A Federação Única dos Petroleiros (FUP), que reúne direções sindicais em todo o Brasil, pediu a suspensão provisória da greve dos petroleiros nesta quinta-feira (20). O objetivo da interrupção era negociar com a Petrobras. Os petroleiros interromperam suas atividades por 20 dias, com uma greve histórica – que foi negligenciada abertamente pela velha imprensa.
Na sexta (21), o ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Ives Gandra informou que Petrobras e funcionários chegaram a um acordo que põe fim à greve, acertando a questão das tabelas de turnos. O assunto, no entanto, não acabou com esse acordo.
Num editorial do dia 17 de fevereiro, o jornal O Globo conseguiu afirmar o seguinte: “O direito de greve é legítimo, mas é notável a falta de autocrítica dos dirigentes da federação dos petroleiros. Estabelecida há um quarto de século, a FUP se manteve como a maioria das entidades sindicais alinhadas à CUT, em silêncio obsequioso durante os governos do PT. Foi um período de 13 anos nos quais as ações da cúpula política, em Brasília, e o comando da Petrobras, no Rio, deflagraram um processo de devastação da empresa estatal, sem precedentes nos seus 66 anos de existência”.
“Falta de autocrítica” dos dirigentes petroleiros, Globo?
Esse editorial é uma falácia. Quando Lula assumiu, a Petrobras valia 30 bilhões de dólares. No governo de Lula e Dilma, a empresa chegou a ser a segunda maior petroleira do mundo e com uma valor de face superior a 300 bilhões de dólares.
O DCM, graças a fontes que são parentes de petroleiros grevistas, teve acesso a histórias de trabalhadores que estão passando por depressão, doenças graves e tristeza por causa da empresa que foi uma das maiores do mundo nos governos Lula e Dilma. Muitos estão morrendo em decorrência dessa situação.
No processo de privatização, venda de refinarias e mudança de gestão que começou no governo Temer e está se aprofundando com Bolsonaro, a maior vítima ainda é o operário, que está sendo demitido depois de dedicar sua vida ao desenvolvimento da empresa, orgulho nacional.
Há pelo menos 10 casos de trabalhadores que cometeram suicídio com as mudanças na Petrobras. Essa situação preocupa o Sindicato dos Petroleiros da Bahia (Sindipetro-BH) desde setembro de 2019.
Em um artigo escrito por Jailton Andrade, da própria Sindipetro, ele explica que “a depressão é uma das maiores causas de suicídio no mundo e fatores organizacionais contribuem para o aumento do suicídio no trabalho”. Alguns motivos específicos estão por trás de acontecimentos recentes.
Cortes de salários, lucro histórico e despedida em carta
Enquanto os petroleiros sofrem, a Petrobras teve o maior lucro da sua história de 66 anos.
Ela registrou lucro líquido de R$ 40,137 bilhões em 2019, 55,7% de crescimento na comparação com o ano anterior. De acordo com a empresa, foi o maior lucro nominal, sem considerar a inflação.
Segundo o jornal Folha de S.Paulo, em outubro de 2019, a Petrobras comunicou a seus empregados que começou a retirar benefícios e migrar contratos para a legislação trabalhista vigente. A decisão de incorporar a reforma do governo Temer foi tomada após ausência de negociações com os diferentes sindicatos que representam os petroleiros.
Isso contribuiu para provocar a greve dos trabalhadores neste começo de 2020.
Entre as entidades afetadas pelo desmonte, os cortes e as possíveis privatizações da Petrobras, está o caso da Refinaria Landulpho Alves (RLAM). Ela foi a primeira refinaria nacional de petróleo e fica na região do Recôncavo Baiano.
A criação dela, em setembro de 1950, foi impulsionada pela descoberta do petróleo na Bahia. Sua operação possibilitou o desenvolvimento do primeiro complexo petroquímico planejado do país e maior complexo industrial do Hemisfério Sul, o Pólo Petroquímico de Camaçari.
