Willy Delvalle, de Paris
Os primeiros repatriados europeus de Wuhan, epicentro do coronavírus na China, começam a compartilhar seus relatos no confinamento, mostrando o significado psicológico do repatriamento.
Na França, que repatriou 180 cidadãos na sexta-feira, apesar do isolamento no litoral sul do país, a rotina vai sendo conhecida pela sociedade através da imprensa e da internet.
Nos 14 dias que vão passar num centro de férias, os confinados devem medir suas temperaturas duas vezes por dia, preferencialmente antes do café da manhã e a outra, do jantar, e comunicá-las aos enfermeiros.
Esse local fica na cidade Carry-le-Rouet, um balneário a aproximadamente 30 quilômetros de Marselha. Segundo reportagem do jornal Ouest-France, eles podem circular por toda a área do complexo, sob condição de usar uma máscara.
A ideia inicial do governo era enviá-los para um quartel, mas a proposta de um lugar agradável prevaleceu.
De acordo com a publicação francesa, o lugar mantém seu aspecto de colônia de férias, com crianças brincando com massa de modelar, adolescentes jogando vôlei e adultos num clima de “convivialidade” em torno de um café.
Duas pessoas, desde a chegada, apresentaram sintomas suspeitos, mas o diagnóstico foi negativo.
Ainda segundo o Ouest-France, principal jornal do sudoeste do país, vinte pessoas, dentre médicos, enfermeiros e psicólogos compõem a equipe de apoio no centro, assim como militares, para a segurança civil, e 30 voluntários da Cruz Vermelha.
Os pais de um dos confinados, um estudante, tentaram acessar o local para lhe trazer roupas, mas não puderam entrar. Tiveram que passar as roupas em uma mochila pelas grades do portão, região vigiada pelos militares.
Os pais disseram à imprensa local se sentirem mais tranquilos com o fato de saber que o filho está recebendo cuidados na França. “Eu penso que eles estão todos aliviados de estarem aqui, em condições muito boas”, disse o pai.
A declaração contrasta com a angústia dos brasileiros em Wuhan, cujo repatriamento foi categoricamente negado pelo governo Bolsonaro.
Em um vídeo, crianças e adultos do Brasil apelam por ajuda ao presidente brasileiro, e diante da recusa do primeiro, também à União Europeia e aos países latino-americanos.
Em Carry-le-Rouet, Sébastian Ricci, jornalista francês da agência de notícias AFP, contou à rádio France Info, as condições do confinamento: “Esperávamos uma quarentena muito mais rígida, onde as enfermeiras nos veriam por meio de um vidro. Mas para a nossa grande surpresa, foi longe disso. Chegamos num lugar com vista para o mar, num ambiente muito mais de colônia de férias, muito mais convivial, familiar. A ideia é de nos colocar num ambiente de ‘descanso’ para diminuir a pressão e o estresse que alguns repatriados tiveram nesses últimos dias por causa da situação em Wuhan”.
Perguntado sobre as restrições, respondeu que não há contato com pessoas externas ao centro como forma de evitar eventuais riscos de contaminação.
“Liberdade de movimento dentro da colônia, o que é ainda assim uma grande liberdade, a título pessoal, de não estar confinado unicamente num quarto ou num cômodo ao longo do dia”, afirma.
“Podemos nos falar, passar o tempo juntos. E o porte de máscara é para nos tranquilizar, é um aspecto psicológico extremamente forte. E isso permite às pessoas que estariam doentes evitar contaminar as pessoas em volta em uma conversa ou por meio de um espirro. Por isso somos obrigados a usar uma máscara”, esclarece.
Ele diz que o clima é de brincadeira quando alguém espirra, vai tossir, “como isso pode acontecer com qualquer um de nós independentemente do coronavírus”.
Descreve a estadia no local como uma “aventura de 14 dias juntos numa colônia de férias, com a ressalva de que não fizemos a escolha, não escolhemos estar nessa situação”.
O clima, no entanto, é de indefinição em relação ao futuro. Ele explica que a mudança foi drástica de um dia para o outro e que as pessoas não sabem se poderão um dia voltar para Wuhan. “Alguns vão voltar definitivamente para a França. Pessoas que tinham um contrato, que moravam em Wuhan e que por força da situação deverão ir embora”.
A data do repatriamento foi informada de última hora, pertences ficaram na China, sem que as pessoas realmente tivessem tempo de se preparar ou até mesmo se apresentar ao Consulado francês.
“Pode parecer um detalhe, mas numa cidade de 11 milhões de habitantes, na qual a circulação é fortemente limitada, e na qual não há mais nenhum transporte, é também um desafio poder se locomover”.
O sentimento das pessoas repatriadas, diz, é em geral de serenidade: “para alguns, de alívio, porque estavam apenas de passagem na China enquanto turistas e ficaram numa encruzilhada, enquanto outros esperavam por razões sanitárias um repatriamento mais rápido possível”.
O relato é bem diferente de um estudante polonês que fazia um intercâmbio universitário em Wuhan. Repatriado para Varsóvia, o estudante, assim com outros jovens suspeitos de terem o vírus, gravou um vídeo no quarto de um hospital na capital polonesa.
“Eles pensam que eu posso ter o coronavírus. Este é o quarto de isolamento”, mostra no início do vídeo, depois de um dia isolado.
“As pessoas entram por essa porta e saem por aquela. Eles nunca vão no sentido inverso”, explica. “Há um tapete especial que retém a sujeira dos sapatos para que ela não vá para os outros quartos”, continua.
“Há uma janela especial por onde todas as refeições são servidas. Cada quarto tem duas portas e duas janelas. Então é impossível que se alguém abrir a porta estar do lado de fora, porque tudo é isolado”.
Ele gravou um outro vídeo três dias depois, quando o diagnóstico apontou que ele não estava infectado. “Fui informado que eu e meus colegas não somos portadores do vírus. Então felizmente é minha última noite aqui”.
A França solicitou à Comissão Europeia a ativação do mecanismo de proteção civil da União Europeia, o que permite que o consulado francês em Wuhan preste assistência aos cidadãos europeus na cidade e repatriá-los no mesmo voo que os franceses de volta para a Europa.
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