Publicado originalmente no jornal GGN
POR LUIS NASSIF
Peça 1 – o histórico de Dario Messer
Desde os anos 90, Dario Messer era conhecido como um dos mais influentes doleiros do país, sucessor da Casa Piano, como doleiro dos doleiros.
Algumas referências a ele, retiradas dos arquivos da Folha:
Junho de 2003, a Folha divulgou o envolvimento de Dario Messer com a máfia dos fiscais do Rio de Janeiro.
Agosto de 2004 – com base em um CD enviado pela Promotoria de Nova York à CPI do Banestado, sobre as contas do MTB Band, de Nova York, entre janeiro de 1997 e 24 de novembro de 2003, mostrou que doleiros brasileiros giraram US$ 2,4 bilhões em 42 contas. A principal operadora era a Depolo Corporation, que se constatou ser de Dario Messer, alvo de mandado de prisão na Operação Farol da Colina.
Junho de 2005 – Justiça Federal decreta bloqueio de bens de procuradores do jogador Ronaldo. Na agenda dos empresários, aparece várias vezes o nome Dario, que a PF constata ser Dario Messer, titular de conta no CBC Bank, em Nova York.
Setembro de 2005 – denunciado por um adversário, Toninho Barcelona, como sendo operador do PT. A denúncia não foi comprovada. Mas constatou-se sociedade de Bruno Messer, sobrinho de Dario, com o senador Ney Suassuna (PMDB-PB). Segundo reportagem da Folha, a PF já considerava Dario Messer o maior doleiro do país, tendo movimentado maus de US$ 1 bilhão. Em outra denúncia, Messer é apontado como doleiro do banco Oportunity.
Nos anos 90, seu nome foi envolvido em escândalos como a dos Precatórios e da Máfia do INSS.
Peça 2 – o relatório Mentor e Dario Messer
Na CPMI do Banestado, houve conflito entre os parlamentares, o que resultou em dois relatórios. Um deles teve como relator o deputado José Mentor (PT-SP). Nele, o nome de Dario Messer é mencionado 276 vezes e apontado como o cabeça central do esquema de doleiros em torno do Banestado.
O relatório se baseou em informações enviadas por autoridades americanas.
Página 180 – menciona as transferências de Messer para o exterior através da Real Cambio, que operava com “autorização especial” do Banco Araucária, principal instituição do escândalo das contas CC5;
Página 233 – menções a Messer pela diretora de câmbio do Araucária.
Página 327 – a principal operadora externa do caso Banestado, a conta Bacon Hill, da Bacon Hill Service Corporation, da família Anibal Contreras, foi financiada por Messer. A revelação foi do próprio Anibal Contreras. Além disso, Messer controlava as contas Midler e Rigler e participava da Depolo Corporation, empresa com conta no Banco MTB de Nova York, e que recebeu mais de US$ 400 milhões de transferências de contas de diversas agências do Banestado.
Página 342 – aponta Messer como um dos maiores doleiros do país. E diz que seu nome é sempre lembrado quando se trata de contrabando de diamantes e pedras preciosas.
Página 343 – descreve o depoimento de Contreras a autoridades americanas. Diz que ele e Messer foram sócios do Banco Dimensão (de grande envolvimento no Escândalo dos Precatórios). Admite também ter sido financiado por Messer.
Página 345 – reportagem do Jornal do Brasil, de 20/04/2003, sobre o envolvimento de Messer com o escândalo dos fiscais do Rio de Janeiro. A matéria diz que a PF tinha informações sobre contas de Messer nos EUA. Fala de seu envolvimento com o escândalo dos precatórios.
Página 351 – o papel do Banco Dimensão no esquema de doleiros. Depois, seu fechamento e substituição pela FPLM Participações Ltda. Mostra o envolvimento da família no escândalo da Máfia o INSS, no início dos anos 90, que desviou mais de Cr$ 64,8 bilhões.
