Por Ana Maria Oliveira
O ataque ao território das Comunidades Remanescentes de Quilombos de Alcântara, no Maranhão, com a determinação de deslocamento forçado é mais uma afronta à dignidade e aos direitos humanos daquela Comunidade.
Em tempos de pandemia do Coronavírus, o senso destrutivo dessa gente se faz mais maléfico.
Na ditadura, nos anos 80, de 1980 a 1985, as famílias sofreram o primeiro deslocamento forçado para a construção da Base de lançamento de foguetes do acordo Brasil/Estados Unidos que agora se pretende reeditar.
A luta sem tréguas dessas Comunidades para manter seus territórios teve o reconhecimento pela Fundação Cultural Palmares de que são Remanescentes de Quilombos, nos termos do artigo 8º da Constituição Federal da República Federativa do Brasil.
O INCRA iniciou os procedimentos administrativos para a regularização fundiária, mas os processos foram paralisados pela superposição de interesses do Estado brasileiro com tendência à rendição aos interesses americanos do Norte. A Comunidade resistiu, resiste, e segue ocupando os espaços territoriais que são de seu pertencimento.
Para quem somente conhece a história oficial dos dominadores de Alcântara, importante contar que o declínio do comércio de algodão e açúcar, ou a abolição formal da escravidão negra na composição dos fatores econômicos, não forjaram a motivação única para os empresários rurais abandonarem a cidade.
Nas diversas viagens que fizemos à Comunidade no trabalho de defesa do território, as conversas e escutas que travamos com a lúcida e ativa oralidade como qualificado instrumento de saber histórico entre gerações, tive ciência de que àquela época houve uma enfermidade muito grave que se abateu na cidade e obrigou as famílias a abandonarem suas propriedades. Esta informação coincide com estudos antropológicos realizados no local, mostrando que as epidemias trazidas ao país vieram com os navios negreiros, aqui destacando a febre amarela, introduzida no litoral brasileiro a partir de 1849.
Índios e Negros foram os únicos que permaneceram na cidade abandonada, e eles entregues à própria sorte em meio a epidemia. Nada difere da pandemia atual. Lá, sobreviveram graças à relação harmoniosa com a natureza e aos conhecimentos da medicina tradicional, originária de suas terras ancestrais, utilizando plantas medicinais com chás e inguentos. Desde então vivem no território, o que lhes confere a condição de donos das terras há mais de 3 séculos!
Quando se dá tão covarde golpe, as Comunidades quilombolas da Região não contam mais com apoio e proteção da Fundação Cultural Palmares -FCP, recentemente destruída pelo governo que contesta a existência do racismo.
Criada após 4 séculos de escravidão e intensa luta popular e Promulgação da Constituição Federal de 1988, veio a autorização da lei federal nº 7.668/88, e a Fundação Cultural Palmares – FCP foi criada como instrumento institucional destinado a conferir efetividade às garantias constitucionais em sua esfera de competência, com destaque ao processo de regularização da posse das terras quilombolas.
Tantos anos passados, a FCP efetivamente não conseguiu dar maior concretude à missão institucional justificadora de sua existência na estrutura de Estado, mas são incontestáveis seus feitos no cumprimento do papel público que lhe fora conferido.
Hoje, não bastando a extinção da políticas públicas em favor da igualdade, do combate ao racismo e as medidas cumpridoras dos mandamentos constitucionais relativos aos povos quilombolas, e em plena ascensão da pandemia do coranavírus no Brasil, o Governo Federal do Brasil incrementa sua política genocida, promovendo o despejo, realocação, seja qual nome for, levando o terror às Comunidades Remanescentes de Quilombos de Alcântara, gerando pânico e alerta social.
É preciso reagir!
Ações enérgicas e eficazes do Governo do Maranhão, das entidades de defesa dos direitos humanos, do Ministério Público Federal e da Defensoria Pública da União, com aporte das instituições jurídicas estaduais, sem desprezar o envolvimento da Ordem dos Advogados do Brasil e entidades democráticas com atuação no âmbito do sistema nacional de justiça, estão convocadas à reação não somente aos ataques contra as Comunidades Quilombolas de Alcântara, mas também em defesa da Soberania Nacional, contra a entrega da base de lançamento de foguetes aos domínios americanos.
Que os Orixás lhes protejam e sejam implacáveis com seus algozes!
Ana Maria Oliveira foi Procuradora-Chefe da Fundação Palmares de 2004/2008, membro fundadora da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia-ABJD.