Publicado originalmente na Rede Brasil de Fato
Por Rodrigo Gomes
Sem nenhum planejamento apresentado pelos governos para enfrentar a epidemia de coronavírus nas periferias e outras áreas de maior vulnerabilidade social, movimentos sociais e associações de moradores articulam ações por conta própria para evitar uma tragédia em áreas com grande densidade populacional, pouca infraestrutura e baixa cobertura de serviços de saúde.
“Estamos identificando as pessoas mais vulneráveis nas comunidades para auxiliar. Nas ocupações mais recentes, há poucos pontos de água, banheiros coletivos. Muitas pessoas têm trabalho informal, ficam sem condições de sobreviver e não têm como comprar álcool gel e máscaras”, explicou Josué Rocha, coordenador do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST) em São Paulo.
Ele explicou que reuniões, assembleias e mobilizações foram todas suspensas para evitar aglomerações. A Brigada de Saúde do MTST tem percorrido ocupações e bairros para orientar a população sobre os cuidados para se prevenir da infecção pelo coronavírus.
O movimento iniciou uma campanha de arrecadação para compra de álcool gel, máscaras e outros produtos que auxiliem na prevenção ao coronavírus, bem como cestas básicas para distribuir aos mais necessitados. A primeira etapa da arrecadação permitiu apoiar 1.200 famílias em todas as regiões que o MTST atua. O movimento organiza cerca de 50 mil famílias.
Nas ocupações de prédios a situação não é diferente. “Infelizmente, o poder público tem agido como se fosse um problema exclusivo da região central. Não tem propostas para as áreas pobres, favelas e ocupações. Nós cancelamos todas as atividades de reunião. O foco é total em informar as famílias como se prevenir e garantir a sobrevivência de quem não puder trabalhar”, explicou Raimundo Bomfim, coordenador da Central de Movimentos Populares (CMP). Os movimentos de moradia da região central também estão recebendo doações nas ocupações.
Periferias contra o coronavírus
Na semana passada, o governo de Jair Bolsonaro anunciou um apoio de R$ 200 mensais para trabalhadores informais inscritos no Cadastro Único. No entanto, nenhuma medida foi efetiva ainda.
O Brasil conta atualmente com cerca de 13 milhões de pessoas vivendo em favelas. Além disso, são 77 milhões de pessoas inscritas no Cadastro Único, via de acesso aos benefícios sociais. Outros 66 milhões de pessoas possuem uma renda muito baixa, de menos de meio salário mínimo por pessoa da família, e 41 milhões de pessoas recebem o Bolsa Família. O país ainda tem 41 milhões de trabalhadores informais.
Nesse cenário, a maior preocupação é a falta de condições para se prevenir do coronavírus, inclusive pela impossibilidade de quem está na informalidade deixar de trabalhar .
A Central Única das Favelas (Cufa) propôs uma série de medidas para reduzir o impacto da epidemia de coronavírus nas comunidades, entre ações de saúde e socioeconômicas.
“Considerando a enorme desigualdade social brasileira, a alta taxa de desemprego e a crescente informalidade do trabalho à qual estão expostas muitas famílias, a crise gerada por essa pandemia irá somar-se a uma situação já delicada, que causará um enorme impacto econômico e social, principalmente para as populações que sempre tiveram seus direitos de cidadania vilipendiados”, diz a entidade.
Dentre as medidas estão: distribuição gratuita de água, sabão, álcool 70% em gel e água sanitária em quantidade suficiente para cada morador das favelas brasileiras; organização em mutirões do Sistema S e das Centrais de Abastecimento para a distribuição de alimentos durante os meses de março, abril, maio e junho, quando são esperadas muitas pessoas infectadas pelo novo Coronavírus; instituição do Programa de Renda mínima para as famílias já inscritas no Cadastro Único e adicional de renda para os cadastrados no Bolsa Família; apoio financeiro específico para as famílias das crianças que estarão impedidas de frequentar as creches.
Campanhas
O Grupo de Trabalho de Saúde da População Negra da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade produziu uma cartilha para orientar as famílias moradoras de favelas sobre como se prevenir do coronavírus. “Muitas recomendações para proteção contra o coronavírus não são possíveis para uma parcela significativa de brasileiros, que vivem em regiões favelizadas e periféricas. Situações como essas mostram como nosso país é desigual e muitos cidadãos têm o direito à saúde negado”, afirmam os profissionais.
Dentre as dicas do grupo de trabalho estão orientações para prevenção, como higiene pessoal e do ambiente, para cuidado com idosos, o que fazer em caso de suspeita de infecção, como se proteger nas ruas e no transporte coletivo, sobretudo no caso dos trabalhadores informais e formais que não puderem parar, além de orientações para entreter e conversar com as crianças sobre a epidemia de coronavírus.
Outras organizações iniciaram campanhas de arrecadação para apoiar famílias em situação de vulnerabilidade. A Associação Franciscana de Defesa de Direitos e Formação Popular, junto com outras sete organizações, está apoiando 241 famílias e busca ampliar a rede de auxílio. “A não garantia do Estado por condições de moradia, saúde, emprego, saneamento básico e alimentação à população negra e periférica, é genocídio. Não há quarentena sem o direito a condições mínimas de existência”, defendem as organizações.
Lideranças comunitárias das maiores favelas de São Paulo – Paraisópolis e Heliópolis – avaliam ainda que as medidas propostas pelo governador paulista, João Doria, e pelo prefeito da capital paulista, Bruno Covas, ambos do PSDB, ignoram as periferias. As comunidades possuem grande densidade populacional, com moradias pequenas, em que vivem muitas pessoas, inclusive idosos.
O atendimento de saúde é basicamente feito por equipes de Saúde da Família e Unidades Básicas de Saúde. Atualmente existem três casos suspeitos em Paraisópolis e um confirmado em Heliópolis.