Página 373 – procuradores da Força Tarefa do Banestado, Vladimir Aras e Carlos Fernando Lima, conseguiram depoimento de ex-gerente do Merchants Bank, na qual ela indica que Messer era sócio de Setton.
Peça 3 – as suspeitas sobre Figueiredo Bastos
Em 2018 apareceram as primeiras suspeitas sobre Figueiredo Bastos e procuradores da Lava Jato.
Segundo o doleiro Juca Bala,
Juca Bala contou que em meados de 2005 ou 2006, Enrico, um operador financeiro do esquema comandado por Dario Messer, considerado o doleiro dos doleiros, começou a exigir de Juca e de um sócio uma taxa mensal de US$ 50 mil, a fim de possuir proteção da Polícia Federal e do Ministério Público; que Juca pagava US$ 50 mil por mês, convertidos em reais, hoje cerca de R$ 187 mil, que mandavam entregar em endereços indicados por Enrico; que, além de Juca Bala e do sócio, os doleiros Matalon, Richard Waterloo e outros também pagavam a taxa; que os pagamentos eram destinados a dois advogados de outro doleiro, Clark Setton, o Kiko: Juca disse que os advogados seriam Figueiredo Basto e um outro que não se recordou do nome; que os pagamentos foram feitos de 2005 ou 2006 até 2013.
No início, supôs-se que Figueiredo Bastos tivesse recorrido ao golpe da venda de prestígio. Ou seja, alegaria um relacionamento não profissional inexistente com um procurador, e levantaria mensalmente recursos a título de remunerá-lo.
Peça 4 – aparece o nome de Januário Paludo
A reportagem sobre o testemunho de Paludo reforçou as suspeitas levantadas pela Lava Jato do Rio de Janeiro, sobre as estripulias do advogado Figueiredo Bastos – o mais influente advogado de delações premiadas junto à Lava Jato do Paraná.
Novembro de 2019 – Durante a Operação Patron, última fase da Lava Jato do Rio, a Polícia Federal do Rio de Janeiro apreendeu o celular de Messer. E localizou mensagens para a namorada, na qual ele afirmava pagar propinas mensais a Januário Paludo, a título de proteção nas investigações a seu respeito. Os diálogos aconteceram em agosto de 2018.
Segundo a reportagem, a mensagem de Messer dizia que “sendo que esse Paludo é destinatário de pelo menos parte da propina paga pelos meninos todo mês.”:
“Segundo a PF, os “meninos” citados por Messer são Claudio Fernando Barbosa de Souza, o Tony, e Vinicius Claret Vieira Barreto, o Juca. Ambos trabalharam com Messer em operações de lavagem de dinheiro investigadas pela Lava Jato do Rio. Depois que foram presos, viraram delatores. Em depoimentos prestados em 2018 à Lava Jato no MPF-RJ (Ministério Público Federal do Rio de Janeiro), Juca e Tony afirmaram ter pago US$ 50 mil (cerca de R$ 200 mil) por mês ao advogado Antonio Figueiredo Basto em troca de proteção a Messer na PF e no Ministério Público”.
Fevereiro de 2020: reportagem da UOL mostrava que procuradores da Lava Jato viram proteção ao doleiro Clark Setton em 2005, e propunham anulação do acordo de delação.
Peça 5 – o que disse o procurador que testemunhou em defesa de Messer
No dia 3 de fevereiro de 2020, reportagem da UOL coloca a peça que faltava no jogo: a informação de que Paludo atuou como testemunha de defesa de Dario Messer, em Ação Penal do Ministério Público Federal, no dia 3 de fevereiro de 2011 – período supostamente abrangido pela mensalidade paga pelos doleiros.
O advogado de Messer era Figueiredo Bastos.
