Alessandra Negrini desceu do Olimpo e deu sua bênção para o início do carnaval de São Paulo no último domingo, desfilando como rainha do bloco de rua Baixo Augusta.
A musa do carnaval paulista resolveu usar uma fantasia de índia e os militantes não-índios ficaram ensandecidos na internet. Festejada pela beleza, execrada pela “apropriação cultural”.
Não é nova a ideia de policiar fantasias de carnaval. Em 2019, a polêmica envolvendo cocares de índio na avenida – como se não tivéssemos nada melhor pra fazer – já existia.
Depois disso, pensava-se que os militantes não-índios curtiriam tranquilos seus carnavais, na certeza de que não havia índios ofendidos precisando de um jovem militante que os defendesse no Facebook.
Só que não.
Em 2020, a polêmica retorna com ainda mais força. Em Belo Horizonte, existe até uma cartilha de fantasias ofensivas, orientando o folião sobre como se vestir no carnaval sem medo de ser cancelado pela militância.
Erro rude, sobretudo porque os índios, aqueles que deveriam ser os maiores ofendidos, não estão preocupados com os adereços usados pelo branco num barato de lança-perfume – há outras preocupações mais latentes, como a demarcação de terras indígenas, por exemplo.
A militância – sobretudo aquela militância de internet, que só lê manchete e nunca sai às ruas – procura falar pelas minorias, se sente de fato apta a representá-las, e isso é infinitamente mais violento do que usar um cocar na Augusta. Isso é a nova colonização, tal qual um bispo que busca evangelizar uma tribo.
É dizer, de novo, ao índio bom selvagem, o que é sua própria cultura e o que é capaz de ferí-la. É deixar de permitir que o índio fale por si, como previu Spivak em seu brilhante trabalho “Pode o subalterno falar?”
Fora que providenciar uma cartilha pra fantasias de carnaval é um desserviço ao pensamento progressista porque parece ignorar a liberdade individual, dando às massas a ideia de radicalismo, aprisionamento e patrulha moral, e distanciando-as ainda mais do respeito à igualdade e diversidade que tanto buscamos.
Se os militantes de ocasião estivessem de fato interessados na questão indígena, estariam nas ruas lutando pela demarcação de terras e pelo fim do genocídio e da neocolonização dos povos originários. Estariam, no mínimo, buscando conhecer e popularizar a cultura dos primeiros habitantes do Brasil.
A verdade é que todo mundo quer uma causa pra chamar de sua, todo mundo quer estar na crista da onda, todo mundo quer se sentir ajudando de alguma forma – mesmo que seja enchendo o saco dos outros por conta de um cocar.
Se os índios continuam sendo ignorados pela branquitude e sendo brutalmente assassinados por garimpeiros, quem liga?
A causa indígena não serve aos índios, serve ao ego dos brancos, como todo o resto.