ministro de seu país, Netanyahu, que, no lugar de uma Constituição que tornaria iguais seus cidadãos, independente da raça, credo ou concepção política, foi escrita com a finalidade de discriminar os 20% árabes, não judeus que vivem na sociedade que o autor do pronunciamento, Rivlin, preside.
Netanyahu, além de, da mesma forma que o presidente Rivlin, condenar o “antissemitismo” fez questão de saudar o Exército Soviético, dizendo que “nós sempre lembraremos que foram os soldados do Exército Vermelho aqueles que abriram os portões do campo de concentração de Auschwitz”.
No entanto, coube também a Netanyahu, na maior contradição da noite com o encontro mundial para homenagear os que se doaram para libertar a Humanidade de um regime opressor, destoar do clima que prevaleceu no evento, ao destilar uma venenosa arenga contra o Irã: “O mais antissemita dos regimes do mundo que busca desenvolver uma bomba atômica – enquanto Israel possui centenas delas – com o único fito de destruir o Estado judeu”, segundo ele.
No auge de seu cinismo, disse também que Israel “tem as mãos estendidas aos seus vizinhos”, enquanto assalta, agride e discrimina os vizinhos palestinos.
E não parou por aí. Disse que: “Israel saúda os Estados Unidos por se manter firme contra o Irã, um país que escraviza seu povo e é ameaça à paz e segurança no Oriente Médio”.
Daí chamou os líderes presentes a se juntarem aos EUA e Israel no confronto com o Irã.
Pence foi pelo mesmo caminho de Netanyahu, esquecendo que foi Trump quem rompeu o acordo nuclear e impôs dolorosas sanções ao Irã que não fez, apesar de todas as acusações, até hoje, nenhum ataque militar a Israel, dizendo que “o mundo deve se erguer firme contra a República Islâmica do Irã”.
Ausências
Por fim, vale ressaltar que Trump, que se colocava como o mais dileto amigo de Netanyahu, e o que se diz mais leal a Israel do que os judeus que votam democratas, não compareceu. Enviou seu vice, Mike Pence.
Outra ausência foi a de um outro presidente: Bolsonaro. Aquele que apreciou muito andar em meio a bandeiras de Israel e dos Estados Unidos pelas ruas brasileiras, que propalou a sua “amizade com Israel”, mas que também foi capaz de dizer do Holocausto que “era possível perdoar, mas não esquecer” e que o nazismo teria sido “um movimento de esquerda”, exatamente à saída do Yad Vashem, o local onde aconteceu a reverência mundial à libertação da maior das máquinas de extermínio nazista. Não só ele, que “já tinha uma viagem programada para a Índia”. Nenhuma figura de seu malfadado governo apareceu, ainda mais depois do desastroso pronunciamento com citações de Goebbels por parte de seu ex-ministro da Cultura. Puro constrangimento ou concordância – em seu âmago – com os nazistas?
Fonte: Hora do Povo