Ocupação guarani dribla a tropa de choque da PM no Jaraguá. Por Breno Castro Alves

Atualizado em 10 de março de 2020 às 18:42
Os guarani resistem no Jaraguá, em SP (FOTOS BRENO CASTRO ALVES)

POR BRENO CASTRO ALVES

Aconteceu na tarde de terça-feira (10) a reintegração de posse da ocupação Yary Ty, realizada pelos guarani da Terra Indígena Jaraguá, em São Paulo.

Os indígenas ocuparam por 42 dias o terreno da construtora Tenda, que pretende erguer torres no local. Para evitar o confronto, se retiraram antes do conflito e, agora, ocupam as calçadas em frente.

O projeto da Tenda se chama Jaraguá-Carinás e pretende construir ali 880 apartamentos. Os guarani denunciam irregularidades no processo. Em um dia, a empresa derrubou 500 árvores ilegalmente.

Em resposta, os guarani iniciaram a ocupação. 

No lugar das torres previstas pela incorporadora, defendem a construção do Parque Municipal Yary Ty e o Memorial da Cultura Guarani.

A Polícia Militar e a tropa de choque estavam presente às 6h da manhã com batalhão, drone e helicóptero, prontas para expulsar os ocupantes, que seguiam concentrados em ritual sagrado. 

Durante a noite, os guarani se prepararam. Os xondaro e as xondaria (guerreiros e guerreiras) passaram a noite se preparando com pinturas de jenipapo, urucum e carvão.

Estocaram mantimentos em locais estratégicos e traçaram rotas de fuga. Enquanto isso, dançavam, cantavam e cozinhavam, incessantemente. 

Ativistas e apoiadores de toda sorte chegaram durante a madrugada. Quando a tropa de choque se posicionou, havia cerca de 200 guaranis e 200 não indígenas no terreno e adjacências. 

A pintura corporal, a fumaça do petyguá (cachimbo sagrado) e o canto / dança incessante, em mantra, compõem o ritual que torna estes guerreiros mais fortes. Quando o dia amanheceu, trinta xondaros e xondarias estavam convencidos a resistir no alto das árvores, propondo um pesadelo tático para a polícia.

Às 07h, auge do conflito, os guarani estavam decididos a resistir. “Nossa luta é espiritual, não pode ter violência. Nós temos arco, borduna, lança; eles tem escudo, bomba e metralhadora”, disse Thiago Karai Djekupé, liderança da Terra Indígena Jaraguá, relatando para todos a negociação intransigente que teve com a PM. 

Prossegue Thiago: “Reza agora, pede para Nhanderu colocar na minha cabeça o caminho certo que a gente tem que fazer. Reza por nós todos, meu parente”.

Depois, à frente de todos, se sentou e chorou, enquanto uma matriarca o abençoava.

A presença de centenas de manifestantes, quatro vereadores e dezenas de jornalistas colaborou e a PM escolheu o caminho do diálogo. Suspendeu o uso da força e deu até as 15h para os ocupantes encontrarem uma solução jurídica – que não veio.

Os vereadores presentes eram: Juliana Cardoso (PT), Eliseu Gabriel (PSB), Gilberto Natalini (PV) e Eduardo Suplicy (PT). Todos buscavam uma saída jurídica, com apoio da OAB, da comissão, da defensoria e do ministério público estadual e federal. Tal saída não veio.

 

Em resposta, os guarani seguiram sua vocação pacífica e decidiram desocupar o terreno. Propuseram para a PM a transferência do acampamento para a calçada. Foram atendidos.

“A sensação é de empate. Tivemos um vitória e uma derrota ao mesmo tempo”, diz Karai Anthony, professor, escritos e xondaro aos 21.

“Mas considerando que eles tem metralhadora, talvez o empate seja um bom resultado. O último drone que subiu aqui, nós abatemos com uma banana. Foi eficiente”, avaliava o guerreiro, contando vantagem sobre a artilharia de fruta de seus companheiros.

Uma viatura ficará estacionada no terreno, que agora será ocupado por seguranças da Tenda. Sua entrada, porém, está tomada pela ocupação Yary Ty, que permanece e pede apoio. Convidam os interessados em colaborar para comparecer à rua Comendador José de Matos, Jaraguá, São Paulo.

Não houve consideração pelo Componente Indígena, uma exigência federal para obras ao redor de terras indígenas. Além disso, a área é zona de amortecimento do Parque do Jaraguá, o que tampouco foi considerado antes do início da derrubada irregular de mais de 500 árvores.

Os ocupantes propõem que a prefeitura de São Paulo encontre uma área já degradada para construir os edifícios, sem que ocorra a derrubada da mata nativa.

Além disso, a Tenda está impedida de trabalhar por duas proibições jurídicas. A primeira vem do Ministério Público Federal, que solicitou a imediata suspensão do corte de árvores, “uma vez que a Tenda derrubou 80% do terreno antes do licenciamento ambiental. A justiça federal acatou”, aponta Gabriela Pires, advogada da Comissão Yvyrupa.

A segunda, uma ação movida pelas Defensorias Pública Federal e Estadual (SP), citam os outros tipos de violação contidos no processo: a Convenção 169 da Organização Mundial do Trabalho (OIT), que determina a consulta da população indígena do entorno, não foi respeitada. O direito indígena foi ignorado, a FUNAI não foi ouvida em qualquer momento.

Hoje, a obra segue suspensa por tempo indeterminado. Dia 06/05, haverá audiência na justiça federal para tratar da conciliação dos dois processos.

Os guarani defendem que o prefeito de São Paulo, Bruno Covas, lide com o problema e encontre um terreno equivalente, de forma que a Tenda possa construir seus prédios e os guarani possam construir seu parque e centro de memória, Yary Ty, a flor do cedro – sua árvore sagrada.

 

Em nota, a Tenda afirmou que o “empreendimento imobiliário é destinado exclusivamente à moradia popular”.

A construtora diz que “respeita os questionamentos da comunidade indígena local e reitera que o projeto prevê preservação de 50% da área”.

“O empreendimento irá levar infraestrutura e saneamento à região, além de beneficiar até 2 mil famílias de baixa renda”, afirma a nota, que segue:

“A primeira fase do projeto favorece 880 famílias e atende a todos os procedimentos necessários para a legalização do empreendimento nas três esferas do Executivo, incluindo autorização para o manejo arbóreo, que prevê a supressão de 528 árvores, o replantio de outras 549 no local e a doação de 1.099 mudas para o município. A Tenda segue à disposição das autoridades e da sociedade civil para qualquer esclarecimento”.