Publicado originalmente no Conjur
Uma juíza da Vara Plantão Criminal da Capital, em São Paulo, publicou decisão enquanto a defesa iniciava sua sustentação oral. O caso, segundo a advogada Maira Machado Frota Pinheiro, ocorreu na última quinta-feira (13/2), durante uma audiência de custódia na Barra Funda.
O episódio é relatado em um Habeas Corpus ajuizado por Maira na segunda-feira (17/2). De acordo com o documento, ela foi chamada para a audiência às 14h56. A sustentação da defesa começou pouco depois, após uma pronúncia de um minuto e 23 segundos feita pelo Ministério Público.
Ocorre que, embora a audiência tenha acabado às 15h13, a decisão já estava publicada no sistema e-SAJ às 15h05. O despacho ocorreu enquanto a defesa começava sua sustentação oral. É possível confirmar o horário porque ele está registrado na assinatura eletrônica.
“Ora, se a decisão foi liberada nos autos às 15h05, não seria possível que ela apreciasse os argumentos defensivos, pois ela já estava nos autos antes mesmo de a defesa concluir sua fala”, afirma o HC.
Ainda de acordo com Maira, “isso significa que nada do que a defesa dissesse em audiência faria a menor diferença, pois não só a decisão já estava tomada, como ela já estava nos autos”. “A defesa era uma mera figurante, e seu exercício, uma mera formalidade”, prossegue.
Irregularidades
No HC, a advogada relata outras duas irregularidades que teriam ocorrido durante a audiência de custódia. A primeira delas é que a juíza teria interrompido sua fala.
A magistrada, segundo a gravação feita por Maira, interrompeu sua sustentação após 10 minutos e 33 segundos, dizendo que já haviam se passado os 15 minutos a que a defesa tem direito.
“A defesa disse que concluiria rapidamente, e assim o fez, terminando a fala com 11 minutos e 11 segundos. A audiência terminou exatamente às 15h13. É possível constatar esse horário exato, bem como a duração exata da fala da defesa, pois esta patrona costuma gravar as próprias sustentações orais. O horário de criação do arquivo de áudio, correspondente ao horário em que a gravação é concluída, é de 15h15, e a gravação foi interrompida logo após a patrona conversar brevemente com o paciente na saída da audiência”, diz.
Por fim, a advogada conta que, cinco horas antes da audiência, requereu a juntada, por meio do sistema e-SAJ, de documentação comprobatória da residência fixa e ocupação lícita de seu cliente.
No início da audiência, ela perguntou à magistrada se a documentação fora devidamente juntada aos autos, pois, caso não tivesse sido, havia também a cópia física dos mesmos documentos. A juíza respondeu que estava visualizando os dados.
Ao publicar a decisão, no entanto, a juíza afirmou não haver “indicação precisa de atividade laboral remunerada [do acusado], de modo que as atividades ilícitas, a toda evidência, são fonte (ao menos alternativa) de renda […] Não há indicação precisa de endereço fixo que garanta a vinculação ao distrito da culpa, denotando que a cautela é necessária”.
A magistrada decretou a detenção do réu, convertendo o flagrante em prisão preventiva, e determinou a destruição das drogas.
Caso
O caso envolve um homem apreendido com maconha. De acordo com a polícia, o réu possuía 4 gramas da droga em sua posse, o que lhe rendeu a acusação de tráfico. O laudo policial, no entanto, também apresenta uma contradição interna.
Isso porque, enquanto o texto indica que que o entorpecente apreendido teria massa líquida de 4 gramas, na fotografia da balança de precisão há indicação de 2,26 gramas de massa.
Na audiência, a defesa pretendia que o flagrante fosse relaxado, considerando que ele estava formalmente irregular por conta da contradição interna do laudo e porque a quantidade apreendida é compatível com o uso pessoal e não com o tráfico. Além disso, haveria irregularidade material, frente à insignificância da conduta do réu.
Alvará de soltura
Nesta quarta-feira (19/2), a juíza Sirley Claus Prado Tonello, do Foro Central Criminal da Barra Funda, concedeu a ordem, no seio do HC, e expediu o alvará de soltura do réu, para que ele aguarde em liberdade. Ela não tem ligação com o caso narrado nesta reportagem (trata-se de outra magistrada).
“É muito marcante como às vezes a defesa é tratada como inconveniente. Como se exercer uma defesa efetiva naquele momento fosse o equivalente a fazer as pessoas que estão ali perderem tempo. É um pouco o que fica parecendo com a interrupção. Estou até agora tentando entender qual que é a motivação por trás de dizer que os 15 minutos foram extrapolados quando ainda tinham 5 minutos de fala”, disse a advogada à ConJur.
Clique aqui para ler o HC
1503385-76.2020.8.26.0228