De acordo com o site oficial da própria Petrobras, na RLAM são refinados, diariamente, 31 tipos de produtos, das mais diversas formas. Além dos conhecidos GLP, gasolina, diesel e lubrificantes, ela é a única produtora nacional de food grade, uma parafina de teor alimentício utilizada para fabricação de chocolates, chicletes, entre outros, e de n-parafinas, derivado utilizado como matéria-prima na produção de detergentes biodegradáveis.
Carlos* era um dos trabalhadores responsáveis pela RLAM. Trabalhou na área de manutenção e estava aposentado. Estava inscrito na Fundação Petrobras de Seguridade Social, a Petros.
A mudança trabalhista afetou diretamente sua aposentadoria e com ela veio o desespero e a depressão com a situação de sua própria família.
Humilhado após décadas de serviços prestados a uma das refinarias históricas da Petrobras, Carlos* deixou uma carta de despedida para as pessoas mais próximas com todas as informações. Culpou os cortes na Petros para o seu ato final.
Foi para as dunas de Stella Mares, na costa de Salvador, e se envenenou.
Morte no Rio de Janeiro e casos de câncer
2020 já registrou mais um caso de suicídio envolvendo funcionários da Petrobras. José* faleceu em Cordeiro, no Rio, mas as circunstâncias não foram reveladas em detalhes. O caso aconteceu no final de janeiro.
Outros casos são relatados por mulheres e parentes de petroleiros nos grupos de WhatsApp. Mas muitas informações são omitidas pelo peso do assunto e para não expor a intimidades dessas pessoas.
Os cortes de alguns salários e aposentadorias chegam a 50%. A informação circula entre os próprios petroleiros, fora a perda de benefícios.
A Sindipetro-LP, em Santos, fez uma reunião no início de fevereiro para discutir uma série de casos de câncer de funcionários e funcionários aposentados da Petrobras envolvendo os setores industriais da empresa. O evento reuniu especialistas da Faculdade de Saúde Pública da USP para coordenar providências de prevenção dessa doença envolvendo circunstâncias do trabalho.
O que os petroleiros contam é que o aumento dos casos de câncer ocorreu, no caso de refinarias na Bahia, por exemplo, pela exposição dos funcionários ao hidrocarboneto aromático que conhecemos pelo nome de benzeno.
Para além dos casos de câncer, depressão e suicídios, há funcionários aposentados que morreram de enfarte, outros tipos de complicação de saúde, fora aqueles que sobrevivem com o trauma de assédio moral e procedimentos impróprios de demissão.
Outro lado
O DCM entrou em contato com a assessoria da Petrobras cobrando um posicionamento da empresa sobre os casos relatados e as informações que estão circulando nos bastidores.
A Petrobras está consultando seu RH e as divisões apropriadas da empresa para responder ao Diário. A assessoria de imprensa da empresa indicou o posicionamento deles a respeito das mudanças na Fundação Petrobras de Seguridade Social, a Petros, que afetou os trabalhadores aposentados.
“A Petrobras informa que o Conselho de Administração aprovou, em reunião realizada em 18/12, o encaminhamento para análise da Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (‘SEST’), da proposta de um novo plano previdenciário denominado Plano Petros 3 (‘PP3’),na modalidade de contribuição definida (‘CD’), a ser ofertado, em caráter de migração voluntária, aos participantes dos planos Petros do Sistema Petrobras Repactuado e Petros do Sistema Petrobras Não Repactuado (‘Planos BD’)”, informou a empresa em nota oficial. As alterações ocorreram depois da reforma trabalhista de Michel Temer, e o avanço dos planos de aposentadoria privados. De acordo com o jornal O Globo, a Petros só terá recurso para plano previdência antigo até 2033, enquanto os funcionários questionam cobranças extras.
O espaço está aberto para uma manifestação mais detalhada por parte da Petrobras.
*Os nomes dos petroleiros foram omitidos e alterados.