No seu depoimento, Paludo alegou que não foi identificado nenhum envolvimento do doleiro Messer com as contas da Banestado. Paludo informa que não encontrou nenhum indício de ligação entre Messer e o doleiro Clark Setton, “a não ser pelo depoimento de um dos doleiros, que de forma rápida citou até a família Messer”.
No depoimento, desqualifica o relatório da CPMI, pelo fato de não ter sido aprovado de maneira unânime pela comissão.
Confrontado com a reportagem, a assessoria de imprensa do MPF do Paraná respondeu assim:
Testemunhas não estão vinculadas às partes. Quando são apontadas por elas, têm obrigação de depor em juízo e esclarecer a verdade, o que o procurador fez junto com outro procurador e delegado que também foram arrolados e testemunharam. Na ocasião do depoimento prestado, em 2011, o procurador regional da República Januário Paludo limitou-se a relatar os fatos que haviam ocorrido em 2005, da exata forma em que ocorreram. Assim, os fatos referidos no depoimento, ocorridos há 15 anos, já foram devidamente esclarecidos há mais de 9 anos pelo Procurador Regional da República Januário Paludo.
No final do capítulo destinado a Messer, o relatório listava 9 indícios de envolvimento dele com o esquema Bacon Hill, nenhum considerado na denúncia final da Força Tarefa:
1) Nome de Dario Messer em agendas de funcionários de Alexandre Martins e Reinaldo Pitta;
2) Nome de Dario Messer na agenda da Beacon Hill, com seu celular e telefone fixo. confirmados pela quebra de sigilo telefônico;
3) O relacionamento estreito da Stream Tour – ou subconta MIDLER – com Dario Messer, via contatos telefônicos diários;
4) O relação entre o ex-Banco Dimensão e o MTB Bank. banco no qual se achavam as contas DEPOLO, KUNDO e SOLID;
5) O volume de transações entre o Dimensão e o MTB, e ao mesmo tempo, a movimentação elevadíssima da offshore Worldtrust com o Banco Dimensão, e da Worldtrust com a DEPOLO, no MTB Bank;
6) O depoimento de ex-funcionário dos empresários Pitta e Martins confirmando que Dario Messer mantinha muitos contatos com os empresários ,e que fazia a compra e venda de dólares via DEPOLO;
7) ‘O cheque nominal à Dario Messer endossado e creditado na DEPOLO;
8) Relatórios da conta DEPOLO informam que Clark Setton e Mordko Messer participavam de reuniões com gerentes do MTB Bank. sendo que Mordko encontrava-se já com saúde debilitada.
9) Pelo exame dos sigilos bancário e telefônico de Dario Messer e dos empresários Alexandre Martins e Reinaldo Pitta, verifica-se que Dario, Martins e Pitta operam em conjunto. pois ‘Pitta e Martins realizavam pagamentos em reais por meio de seus funcionários (laranjas) a clientes de Dário Messer.
Peça 6 – as investigações sobre Paludo
As informações colocam sob suspeita toda a Lava Jato, já que grande parte dos procuradores atuou o caso Banestado, e suscitam dúvidas consistentes: Paludo agiu sozinho ou contou com a cumplicidade de alguns colegas?
Nota-se que era o mais experiente dos procuradores, com boa ascendência sobre colegas mais jovens, a ponto do grupo do Telegram ser batizado como “filhos de Paludo”. Portanto, pode ter sido uma cooptação individual.
Mas as informações confirmam as suspeitas que o GGN, e outros sites independentes, divulgaram desde 2015, e que foram solenemente ignoradas pela mídia, sobre os advogados da delação premiada. A blindagem da mídia sobre a Lava Jato era tão formidável que passou aos procuradores a sensação da impunidade perpétua. Ganharam poder absoluto, porque as suspeitas contra eles eram jogadas no caldeirão geral do petismo.
Não há modelo que resista essa exposição ao poder absoluto.
O caso Paludo poderá ser o doloroso, porém necessário, encontro de contas do MPF com a sua história.